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19.12.18

Patrão


Patrão
Frederico Linho
(para Bituca)

Não quero dormir esta noite
Não quero acordar e ver a cara do meu patrão
Prefiro o sono dos justos
E sonhar com a liberdade como um clarão

Não quero ouvir um boçal dizer
Que é duro ser patrão neste país
Quero acordar tarde
E viver este sonho por um triz

Quero dormir e sonhar com a liberdade
“Quero os meninos e o povo no poder”
Quero que digam que não tenho idade
Que meus sonhos são pueris

Quero acordar agora mesmo, dessa realidade infeliz
Quero casa, pão, solidariedade
Vou escrever essas palavras por todo o chão
Quero ver brotar esse sonho, como planta e raiz

7.12.18

Guernica Retirante

sou todo Guernica
uma guerra civil em ebulição
sou pedaços de gente
espalhados pelo chão

sou todo Os Retirantes
a seca que assola minha compaixão
sou o menino esquálido
que mendiga por um pão

sou Picasso, Portinari
sou uma tela encravada
no interior de uma gestação

sou o germe que alumia
sou a boca escarrada
sou o sentimento do mundo

sou essas duas telas
uma barriga d'água
uma bomba que silencia
a indústria da seca que mata

sou cinzento
meio ocre
agridoce
e ser nada disso
é o que me resta
[ser]

6.12.18

Assassinado

Eu quero morrer assassinado
dois tiros no meio do peito
eu quero morrer assassinado
quero manter esse doce legado

John Che Lennon Guevara

quero minha cova rasa
a cova de Conselheiro

eu quero morrer assassinado
quero fazer parte de um crime com cheiro de chorume

quero que seja a mando de um juiz
e que o crime continue impune

Marielle Luther Franco King

eu quero morrer assassinado
pelas intempéries dessa vida
quero provar o sabor de uma escopeta
ao molho sugo do meu peito

Salvador Mahatma Allende Gandhi

não me salve desse escrutínio
quero ouvir na voz do Brasil
o elogio ao meu algoz
alguém fanático dizer que ele foi brilhante

bang bang

não quero que a história seja assassinada
ela tem que estar viva
para contar os crimes contra mim
e contra a humanidade

4.11.18

Silêncio

Adoro o silêncio
Preciso do silêncio preciso
Do grito de Munch

Preciso do silêncio
Para me reinventar

O silêncio do sono
Do pensamento
O silêncio das cores

Preciso do silêncio desbotado
Do tempo espaço entre as notas musicais

Preciso do silêncio vivo
Pulsante
Ofegante

Para continuar vivo,
preciso do silêncio do leito de morte

15.10.18

Dia dos Professores


15 de outubro: Dia dos Professores/as
Nós educadores/as não temos o que comemorar

As precárias condições de trabalho, os baixos salários e a desvalorização da profissão são fatores que indicam que temos muita luta pela frente.

Para piorar este cenário, o candidato da extrema direita afirma, em seu programa de governo, que irá "extirpar a ideologia de Paulo Freire das escolas", desrespeitando a nossa autonomia intelectual e pedagógica, a pluralidade de ideias e agredindo a memória de um dos maiores educadores do mundo.

O candidato da extrema direita afirma ainda em seu programa que não haverá recursos novos para educação e não trata do financiamento da área com transparência. Seu programa não propõe nada para o FUNDEB. Dessa forma, deixa claro a política do estado mínimo e que traz consequências nefastas para a maioria da população que precisa da educação pública, seja na educação básica, seja no ensino superior.

O economista do candidato da extrema direita, afirmou em entrevista que irá cobrar taxas nas universidades públicas e irá instituir o sistema de “vouchers” na educação, copiando um modelo fracassado e que dilapida a educação pública. Afirma que irá vender todo o nosso patrimônio (PETROBRAS, Eletrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica etc) para pagar a Dívida Pública, ao invés de propor uma auditoria conforme prevê a Constituição.

Como se não bastasse, o candidato da extrema direita, defende o bisonho projeto Escola sem Partido, que nada mais é do que o cerceamento do trabalho pedagógico sob o viés ideológico da direita, ou seja, o projeto é partidário de ideias reacionárias que devem ser implantadas, de maneira autoritária, no âmbito escolar.

Dessa forma, neste momento tão difícil da política nacional, conclamamos todos/as os/as trabalhadores/as em educação a continuar estabelecendo diálogo com a classe trabalhadora no sentido de alerta-la dos perigos desses projetos para a nossa democracia.

Por mais recursos para a educação! Pela liberdade pedagógica!
Pela autonomia intelectual! Contra o Projeto Escola sem partido!
Paulo Freire presente!
#elenão #elenunca

11.9.18

Sou

Sou um maníaco compulsivo
Sou um depressivo regressivo
Leio Doutor Freud em revistas
de banca de jornal
E continuo incisivo

Sou puro fetiche
Anarco punk de merda
Leio jornal todo dia

enquanto crianças mal sabem
o bêabá

Minha vaidade é areia movediça
A renda per capita do meu país
É uma vergonha
E toda sanha pelo topo da carreira
É como escabiose em pele de meninos

5.9.18

Pleno cansaço

Pleno cansaço
entre as labaredas escassas
e o frio tenebroso dos meus braços

Pleno cansaço
entre a labuta diária
e o fracasso anunciado do cangaço

Pleno cansaço
entre a forragem sutil do meu leito
e o sono temperado à aço

Descanso ante o descaso
perante crianças que mal conseguem
contar um caso

Descanso no meu pleno cansaço
canso resoluto... descanso
descubro que sou apenas um pedaço

Sou metade, sou o terço, a quinta parte
não sou nada
não valho um quilate

Sou apenas meu pleno cansaço

17.8.18

Alfabetização

Estou de volta à escola pública.

Depois de ter sido expurgado, arrancado da sala de aula da escola pública de maneira abrupta, resolvi fazer Pedagogia e fui aprovado, através de uma seleção, para a função de Assistente de Alfabetização do Programa Mais Alfabetização.

Vou atuar como bolsista voluntário em três turmas do 1o e 2o ano do ensino fundamental numa escola estadual da capital paraibana (bolsa de R$ 150,00/mês por turma).

Com 22 anos de magistério, acredito que este vai ser um dos maiores desafios da minha carreira.

Já estive na escola e estou de posse dos dados da avaliação inicial que foi aplicada aos alunos.

Foram 20 questões de Português e 20 de Matemática. A maioria dos alunos não conseguiu acertar metade da prova.

Sei que são indicadores quantitativos e que não representam a realidade. Mas, ao aplicar a mesma prova com meu filho que está cursando o 2o ano, ele conseguiu acertar todas as questões de uma prova sem muita complexidade.

O desafio está lançado. Espero dar conta da função, pois terei que acumular esta tarefa com o trabalho, a família e o último semestre do curso de pedagogia.

6.7.18

eu só queria

eu só queria um soco menos violento
um ódio menos escaldante
uma letra menos escarlate

eu só queria dormir na paz do mundo
acordar sem a ressaca da noite
sentir o cheiro rosa choque e violeta

eu só queria amanhecer nu no teu compasso
cruzar a esquina nos teus braços
olhar as estrelas e o espaço

eu só queria que o sentimento do mundo
explodisse no meu peito
e que a nave mãe pousasse sem sobressaltos

eu só queria que este querer doméstico
fosse o prumo da concórdia
fosse o rito sumário
o grito que escapou do armário

eu só queria me deitar com o mundo
ouvir músicas melosas
e acordar com o raiar do dia
em prantos

eu só queria que esse canto choro
inundasse os compartimentos
desnudasse a nossa vergonha
fosse o samba enredo de todos os carnavais

eu só queria que essa letra torta
fosse infinita
mistura dramática de todos os tons
que eu pudesse pintar o sete

que os jornais amanhecessem em branco
e cada um pudesse escrever a sua própria manchete

17.5.18

Acarajé já!

Eu quero comer um acarajé sem culpa
Mais que lipídios
Quero degustar desse prazer
Sem precisar ser um privilégio

Quero comer um acarajé
Quando todos os meninos estiverem
no colégio

Não vou pedir abará
Quero calorias
Amor sem sacrilégio
Discurso sem ódio
Pátria amada Bahia

Entre bolos, bolsos e cia
Quero uma acarajé com sotaque
Sem meio termo
Mais à esquerda
Quente e calórico

Vermelho no sangue

Não me venha com abará
Quero com todas as forças
Em 2018
Acarajé já!

30.3.18

Vida e morte


Aqui não neva
Apenas a poeira fina embaça meus olhos
Aqui ninguém viu a vida
Apenas as pessoas vivem em embrulhos

Cobrem o frio, a fome, o ódio

Nunca neva
Sempre frio

Nunca neva
Sempre fome

Nunca neva
Sempre ódio

Apenas pessoas
Nunca vida

Sempre fome
Nunca trem, ônibus ou chorume

Sempre choro

31.1.18

dú(vidas)

Tenho medo de estar enquadrado
De ser um quadrado
imóvel

Tenho medo da geração comida rápida
De fazer parte da estatística dos que não lêem
Neste país sem livrarias

Tenho medo de Deus e dos meus pecados
E tenho apenas um sentimento esquálido

Deus me livre dessas regalias
Dos anéis de ouro e prata
Dos bordéis e dos casacos

Quero partir nu
Rumo ao infinito
Sem sombra e sem dú(vidas)