30.4.20
2020: Uma Odisseia no espaço educacional
26.4.20
Bêbado
Tão confuso das ideias
Estado de euforia
De choro
De medo
De alegria
De tristeza
Bebeu pelos sonhos quebrados
Pelas asas queimadas
Do Ícaro vencido
Bebeu pela vida
Pela morte
Pela esperança tão escassa
Bebeu a garrafa vazia
De alma lavada
Estava tão bêbado da fermentação política
Da ebulição dos fatos
Da erupção onírica
Que vagou sozinho pelos corredores da casa
Sem conseguir encontrar a si mesmo
16.4.20
Os ombros do mundo
Lembrei de meu pai
Com os ombros em cima da mesa
Numa madrugada fria de 1986
Pensava na vida?
Na inflação do Sarney?
No imposto de renda?
Ou em outras mulheres?
Nunca sei
Nunca saberei
Ombros em cima da mesa
Não suportavam o mundo
Suportavam a cabeça escorada
E o peso daquele silêncio sombrio
Hoje, meu pai
Aos 46 do segundo tempo
Ainda consigo ver teus olhos
Mas teus ombros não carregam mais a dor do mundo
O mundo está escorado
Esperando que alguém acorde de madrugada
E sinta seu suspiro ofegante
Como quem pedindo socorro
Como quem pedindo um afago
15.1.20
Ex
ex poente
agora sou nascente
mais experiente
ou sol nascente
pronto para que você me experimente
sou meu expurgo
ex puto
sou todo ex
sou exílio
ex idílio
ex amor
ex lágrima
ex vida
ex em tudo
exasperado
temperado em aço
ex mudo
ex mundo
sujismundo
tudo ex
em tudo
4.10.19
um único ontem com a Janis
amores que deveriam ser
apenas pedidos de autógrafo
nem falo em idade
ou em morte
acredito piamente em amores impossíveis
Clarice, Janis
amores impossíveis e bigamias
amores pegajosos
ciumentos
impossíveis
tão impossível que agora tenho ciúmes
de Bobby Mcgee
tão impossível que eu também quero trocar
todos os meus amanhãs
por um único ontem com a Janis
17.9.19
Poente
brincam de voar
brincam de dar rasantes
brincam de liberdade no ar
sabem aproveitar o deleite da vida
ensinam que o mundo é belo
que o tempo é curto
e que é preciso, mais que nunca
voar
22.4.19
A cor do silêncio
luto enegrecido
ou amarelo agradecido?
será azul turquesa
ou marrom beleza?
Silêncio, qual a sua cor?
não me diga nada
apenas mostre o seu tom
Silêncio, qual a sua cor?
será um roxo dolorido
ou um tom colorido?
Silêncio, qual a sua cor?
Será uma cor de dor?
de amor
ou de torpor?
por mais que eu insista
não há nenhuma pista
só o silêncio como resposta
27.3.19
Piso Salarial do Magistério
13.3.19
A última sopa
8.3.19
Necrotério
nunca mais joguei cinzas ao vento
nunca mais uma banda de rock musicou meus escritos decadentes
nessa terra de gigantes
nunca mais a juventude foi uma propaganda de refrigerantes
nessa terra de gigantes
olho por olho dente por dente
nunca mais orei por meus poemas-mortos
e aqui jaz um poema delirante
Poemorto
14.1.19
poemas à espera de notas musicais
como filhos criados soltos
alguns nascem vibrantes
outros natimortos
alguns nascem como se o cordão umbilical
estivesse preso à garganta
outros suspiram intensamente
alguns são de parto normal
outros arrancados à fórceps
muitos deles berram
outros gemem
alguns suplicam
outros são mera súplica
alguns são poemas adestrados
outros revoltos
alguns mamulengos
outros miseráveis
mas, o que todos desejam
é poder viralizar em notas musicais
como os haicais
do Leminski
toda mentira é verdade
tudooqueeuescrevoéverdade
tudooqueeuescrevoéverdade
tudooqueeuescrevoéverdade
tudooqueeuescrevoéverdade
minto
tudooqueeuescrevoéverdade
tudooqueeuescrevoéverdade
tudooqueeuescrevoéverdade
tudooqueeuescrevoéverdade
tudooqueeuescrevoéoquesinto
minto
tudooqueeuescrevoéverdade
tudooqueeuescrevoéverdade
tudooqueeuescrevoéverdade
tudooqueeuescrevoéverdade
tudooqueeuescrevoéomeugrito
minto
tudooqueeuescrevoéverdade
tudooqueeuescrevoéverdade
tudooqueeuescrevoéverdade
tudooqueeuescrevoéverdade
tudooqueeuescrevoéogemido
minto
tudooqueeuescrevoéverdade
tudooqueeuescrevoéverdade
tudooqueeuescrevoéverdade
tudooqueeuescrevoéverdade
tudooqueeuescrevoévaidade
minto
tudooqueeuescrevoéverdade
tudooqueeuescrevoéverdade
tudooqueeuescrevoéverdade
tudooqueeuescrevoéverdade
tudooqueeuescrevoétempestade
minto
todamentiraviraverdade
todamentiraviraverdade
todamentiraviraverdade
todamentiraviraverdade
todamentiraėverdade
minto
19.12.18
Patrão
7.12.18
Guernica Retirante
uma guerra civil em ebulição
sou pedaços de gente
espalhados pelo chão
sou todo Os Retirantes
a seca que assola minha compaixão
sou o menino esquálido
que mendiga por um pão
sou Picasso, Portinari
sou uma tela encravada
no interior de uma gestação
sou o germe que alumia
sou a boca escarrada
sou o sentimento do mundo
sou essas duas telas
uma barriga d'água
uma bomba que silencia
a indústria da seca que mata
sou cinzento
meio ocre
agridoce
e ser nada disso
é o que me resta
[ser]
6.12.18
Assassinado
dois tiros no meio do peito
eu quero morrer assassinado
quero manter esse doce legado
John Che Lennon Guevara
quero minha cova rasa
a cova de Conselheiro
eu quero morrer assassinado
quero fazer parte de um crime com cheiro de chorume
quero que seja a mando de um juiz
e que o crime continue impune
Marielle Luther Franco King
eu quero morrer assassinado
pelas intempéries dessa vida
quero provar o sabor de uma escopeta
ao molho sugo do meu peito
Salvador Mahatma Allende Gandhi
não me salve desse escrutínio
quero ouvir na voz do Brasil
o elogio ao meu algoz
alguém fanático dizer que ele foi brilhante
bang bang
não quero que a história seja assassinada
ela tem que estar viva
para contar os crimes contra mim
e contra a humanidade
5.11.18
4.11.18
Silêncio
15.10.18
Dia dos Professores
18.9.18
11.9.18
Sou
Sou um depressivo regressivo
Leio Doutor Freud em revistas
de banca de jornal
E continuo incisivo
Sou puro fetiche
Anarco punk de merda
Leio jornal todo dia
enquanto crianças mal sabem
o bêabá
Minha vaidade é areia movediça
A renda per capita do meu país
É uma vergonha
E toda sanha pelo topo da carreira
É como escabiose em pele de meninos
5.9.18
Pleno cansaço
entre as labaredas escassas
e o frio tenebroso dos meus braços
Pleno cansaço
entre a labuta diária
e o fracasso anunciado do cangaço
Pleno cansaço
entre a forragem sutil do meu leito
e o sono temperado à aço
Descanso ante o descaso
perante crianças que mal conseguem
contar um caso
Descanso no meu pleno cansaço
canso resoluto... descanso
descubro que sou apenas um pedaço
Sou metade, sou o terço, a quinta parte
não sou nada
não valho um quilate
Sou apenas meu pleno cansaço
31.8.18
17.8.18
Alfabetização
6.7.18
eu só queria
um ódio menos escaldante
uma letra menos escarlate
eu só queria dormir na paz do mundo
acordar sem a ressaca da noite
sentir o cheiro rosa choque e violeta
eu só queria amanhecer nu no teu compasso
cruzar a esquina nos teus braços
olhar as estrelas e o espaço
eu só queria que o sentimento do mundo
explodisse no meu peito
e que a nave mãe pousasse sem sobressaltos
eu só queria que este querer doméstico
fosse o prumo da concórdia
fosse o rito sumário
o grito que escapou do armário
eu só queria me deitar com o mundo
ouvir músicas melosas
e acordar com o raiar do dia
em prantos
eu só queria que esse canto choro
inundasse os compartimentos
desnudasse a nossa vergonha
fosse o samba enredo de todos os carnavais
eu só queria que essa letra torta
fosse infinita
mistura dramática de todos os tons
que eu pudesse pintar o sete
que os jornais amanhecessem em branco
e cada um pudesse escrever a sua própria manchete
22.5.18
17.5.18
Acarajé já!
Mais que lipídios
Quero degustar desse prazer
Sem precisar ser um privilégio
Quero comer um acarajé
Quando todos os meninos estiverem
no colégio
Não vou pedir abará
Quero calorias
Amor sem sacrilégio
Discurso sem ódio
Pátria amada Bahia
Entre bolos, bolsos e cia
Quero uma acarajé com sotaque
Sem meio termo
Mais à esquerda
Quente e calórico
Vermelho no sangue
Não me venha com abará
Quero com todas as forças
Em 2018
Acarajé já!
3.5.18
30.3.18
Vida e morte
Apenas a poeira fina embaça meus olhos
Aqui ninguém viu a vida
Apenas as pessoas vivem em embrulhos
Cobrem o frio, a fome, o ódio
Nunca neva
Sempre frio
Nunca neva
Sempre fome
Nunca neva
Sempre ódio
Apenas pessoas
Nunca vida
Sempre fome
Nunca trem, ônibus ou chorume
Sempre choro
15.2.18
31.1.18
dú(vidas)
De ser um quadrado
imóvel
Tenho medo da geração comida rápida
De fazer parte da estatística dos que não lêem
Neste país sem livrarias
Tenho medo de Deus e dos meus pecados
E tenho apenas um sentimento esquálido
Deus me livre dessas regalias
Dos anéis de ouro e prata
Dos bordéis e dos casacos
Quero partir nu
Rumo ao infinito
Sem sombra e sem dú(vidas)
13.12.17
3.11.17
Rumo à Estação Futuro
Não uso mais relógio ou calendário
O tempo agora é o meu mistério
Vejo o tempo passar no meu redário
Não meço mais o futuro
Apenas fotos e o balançar das redes
Não conto quantos contos faltam
Pra acabar essa história
Apenas reviso e reconto
Cada imagem, cada paisagem
E assim os dias passam
Entre vielas e paragens
Assim torno o futuro incerto
Como certo deve ser esse destino
22.7.17
Porvir
Agora já sei qual pé chutas a bola
Admiro a espontaneidade do teu sorriso
E a fortaleza do teu caráter
Sei que ninguém te dará ordens aleatórias
Baterás o pé até conquistar o bom direito
Sei que posso contar contigo
Na luta contra o prefeito
Levantando faixas pela nomeação
No grito de ordem:
Fora Presidente
Já tens o hábito de ocupar as ruas
Lutar por nossos direitos
Sabes que o presidente é um homem mau
Cercado de corruptos
Tuas perguntas políticas
Teu interesse pelos ocorridos
Revelam a dureza do cotidiano
Até a pelegagem do sindicato foi descortinada
Até o emprego que papai perdeu foi desvelado
Até a justiça desafinada foi revelada
Teu engajamento é inspiração
Nessa selva digital
Neste país que ainda está por vir
14.7.17
Sol
O sol nunca se esvai
O que há por trás do lado obscuro do Sol?
O que há por trás de nossas vidas obscuras?
O sol nunca se vai
E nossa vida passageira acasala
Tantos preconceitos
Tantos desabonos
Tantos mistérios na antesala
Eu trabalhador de sol a sol
Nunca vejo o poente
Sou um zero à direita
Nessa politica de tantos expoentes
O sol nunca se esvai
Nem a margem à esquerda
Enquanto houver sol...
10.7.17
Revolto
É proibido proibir
Domino as ondas
Num efeito dominó
Eu revolto
Subverto ordens
Encaro o mar como uma criança
Engulo o medo
Sou todo coragem
Eu revolto
Sou mais violento que a ressaca
Sou amargo, salgado
Com o desejo patente de revoltar
Mar revolto
Encaro de frente
Pois a revolta é meu caminho só de ida
Não tenho tempo para voltar
9.7.17
Domingo
Jogo pela manhã
A tarde, assistir pela tevê
E não me venha com o discurso
Do seu ministro da economia
Que eu não quero nem ver
Navegantes
O mar não está para propina
Ventos fortes
Águas turvas
Delações premiadas
Aves de rapina
Aviso aos navegantes
Descobrimos suas falcatruas
Filmamos malas, acordos espúrios
Dinheiro contado
E vamos tomar as ruas
Aviso aos navegantes
Alerta de céu enegrecido
Ressaca da maré
Navios e rádios piratas
Rompem as amarras e bradam:
Todo poder a ralé
8.7.17
reserva
Um exército implacável que causa temor
Milhões de compatriotas alistados
involuntariamente
Medo Fome Desemprego
O exército de reserva avança
É um fantasma na cabeça do trabalhador
É o argumento do patrão usurpador
É o chicote
o limbo
a humilhação
É o poder da contrarreforma
É o avesso da liberdade
É a pura promiscuidade
É um exército surdo mudo inodoro
É o exército do fim do mundo
3.7.17
A vida que tremia
Um amigo esquálido da época de infância
Ele morava em frente a uma fábrica de tecidos
O chão tremia vinte e quatro horas
Vinte e quatro horas
Vinte e quatro horas
Vinte e quatro horas
O chão tremia
Por todo o dia
Máquinas a todo vapor
Por Deus
Aquele chão tremia as casas
Tremia Hermes e sua família
Hermes tremia
Vinte e quatro horas por dia
Sístole e diástole estavam na frequência
da tecelagem
Não havia tempo para amores
Corações tremiam
A casa quase caía, diziam os rumores
A casa de Hermes tremia
tremia o pai
tremia a mãe
tremia a tia
tremia os ossos do magrelinho
tremia o corpo famélico
tremia até o cachorro que não mais latia
Como Hermes dormia?
Dentro de uma casa que tremia
Como Hermes comia?
Dentro de uma casa que não parecia
Como Hermes aprovaria?
Dentro de uma casa onde os estudos não cabiam
Não tenho mais notícia de Hermes
Nem da casa que tremia
Nem da família que tremia
Nem do bairro que tremia
Só espero continuar a tremer de indignação
Em nome daquela barriga vazia
que tanto tremia
12.6.17
Mesclado
Lembrei do sabor do iogurte
Do sorvete mesclado
Pensei nos alunos da escola pública
Café preto e pão seco
Qual o sabor do iogurte para o cego paladar?
Como será imaginar o sabor de morango
Mesclado com iogurte batido?
Qual o sabor do vazio?
Café preto e pão seco
Que sabor tem?
Café com pão
Café com pão
Café com pão
Preto, pobre, seco
Qual o sabor da desigualdade?
Pobre café preto seco
Rico morango batido
Sabor: desigualdade mesclada
5.6.17
Confabular (ou um manifesto Parahyba)
Se transformam em festas corriqueiras
Nossa busca pela formação
Em terra de mar de beiras
São armas de luta
Só nos resta confabular
Ir além mar
Conquistar os mundos
Pedir a cabeça de tantos imundos
Vamos confabular em todos os tempos
E espaços
Não vamos deixar nosso Centro morrer
Pois seremos o centro do nosso universo
Sem medo das balas nos nossos peitos de aço
Eu tu ele
Nós vós eles
Vamos confabular
Derrubar o ressurgimento do abacateiro
Não acataremos outros atos
Eu tu ele
Nós vós eles
Vamos confabular
Junho é uma criança
Que vai derrubar reis
12.5.17
4.5.17
Babel
Escrevem leis que só ficam no papel
Minha cidade é uma Babel
Professores e alunos não se entendem
Parecem crianças no carrossel
Minha cidade é feita de Torres
Toletes empilhados como códigos
Em todo canto fedentina e odores
Cães, gatos, cavalos
Deixam suas marcas e seus sinais
Falam a mesma língua silenciosa
Cães, gatos, cavalos
Riscam o chão, em sinal de rebeldia
E enquanto homens, mulheres, crianças
Não se entendem
Esses seres inanimados constroem suas torres todos os dias
20.4.17
Vasto Mundo
No alento da sua lucidez
Ao ver as cenas bélicas na TV:
Meu filho, ao longo dos meus 78 anos
Não houve um dia em que o mundo
não estivesse em guerra
Que o digam pai
As crianças em carne viva
Bombardeadas
Queimadas com armas químicas
O menino refugiado afogado
As cenas tristes em preto e branco
A Rosa de Hiroshima
O mundo esquálido
Sem rima
O mundo beligerante de Bush Bush Bush
E seus fanáticos sucessores
Bombas incendiando caveiras
Bush Bush Bush
Bombas promovendo coveiros
Bush Bush Bush
Não há saídas de emergência
Apenas bombas
Bush Bush Bush Bush
Entre os escombros
À direita
Urnas conservadoras
Explicações rarefeitas
Silogismos carentes de causa-efeito
Nas cabeças ocas
Pululam soluções rápidas
Bush Bush Bush
E assim se esvai a humanidade...
5.4.17
Vida Líquida
A informação está muito diluída
(intervalos são mais ricos que o noticiário)
O leite está muito diluído
(coloquem água, já diziam os milicos de outrora)
A vida está muito diluída
Escorre fluída
facilmente pelo ralo
30.1.17
Tropicana
Aqui almocei com meus avós, pais, irmã, tios e primos na década de 1980.
Por ironia do destino, 30 anos depois, adentrei no antigo hotel Tropicana já como Ocupação do Tijolonho Vermelho.
Convivi com algumas famílias, brinquei com as crianças, formamos até uma turma de alfabetização de Jovens e Adultos.
Vi cenas impactantes na época das chuvas. O cheiro da falta de condições sanitárias vai ficar comigo para o resto da vida. Assim como a luta de um povo por direitos básicos.
O Tijolinho Vermelho foi a maior lição que já tive na vida, a maior escola e o maior aprendizado.
Nunca vou esquecer das crianças brincando com meu filho, do cuidado e do carinho que alguns tinham com o "galeguinho".
Espero que meu filho também nunca esqueça essa experiência de vida e nunca naturalize tamanho descaso com o povo.
Tijolinho Vermelho / Hotel Tropicana
Muitas pessoas escreveram sua história
Elas nunca esperaram um milagre
Cansadas de ficar sentadas
Foram à luta
Sofreram com as chuvas
Sofreram sem uma ducha quente
Sem condições sanitárias
Esta cadeira vazia
Conta muitas histórias
De muitos meninos
e meninas
Que brincavam no Ponto Cem Réis
No Pavilhão do Chá
Na Praça dos Três Poderes
Podres Poderes
Que não querem dar dignidade às pessoas
famintas
Poderes de vestes sujas
Que nunca precisaram jogar suas fezes
Do alto do Hotel Tropicana
Pela simples falta de um vaso sanitário
Podres Poderes
Jogam suas excrementos na cara do povo
Para além da soberba do Tribunal de Justiça
Do Palácio do Governo
Ou da Assembleia Legislativa
Homens e mulheres teimam em escrever sua história
Nesta cadeira sentaram iletrados
Mais dignos do que àqueles sentados nas cadeiras imundas da Praça dos Três Poderes
22.1.17
Patético
O tempo todo
Nos meus deslizes
Nos meus equívocos
Até nos sonhos que invoco
As desculpas e meus farrapos
São traços
São desvios de conduta
São fugas
Para tentar apagar as minhas rugas
São meus escritos sem métrica
São frases sem pé nem cabeça
São desvios éticos
Uso desculpas esfarrapadas por tudo
Até por motivos patéticos
16.1.17
Insônia literária
15.1.17
9.1.17
2.1.17
13.12.16
10.12.16
4.12.16
Seca
Pela indústria da seca
em pleno século XXI
Pelo céu escarlate
Pela cachorra Baleia
que não chora nem late
Oremos
Como os gravetos secos
de olhos fundos
e chão ardente
Brindemos
com panos quentes
pela falta de tudo
com aguardente
Oremos
Por uma saída
Pela chuva rala
Pela intervenção divina
Oremos
Para que todos aqueles indignados
Com a seca alheia
Desçam de seus palanques
E venham sentir esse calor na veia
1.11.16
30.10.16
Provocações
Para Juljan Palmeira
À sombra de uma palmeira
Não descansam mentes perigosas
Subversivos sonhos
Microfones voadores
amplificando quimeras laboriosas
Metralhadoras poéticas
Agitam sábados subversivos
Encontro marcado
com Cabras Marcados para viver
Microfones vão voar
Disparos cíclicos
Serão nosso dia D
Serão cabeças no tempo
Subvertendo os segundos
Amplificando a autonomia intelectual
Não queremos respostas,
apenas provocações para fumar
Numa noite quente de luar...
27.10.16
14.10.16
My little Blue Girl
Lembro do tempo que vivia nas nuvens
Lembro do Vietnã
E dos irmãos que lá ficaram
Lembro das metanarrativas
Tempo que sabíamos quem seguir
Lembro dos cigarros que nunca fumei
Dos canais de TV que não existiam
E de alguns amigos de infância
Que até então não eram fascistas
Lembro dos domingos de praia com meus pais
Ou das tardes de cachorro quente
Numa lanchonete de esquina em Jaguaribe
Ao ouvir a Janis
Lembro como ela era feliz
Como ela era livre
feito aquelas tardes de domingo
Ouço a Janis para me libertar
Tal qual nos tempos em que não fumei
Tal qual nos tempos que eu só precisava de um telefone de linha
E uma menina magricela para ouvir por horas
Ouço a Janis para lembrar o quanto era bom
estar apaixonado por meia dúzia de amigos aventureiros
Ouço a Janis para celebrar o tempo
O tempo que desejei ser hippie
Andar estrada afora sem a menor intenção de um dia voltar para os cachorros quentes de domingo
E quando a música da Janis terminar
Estarei de volta ao tempo da subjetividade
Às músicas de baixo calão
E a falta constante de créditos para poder ligar para aquela amiga magrela
Germe
Existe um germe em plena lua cheia
Cheio de luas para orbitar
Este germe geme
Come ovo com clara e gema
Esse germe é meu tema
cotidiano
Todos os dias do ano
Este germe sou eu
É meu germe autofágico
É meu destino trágico
Este germe é o meu arrependimento
Guardado durante tempos
No meu apartamento
Em caixas verdes de departamento
Este germe é como um bicho geográfico
Que me atravessa de norte a sul
Comendo minha carne
De um cheiro atávico
Este germe me faz lembrar tão bem
Dos bons tempos de infância
Da luta de meu avô por um ramo de trem
Este germe sou eu
Ele repete
Como uma cantilena
Doce e fria
Este germe geme treme
Escreve em letras garrafais
Como se fosse tatuagem
Como se fosse o próprio Caifás
Este germe é minha coceira intermitente
Faz de tudo para estar presente
Por mais eu que tente e tente e tente e tente
Por mais que eu morda
por mais que eu mostre meus dentes
Este germe implantando
Será lavoura e colheita
Neste meu deserto tão árido
Um dia este germe
Descansará em paz
Numa saída sem muito alarido
Não terá mais quem sugar
Nem feriados chuvosos para comemorar
Nem tão pouco lágrimas para enxugar
25.9.16
Poema morto
É como mergulhar num pântano
artificial
Não corto os pulsos como o Veríssimo
Mas desejo, caro leitor
que você imagine que o autor morreu
Atolou-se nesse lodo poético movediço
Morreu sem ar
sem luz
sem isso
Morto, caro leitor
Não posso responder sobre o que escrevi
sobre quem escrevi
ou como estou me sentindo
Morri com o poema
Morri com as tentativas
Agora ele fede
Está em decomposição
Cabe a você, caro leitor
usar a imaginação
E quem sabe mantê-lo dessepulto
Ensaio sobre minha cegueira
Para poder enxergar melhor
Precisei ensaiar minha cegueira
Para poder cantar a vida melhor
Precisei ficar cego
Para compreender a cegueira do outro
Precisei estar cego
Para ver minha própria cegueira
Minha cegueira é minha condição de visão
É quase gagueira
No parlamento imundo
Minha cegueira é minha condição de estar no mundo
É poder enxergar os limites do outro
Estou cego
nada sinto
E ao mesmo tempo compreendo a visão
E sei porque minto
Estou cego e corro
E todos que enxergam
param
Doentes de poliomielite
Estou cego
E tantos que enxergam
Vêem só o pensamento da elite
Minha cegueira é como um parto
Ante o aborto das minhas convicções
soterradas num pacto
Estou
cego
surdo
mundo
E a toda hora mudo o canal
para nada ver além do ego
23.9.16
Etc
Para escrever meu poemas e sentir as vilanias
Basta ligar a TV e ver os políticos que mentem
Basta ir à feira ver os preços e orar para que não aumentem
Não preciso querer compor
deprimente
Já basta o canal que não abre a mente
Já basta a geladeira vazia
comumente
Já basta ler o jornal e ver
como mente
Já não preciso forçar a barra da dor deprimente
Basta ver o consumo rasteiro das ideias
intermitentes
Basta ver a briga interna
dos meus entes
Já não preciso saber quem sou
ou quantos dentes
Parecem visões prementes
Visões emparelhadas de um futuro pouco decente
et ceteramente
15.9.16
eu, vezes nada
Deixo essa última carta
Escrita com o dente
trincado de ódio
Eu, trambolho de gente
Filho do Augusto e do amoníaco
Sinto cheiro de enxofre
Nas cadeiras de chefes demoníacos
Eu, trambolho de gente
Cego de um olho
Míope de outro
Só enxergo meias verdades
Eu, trambolho de gente
Sou maltrapilho
Indecente
Visconde feito de milho
Eu, trambolho de gente
Sou uma rima no deserto
Uma lágrima no oceano
Ninguém de fato, decerto
Eu, trambolho
Às vezes gente
Às vezes ato
Às vezes nada
vezes nada
2.9.16
29.8.16
Heroína
(para Janis)
Nunca usei heroína
Nunca quis ser herói
Ou cowboy
Neste filme sem mocinho
que a vida predestina
Paguei a conta com o preço alto da coerência
Em meio a tanta displicência
Daqueles que um dia juraram lealdade
Os meninos da rua continuam com baleadeiras
Mesmo que já não tenham mais idade
para tanto
Subi e desci ladeiras
Às vezes sóbrio
Às vezes reu
Nunca montado em pedestal de ouro
Sem pés alados a caminho do céu
Nunca usei heroína
Nunca corri o risco de não amanhecer
Aos vinte e sete
Num quarto triste de hotel
Nunca gritei para me mostrar
Ou desafinar
Meu grito era em dó maior
Era o grito do meu tempo
Para sustar os agentes laranjas
Colhidos nos pés podres de barro
Vai Janis
Atira para todos os lados
Tua voz e teus gritos
São balas de anis
Só perfuram carnes amargas
cheias de ardis
25.8.16
Canibais
Uma colônia se espalha ao meu lado
Vermes crescendo
Sem parar
Poemas não brotam mais
Nesse desaguadouro
De canibais
Sujeitos comem minha carne
Repelem meus livros
Queimam meu corpo que arde
Estou embrutecendo
Estou emudecendo
Estou descendo
ladeira abaixo
Sinais dos tempos
De silêncio e tecnologia
Sinais dos tempos
Ventos conservadores
Não alimentam a autofagia
Guitarras não reagem mais
Crianças não reagem mais
Meus sonhos não suspiram mais
E (quase) todos escondidos com medo
dos canibais
11.8.16
1.8.16
Aqui jaz
Nesse mar revolto
Nessa química perfeita
De ondas coloridas e paisagens resolutas
Já imaginei essa louca amálgama
De cinzas e sonhos
De derradeiros desejos
Essa enseada
O platô que anuncia a vida
O verde misturado ao azul
As rochas valentes
As ondas quebrando
O som da ressaca estridente
Não esqueçam
Exatamente neste ponto
Onde anunciam a jurema
Deixem minhas cinzas
(eu preferia a carne viva)
Alimentar essa última aventura extrema
23.7.16
Tudo
Eu já tentei de tudo
Tentei fazer omelete sem quebrar os ovos
Tentei construir parede sem tinta vermelha
Descansei no sétimo dia
Na sombra de uma rede
Enfrentei os sete mares
Descrevi vidas em xilogravura
E acabei fixo, numa moldura
Já tentei de tudo
Fiz da vida uma cozinha de forno a fogão
Fiz poupança, espada, lança e redenção
Eu pensei que éramos muitos
Nessa síndrome tecnológica da austeridade
Terminamos sós
Nus
Abatidos na tenra idade
19.7.16
violência
Das vicissitudes
Do sangue que corre em minhas veias
Corro da violência
Da falta de atitude
Das estatísticas
em larga escala
Larga minha mão
Beija minha boca
Sangra meu beiço robusto
Larga meu peito
Esfola meu busto
Me diz quanto vale
O custo
(Brasil)
Chega de violência
Chega mais violência
Chega de violetas
E roletas russas
Eu sou minha própria violência
Estilhaço pedaços de mim
Me engulo
Sou o verme do meu próprio cadáver
Lesto e seguro
Digo adeus na hora da chegada
E abro mão do meu sangue puro
16.7.16
Os dez últimos dias
Os dez últimos dias
E o som não mais principia
Sem tese, antítese ou síntese
Não há cura
Para uma doença de dez dias
Não há cura
Para longas passionais
Não há cura
Para lutas inglórias
Não há cura
Para vizinhos inescrupulosos
Não há cura
Para orquestras desafinadas
Não há cura
Para trabalhos vazios
Não há cura
Quando se quer apenas dez últimos dias
Não há cura
Não acuda
Não acura
Não cura
Não...
6.5.16
Oração
Depois de um dia obscuro
Depois de ter que pular tanto muro
Desejo que você não se vá
Depois de assistir tanta tevê vazia
De ter que conviver com essa azia
Por favor, não se vá
E ver um sujeito ignóbil
E saber que é tão óbvio
Que sou tão egoísta quanto essa res publica
Com uma clave de sol resplandecente
- Durma com a escuridão e com a sua visão turva
29.4.16
Contingência
Sou do tipo revolucionário
Que deserta da guerrilha rural
No primeiro sinal
De um amor beligerante
Que se encanta com os acordes doces
E não chego a endurecer
Só em pensar em perder a ternura
Num bravo amanhecer
Por esse motivo
Não me alistei
Preferi a reserva de contingência
Por um desejo furtivo
Preferi ficar quieto
Escutar tuas músicas
Teus acordes
E dormir apaixonado
Eternamente,
no teu colo esplêndido
28.4.16
Nau
26.2.16
Novidade
Depois da febre dos 40
Ando repetitivo demais
Sem novas palavras
Sem novos temperos
Poemas com o mesmo fim
Caldo de feijão preto com o mesmo sabor
Se ao menos soubesse fazer um tropeiro
Ou escrever romances sem fim
Até os cabelos brancos parecem iguais
Qual a novidade nos canais de TV?
Qual a novidade nos anais da história?
Qual a novidade da máquina de escrever?
A vitrola roda os mesmos discos de 1980
O noticiário estampa as mesmas manchetes de 70
Qual a novidade desses poemas sujos?
Qual a novidade do Cristo redentor?
Qual a novidade deste sistema predador?
João Pessoa não virou Paraíba
Goulart não foi assassinado
Getúlio não criou o Fundo de Garantia
Qual a novidade no Cine Banguê?
Qual a novidade na obra de Zé Lins?
Qual novidade vai me fazer feliz?!??!??!
25.2.16
Perdão
O teu pedir perdão
É um salto no infinito
do tempo
As mágoas, as contradições
As feridas abertas
O teu pedir perdão
É uma carta sem logradouro
Palavras que chegarão
No desaguadouro
da ilusão
Peço perdão por ti
E vou dormir em paz
24.1.16
Cabelos Brancos
A esse silêncio profano da legalidade instituída
Prefiro a cadeira elétrica
o pau de arara
o verdugo encapuzado
À lerdeza infinita e deliberada do Tribunal de Justiça
Prefiro ser enterrado como suicida
A esperar pelo julgamento da minha causa
Prefiro as bombas em bancas de jornal
Do que esse imprensa comprada
Prefiro as barricadas, os molotovs
o manual do guerrilheiro urbano
a esses partidos de outubro
Mas, são tempos vindouros
que engoliram o tempo passado
É uma era do ouro
que se expande com crédito cidadão
O que estava expondo
agora camuflado
O que era violência
agora paz dos túmulos
O que era tortura
virou crise [ano que vem o país volta crescer]
O que era exploração
oportunidade
O que era rebelião
idiotice
O que era mínimo
salvação
Coisa do passado
anacronismo de cabelos brancos
E continuo escutando os Beatles numa vitrola de agulha
Datilografando poemas num máquina vermelha
Escovando os dentes com juá
E vou continuar me recusando a pintar os cabelos
mesmo que aqueles 21 anos ainda perdurem
9.1.16
Feridas
Minhas feridas abertas
hoje demoram a cicatrizar
Antes fechavam em pouco tempo
gotas de mercúrio cromo e paciência
Mas não causam inveja às feridas internas
Centenárias, purulentas, viris e teimosas na cicatrização