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29.12.10

Este ano nunca terminará


Este ano nunca terminará
Terá mais que longas noites
Será mais representativo
Que o livro que escrevi
Que as mangueiras que plantei
Que o filho surgido

Este ano nunca terminará
Encravado que está em meu coração
Palpitando todas as verdades
Que nunca ousei escutar

Este ano nunca terminará
Passará séculos apontando
Dedo em riste
A descoberta das minhas fraquezas
As minhas incongruências palpitantes
A minha história dilacerada

Este ano nunca terminará...

O sonho do Ernesto

Lendo o Gullar
Com toda minha gula
Resolvi denunciar

Numa cidadezinha
Do Curimataú
Mais de quarenta por cento
Não sabem ler nem escrever

São chamados analfabetos

Nesta mesma urbe
Um candidato inelegível
Logrou mais de quarenta por cento
dos votos

Barrado pela justiça
Quase vence pela injustiça
De ter o povo iletrado

São chamados votos de cabresto

Marcados pela ação deliberada
De manter o povo longe do sonho do Ernesto

Este ano

Este ano resolvi morrer

Pensei melhor

E decidi continuar escrevendo

Asilo


Vou pedir asilo político em qualquer quintal
Passar bem longe da embaixada

Vou deixar de viver ao lado do cabo da enxada

Não aguento mais esse sistema que engorda
Essa porca roda
Que gira sem tema
Que gera essa horda sem hora
De parar de comprar
Que vende seu suor
Manchado de sangue
Pelo preço do contumaz motivo
De ser achincalhado pelo objeto
De desejo

Preencho esse enorme vazio com a toda força dos erros que cometi

24.12.10

Rateio


Telegrafei minhas mensagens mais dolorosas
Do meu jeito prolixo de ser
Tentei te avisar que todas as rosas
murcharam
Que não quero mais te ver

Quando fui desprezado
Apaixonei-me pela vida boêmia
Pelo tom aprazado
De amar qualquer esquizofrenia
amorosa
Em meio a recados pouco inteligíveis
Grafei ares de solidão quando a magia
tornou-se fim
Em meio a tantos desejos dirigíveis
Restou-me estudar a escatologia
desta paixão

Só encontrei destroços de uma penada
Entregue a qualquer calçada
Remetida a qualquer relação
Emergida em qualquer ereção

Agora, antes cheio,
Sou vago, sem escrúpulos
Faço do amor um rateio
Daquelas que melhor der seus pulos

20.12.10

Quimera


Fui atropelado pela minha juventude tardia
Meu corpo dói até a última quimera

Palavras


Ah palavras inquietas
Que me tiram da cama
Rompem meus sonhos
Chacoalham meus desejos
Suprimem minhas formas
Rejeitam meu não
Invadem meu consciente
Forçam a escrita

Ah palavras vaidosas
Desejosas ao nascer
Apenas para dizer que estão aqui
Simulando ganhar vida
Para eternamente germinar
Em letreiros baldios

Tempo

Seguro na mão do tempo
Para que ele não siga
Alado levado pelo vento

Seguro na mão do tempo
Com o desejo de procrastinar
A imensidão retumbante
Dos deliciosos momentos

Seguro na mão do tempo
Atrasando os segundos
Avançando os prazeres
Retendo os rompantes
Tão escassos de torpor

Amarro o tempo
Com cordões retorcidos
Com nós inadiáveis
Com toda força das
amarras

Solto o tempo
Quando ele está incompreensível
Quando ele me afoga nas verdades
Quando ele cospe a cruel realidade

Solto o tempo
Nas ladeiras da vaidade
Guiado por carrinhos
De rolimã da tenra idade

Solto o tempo
Nas noites soturnas
De solidão apagada
Do teu cheiro distante
No clarão da madrugada

Mas o tempo de cara amarrada
De muxoxo febril
Não se deixa segurar

Mas o tempo de forte caráter
De decisões finalistas
Não se deixa soltar

Frangalhos

Demorei uma vida inteira
Para poder compreender
O que é o amor, o sexo
A solidão
E a paixão

Em apenas um ano
Consegui desconstruir
Todas as referências
Afundei todos os portos
Seguros
Naveguei em frangalhos
Até ficar à deriva

Se alguém conseguiu compreender este ano, manda uma carta para mim
Repassando todas as coordenadas, deste período vil

Suspirando

Levarei comigo o preço da coerência
A indignação que me faz tremer
A lembrança de todos aqueles
Que lutaram toda vida
A imagem derradeira
Daqueles que doaram sua vida
E toda força capaz de me fazer
Caminhar neste árido terreno
mesmo com todas as injustiças...

Nestes dias assisti "Salvador Puig Antich" revolucionário que nos seus últimos momentos perguntou como seria executado - o silêncio tomou conta da sala onde o carrasco providenciava a morte por estrangulamento. Este crime, especificamente, encerrou a utilização do "Garrote" na eliminação perversa durante a Guerra Civil espanhola. Salvador suspirou até o último momento, num desejo intenso de continuar sua luta.
Guardo todas as proporções, releio todas as mensagens de apoio que recebi, vou certo e direto a esta pergunta que antevê um final macabro, mas que em nenhum momento me fará baixar a guarda para este sistema inescrupuloso que gera uma horda de seres infames.
Não estarei marcado pela insígnia de ser pusilânime - independente de qualquer resultado estarei suspirando até o último momento!

Demais em menos

Nunca falei por demais
Pois o demais se tornou supérfluo
Só temia pelo amor
Que se transformou em de menos

Nunca falei em super-homem
Pois o homem poderoso
Transformou-se em tom ocioso
Naquele grito pasmem

Nunca falei em perder o demais
Esvazio-me destas impertinências
Nas tuas frases repletas de reticências
Que nada falam, repetem mais e mais

Sempre falei em amor eterno
Em juras secretas
Em gozos iconoclastas
Para tudo terminar neste verdadeiro
inferno...

14.12.10

Ausência nua


A fome rompe com todos os desejos patentes [e latentes] de expressão escrita
A fome grita meu nome no vazio esquálido do intestino grosso
A fome é irmã da violência, do egoísmo, do bom moço
A fome só é boa quando posta a mesa

Para poder saciar esse desejo incessante
De te amar na lisura da sala de jantar
De poder escrever, em tinta branca,
O jorro inconsequente dos meus poemas
Apaixonados pela tua pele alva

Que combina com meu sêmen transparente
Que alimenta tua ausência nua

De segunda pra terça


Adeus segunda-feira de palavras doídas
Que tanto machucam as pestanas
Que tanto forjaram as minhas idas
Ao calabouço apertado das anas

Venha terça-feira muda
De preces desajeitadas
Diga uma palavra surda
Que conserte estas almas depenadas

12.12.10

Arder em frio

Não suporto mais arder
Em meio a tantos frios
[ardis]

Ser poeta

Ser poeta na Parahyba é pau
É pedra, é um poço sozinho

Ser poeta na Parahyba é
Lau, Ró, Paulo, Pedro
É ser apóstolo no deserto
É ser poeta do satã

Ser poeta na Parahyba
É vestir o mesmo sutiã

É ser o bicho da maçã

Ser poeta na Parahyba
É declarar a rendição
É calar o grito do três oitão

É chupar sem fazer careta
Qualquer limão
E levar sorrindo um chute no cunhão

Ser poeta de verdade na Parahyba
É não ter privilégio

Não usar relógio
Casio ou Rolex
É viver em sacrilégio

Tem poeta na Parahyba
Que já foi oprimido
Hoje carrega o germe do opressor

Dai a César o que é de César
A Marx o que é de Marx
Ao povo o que é do povo
O ópio e a nota de pesar

No escurinho de outrora
A organização guerrilheira
A subversão e o ódio da porteira
A fome de cultura sem hora

Ser poeta na Parahyba é
E sempre foi
Fazer parte do grupo de elite
É ter fome exasperada
Em nome de qualquer deleite

Ser poeta na Parahyba
É morrer sem rima

(Frederico Linho)

11.12.10

Sabor de liberdade


Saboreio a liberdade
Prato quente para o povo
Indigesto para os reacionários
Causa cólica nos mordazes

Liberdade temperada com o sangue
Da história e da luta

Liberdade tão negada
Às vezes incompreendida
Às vezes negligenciada
Às vezes tão distante
Às vezes destemperada
Que o povo não sabe nem o sabor
E segue descontente,
descrente
E não consegue nem salivar

Liberdade plantada em terreno árido
Sofre para brotar
Reza para florir
Precisa de tempo para vicejar

Tempo escasso,
Indisponível para os desejosos
Do tempo imediato

Tempo necessário
Para colher a liberdade
E saboreá-la com requinte
De perpetuação

Leproso

Sabedora que és de minh´alma
Soltastes palavras cáusticas
Que inundaram meu ser

Ossos e dentes, corroídos
Todos os tecidos, desmoralizados
Todas as artérias, imoladas
Todos os sentimentos, dilapidados

Uma única frase

[Consequente de longos dez anos]

Tornou-me leproso
Esfacelou minha carne amiúde

7.12.10

Poeira


Você sumiu da minha vida. Desde então a poeira toma conta do nosso apartamento, preservando as tuas digitais impressas nos cantos de parede.

6.12.10

Alicate


Apenas alicate de dentista para arrancar a tristeza profunda dos meus olhos

4.12.10

Mergulho

Quando mergulho de cabeça na piscina rasa de minha vida, gero traumas irreversíveis na coluna dos meus sentimentos.