20.6.12
15.6.12
Sentença PAD UFCG
DISPOSITIVO
67. Ante o
exposto, julgo procedente o pedido inicial, declarando a extinção do processo
com julgamento do mérito (art. 269, inciso I, do CPC), para:
I - declarar a
nulidade do Processo Administrativo Disciplinar n. 23096.033540/09-21, no qual
o autor figura como indiciado, mantendo a liminar de suspensão do referido
processo até o trânsito em julgado da presente ação, deixando consignado que,
uma vez transitada em julgado essa decisão, não poderá a administração instaurar
outro processo administrativo em desfavor do autor com fundamento nos mesmos
fatos, sob pena de violação à coisa julgada;
II - condenar a
UFCG a pagar ao autor o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a título de
indenização pelos danos morais sofridos.
68. Em face da
sucumbência total da UFCG, condeno-a a pagar à parte autora honorários
advocatícios que fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos do artigo 20,
§ 4º, do CPC.
69. Sem custas
iniciais a serem ressarcidas nem custas finais a serem pagas, por ter sido
concedido à parte autora o benefício da assistência judiciária com base no art.
4º da Lei nº 1.060/50 e ser a parte ré isenta de seu pagamento na forma do art.
4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96.
70. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Campina
Grande/PB, 14 de junho de 2012.
Juiz federal
ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU
Titular da 4ª VF/SJPB
“A liberdade de expressão é de vital importância para as
bases de uma democracia livre e igualitária. Esse direito consagrado na
Constituição Federal de 1988 revela o intuito libertador das opressões a que se
submetiam os cidadãos em tempos de outrora, quando imperava o autoritarismo.
Ainda nesse sentido, é bom que se diga que a divergência de ideias e a garantia
de que não haverá punição em virtude do exercício do direito de manifestação do
pensamento são imprescindíveis para que o verdadeiro Estado Democrático de
Direito possa ser fortalecido em suas bases.
[...] o autor, em momento algum, demonstrou atuar com
desprezo ou desapreço à pessoa do reitor da UFCG, apenas emitiu uma opinião
pessoal, consectário do seu direito fundamental à liberdade de expressão.
Não há nos autos relatos outros que denotem a intenção deliberada
do autor em injuriar o reitor da UFCG, macular sua honra, nada que se possa
admitir como excesso do direito de uso da liberdade de expressão, a ponto de se
concluir que, com suas palavras, teria havido qualquer falta no seu dever
funcional de urbanidade ou de proibição de desapreço dentro do recinto da
repartição.
Foge à razoabilidade punir aquele que exerce um direito,
mesmo que esse direito vá de encontro aos interesses daquele que foi, de uma
certa forma, atingido, mesmo que este seja o chefe de uma instituição de ensino
superior.
Diante das considerações acima, imprescindível deixar claro
que, com o trânsito em julgado desta sentença, anulando o Processo
Administrativo Disciplinar n. 23096.033540/09-21, fica a Administração
impossibilitada de instaurar novo processo administrativo disciplinar em
desfavor do autor pelos fatos analisados nestes autos, sob pena de violação à
coisa julgada.
O fato de estar submetido a um processo administrativo
indevido, totalmente desprovido de razoabilidade, já configura, por si só, um
ato ilícito, merecendo o autor uma compensação pelos danos morais sofridos em
decorrência da atitude da instituição ré. Os fatos narrados nestes autos fazem
nascer uma presunção de que houve sim dano moral, com reflexos externos consubstanciados
na dor, inquietação, aflições, angústia e desequilíbrio do bem-estar por que
passou o autor.
No caso presente, penso ser justo o valor de R$ 10.000,00
(dez mil reais) para atender à finalidade da reparação civil, levando-se em
conta a situação econômica dos envolvidos, na esperança de que ele cumpra o seu
caráter pedagógico e compensatório.”
0001081-57.2011.4.05.8201
Classe: 29 - AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO)
Observação da última fase: Fase lançada automaticamente pelo
sistema por ter havido retificação na autuação. (24/04/2012 16:57)
Última alteração:
EST_LQN
Localização
Atual: 4 a.
VARA FEDERAL
Autuado em
18/04/2011 - Consulta Realizada em: 15/06/2012 às 16:42
AUTOR : LAURO PIRES XAVIER NETO
ADVOGADO : SABRINA PEREIRA MENDES E OUTRO
REU : UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE
- UFCG
PROCURADOR:
SEM PROCURADOR
4 a. VARA FEDERAL - Juiz Titular
Objetos:
01.11.05 - Processo Administrativo Disciplinar ou Sindicância - Servidor
Público Civil - Administrativo
-----------------------------------------------------------------------------------------------------
14/06/2012 16:43 - Sentença. Usuário: AACF
SENTENÇA
-TIPO A-
(Res. N. 535/2006)
RELATÓRIO
1. Trata-se de
ação ordinária proposta por LAURO PIRES XAVIER NETO contra a UNIVERSIDADE
FEDERAL DE CAMPINA GRANDE - UFCG - objetivando a nulidade do Processo
Administrativo Disciplinar nº 23096.033540/09-21 e a condenação da ré em danos
morais pelo assédio moral sofrido.
2. Alega, em
suma, que:
I - é servidor
público lotado no Centro de Educação e Saúde da UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA
GRANDE - CES/UFCG, inscrito no SIAPE nº 1439971;
II - participa,
juntamente com outros membros do corpo docente da UFCG, de um grupo de
conversação virtual denominado "Universidade Informação & Debate"
(infodebate@googlegroups.com), através do qual são discutidos interesses dos
membros cadastrados;
III - foram perpetradas
sérias denúncias ao Tribunal de Contas da União - por pessoa que teve a sua
identidade preservada por aquele Tribunal - contra a UNIVERSIDADE FEDERAL DE
CAMPINA GRANDE - UFCG, que comprometem o Reitor, Sr. Thompson Fernandes Mariz;
III - em outubro
de 2009, o professor Fábio Ferreira de Medeiros (representante docente do
Centro de Educação e Saúde da UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE -
CES/UFCG) divulgou na lista de debates a reunião do Colegiado Pleno, realizada
na quarta-feira, dia 21/10/2009, colacionando no respectivo e-mail uma cópia
digitalizada da referida denúncia;
IV - no aludido
grupo de conversação, o autor fez constar na sua manifestação as denúncias
formuladas junto ao Tribunal de Contas da União, alhures referidas e
anteriormente divulgadas pelo citado professor;
V - diante desse
cenário, em que as acusações estão sendo devidamente apuradas pelo Tribunal de
Contas da União, o autor foi acusado (de forma irregular e com evidente
demonstração de abuso de poder e assédio moral), pelo Reitor da UFCG, por meio
de uma Comissão de Sindicância e, posteriormente, por um Processo
Administrativo Disciplinar - PAD, de violação de dever funcional;
VI - apenas por
ter informado aos membros do grupo de conversação virtual as denúncias ipsi
litteris anteriormente já divulgadas por outra pessoa, fora requerido pelo
Reitor da UFCG a constituição de Comissão de Sindicância de forma a puni-lo,
numa demonstração clara e evidente de tentativa de opressão ao direito de
expressão constitucionalmente garantido;
VII - o
resultado da sindicância (que excedeu o prazo de conclusão) fora repassado para
que o próprio Reitor da UFCG (pessoa interessada no resultado desfavorável ao
indiciado) adotasse as providências que desejasse;
VIII - o reitor,
no objetivo precípuo de perseguir o indiciado, determinou a instauração de um
Processo Administrativo Disciplinar - PAD, nomeando servidores da sua confiança
para adotarem os procedimentos ulteriores;
IX - a Comissão
Permanente de Processo Administrativo Disciplinar - CPPRAD instalou-se na
própria sede da Reitoria;
X - além do
indiciamento não fazer qualquer sentido, nem possuir qualquer respaldo
fático-jurídico, fora indeferido ao indiciado o direito à produção de provas
nos autos da sindicância, caracterizando o cerceamento ao direito de defesa;
XI - o PAD ainda
será remetido ao próprio Reitor para julgamento por ter sido ele a autoridade
que determinou a sua instauração, evidenciando várias irregularidades e
tentativa nítida de prejudicar o autor.
3. Pediu em sede
liminar que fosse decretada a suspensão do aludido processo administrativo, e,
ao final, pediu que fosse declarada a nulidade da sindicância por excesso de
prazo para a conclusão, bem como a do Processo Administrativo Disciplinar por
irregularidades, quais sejam: a) suspeição do julgador, pois conforme consta
nos documentos da sindicância, a pessoa interessada na instauração dos procedimentos
é o próprio Reitor da UFCG, Sr. Thompson Mariz; b) e cerceamento do direito de
defesa, pois o pedido de produção de provas formulado pelo autor fora
indeferido.
4. Juntou os
documentos de f. 45/585.
5. A f. 592/597, decisão deste
juízo deferindo o pedido liminar no sentido de suspender o Processo
Administrativo Disciplinar n. 23096.033540/09-21 até o deslinde da presente
demanda.
6. A f. 607, a UFCG informou que a
decisão de f. 592/597 foi cumprida, conforme informação prestada pela
Secretaria de Recursos Humanos.
7. A UFCG não apresentou
contestação, f. 614.
8. As partes
requereram produção de prova testemunhal e documental, o que foi deferido na
decisão de f. 639/640, na qual restou designado o dia e hora para realização de
audiência de instrução e julgamento.
9. Audiência de
instrução realizada, na qual foram ouvidas as testemunhas arroladas pelo autor
e pelo réu (f. 647/654), cujo CD foi juntado a f. 669.
10. Da f.
675/697 consta o restante do processo administrativo disciplinar instaurado
contra o autor até o momento em que ele foi suspenso pela decisão judicial
proferida nestes autos, em atendimento ao determinado na decisão de f. 648.
11. O autor apresentou alegações finais a f.
700/739, aduzindo que fora vítima de uma séria de atitudes de perseguição
política, as quais geraram vários transtornos, inclusive psicológicos que o
levaram à incapacidade laborativa.
12. Em suas
alegações finais, a UFCG pugnou pela improcedência total dos pedidos (f.
742/743).
13. É o
relatório.
FUNDAMENTAÇÃO
Da nulidade da sindicância por excesso de prazo para a
conclusão e do cerceamento do direito de defesa na fase de sindicância
14. As
questões acima aludidas já foram devidamente apreciadas na decisão de f.
592/597, não tendo sido interposto recurso, o que dispensa pronunciamento a seu
respeito, uma vez que já preclusa a matéria.
Da nulidade do processo administrativo disciplinar por
suspeição do julgador e cerceamento do direito de defesa durante o PAD
15. Segundo
o autor, a conclusão da sindicância não poderia ser repassada ao reitor da
UFCG, o Sr. Thompson Fernandes Mariz, para que fossem adotados os procedimentos
cabíveis, uma vez que este teria sido a pessoa interessada na instauração dos
procedimentos.
16. Com
efeito, assistiria razão ao autor se o processo de sindicância, após sua
conclusão, tivesse sido encaminhado à mesma pessoa que o solicitara para que
esta tomasse as demais providências após o resultado da sindicância, com a
consequente instauração do processo administrativo disciplinar. Contudo,
verifica-se que, embora o processo conclusivo da sindicância tivesse sido
encaminhado ao gabinete do reitor, não fora este o responsável pelo
prosseguimento da apuração da suposta falta infracional.
17. A Portaria de f. 103,
designando os servidores que comporiam a comissão permanente do processo
administrativo disciplinar, a Portaria de f. 183, prorrogando por mais 60 dias
o prazo de vigência da Portaria n. 113, bem como a Portaria de f. 214, apesar
trazerem o nome do reitor, o Sr. Thompson Fernandes Mariz, as mesmas não foram
assinadas por ele, mas pelo vice-reitor, o Sr. José Edilson de Amorim. É o que
restou evidenciado nos esclarecimentos de f. 608/609, no depoimento pessoal do
próprio vice-reitor e a partir de uma comparação entre as assinaturas apostas
nas referidas portarias e aquela constante no termo de f. 652, não havendo
assim que se falar em suspeição do julgador.
18. Restou
esclarecido que a atuação do Sr. Thompson Fernandes Mariz limitou-se à
solicitação de constituição de comissão de sindicância para apurar as supostas
acusações contra a sua pessoa por parte do autor, ato este está em consonância
com seu direito constitucional de petição.
19. Quanto ao
alegado cerceamento de defesa durante o Processo Administrativo Disciplinar,
entendo que também não assiste razão ao autor. Com a designação dos servidores
membros da Comissão Permanente de Processo Administrativo Disciplinar (f. 103),
deu-se início à apuração para constatação da ocorrência de falta disciplinar e
possível aplicação de penalidade dela decorrente.
20. Constam das
f. 135/136 notificação prévia encaminhada ao autor para tomar ciência da
instauração do PAD, n. 23096.033540/09-21, e dos direitos que lhe assistiam
durante a tramitação do referido processo administrativo, tendo o autor
requerido a f. 138 a
produção de provas testemunhal e pericial, juntada de documentos, depoimento pessoal
do reitor da UFCG e do diretor do CES/UFCG. Posteriormente, informou quais
testemunhas pretendia que fossem ouvidas (f. 146). A f. 153, o autor requereu o
arquivamento do PAD, o depoimento das servidoras Jacyra Farias de Souza e Carla
Pedrosa de Figueiredo e a juntada dos documentos de f. 154/179, o que foi
apreciado pela comissão a f. 184/186.
21. A decisão que apreciou o
pedido de provas indeferiu o pedido de arquivamento por falta de amparo legal e
a produção de prova pericial por entender que a comprovação dos fatos
independia desta espécie de prova, orientação esta prevista no artigo 156, §
2º, da Lei n. 8.112/90. O indeferimento de oitiva das pessoas arroladas a f.
105 teve como fundamento o fato de que a conduta das pessoas que compõem o PAD
não ser objeto de apuração e análise do processo a que responde o autor.
22. Vê-se,
portanto, que o indeferimento de algumas provas requeridas pelo autor foi
devidamente fundamentado e respaldado em argumentos norteados pela plausibilidade,
insuscetível, pois, de qualquer reprimenda por parte deste juízo. Quanto à prova testemunhal requerida, esta
foi deferida e as testemunhas de defesa arroladas foram ouvidas a f. 227/228 e
244/246.
23. Pelas razões
acima expostas, rejeito as alegações de nulidade do Processo Administrativo
Disciplinar n. 23096.033540/09-21 por suspeição do julgador e cerceamento de
defesa durante o referido processo.
Do mérito do Processo Administrativo Disciplinar n.
23096.033540/09-21
24.
Discute-se nestes autos se o processo administrativo disciplinar instaurado em
desfavor do autor teria sido legítimo, ou seja, se a administração, ao
instaurar o PAD, tendo como fundamento as palavras proferidas contra o reitor
da Universidade Federal de Campina Grande, teria agido com abuso de direito.
25. Em
primeiro lugar, mostra-se necessário tecer algumas considerações acerca da
possibilidade do controle jurisdicional sobre os atos administrativos
vinculados e/ou discricionários, quando estes últimos, apesar de serem pautados
pela conveniência e oportunidade, ultrapassam os princípios da razoabilidade e
da proporcionalidade maculando assim a legitimidade dos efeitos produzidos,
que, no caso dos autos, refere-se ao processo administrativo disciplinar
instaurado em desfavor do autor.
26. Embora seja
o processo administrativo disciplinar o meio através do qual a administração
busca a apuração e punição das faltas graves praticadas pelo servidor público
sujeito ao regime funcional, a sua instauração deve ser pautada em motivos
aparentemente legítimos, justificando-se o seu início apenas quando diante de
um ato ilícito administrativo grave. Essa postura deve ser observada a fim de
se evitar a aplicação de excesso de poder, que caracteriza a arbitrariedade.
27. A instauração do processo administrativo
disciplinar encontra-se inserido no extenso rol que envolve o atuar da
Administração, o que, a princípio estaria ao largo da ingerência do poder
judiciário. A impossibilidade de
reexame, por parte do Poder Judiciário, quanto aos atos administrativos
encontra amparo no fato de que os poderes da União são independentes e
harmônicos entre si, não podendo o judiciário se imiscuir na seara própria da
administração, eis que sua atuação limita-se ao exame da legalidade.
28. Contudo, não há que se olvidar a
possibilidade de o poder judiciário, no exame judicial, examinar ou não o
processo administrativo e verificar se o ato disciplinar está de acordo com as
normas e princípios que regem o ordenamento jurídico, uma vez que há permissivo
de índole constitucional para que seja exercido o controle jurisdicional dos
atos da administração pública, não se restringindo à análise mecânica da
legalidade do ato, mas extensivo à possibilidade de controle de atos
discricionários que malferirem os princípios constitucionais. Nesse sentido, o
princípio da inafastabilidade da jurisdição, estatuído no art. 5º, XXXV, não
exclui da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de direito,
incluídos nessa previsão os atos administrativos.
29. Em que pese
ser a instauração do processo administrativo disciplinar uma atividade
vinculada, uma vez que, diante de uma conduta ilícita praticada pelo servidor
público, a administração tem o dever de apurar se o servidor agiu com dolo ou
culpa, existe nesse mister uma certa margem de discricionariedade na medida em
que a administração, diante do caso concreto, decide se o ato praticado pelo
servidor se enquadra ou não entre aqueles considerados como atos ilícitos
administrativos. O juízo de valor em relação à suposta conduta ilícita não pode
se distanciar da finalidade que rege a administração, que é sempre o interesse
público. Além disso, é imprescindível que a atuação administrativa seja
orientada pelos postulados da proporcionalidade e razoabilidade.
30. Os atos
administrativos, inclusive os discricionários, revestem-se dos atributos da
presunção de legitimidade e veracidade, auto-executoriedade e imperatividade,
mas isso não significa que estão revestidos de imunidade quando eivados de
arbitrariedade. Assim sendo, o processo administrativo também pode se submeter
ao controle jurisdicional a fim de que sejam examinados os motivos e o conteúdo
do ato e assim julgar-se se ele é ou não legítimo em face dos princípios da razoabilidade
e da proporcionalidade.
31. A Administração, ao impor
sanções, deve observar o princípio da razoabilidade. Tal princípio é também
chamado pelo saudoso administrativista brasileiro Hely Lopes Meireles (2008. p.
94), "por princípio da proibição do excesso, que, em última análise,
objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar
restrições desnecessárias ou abusivas por parte da Administração Pública, com
lesão aos direitos fundamentais."
32. Em face dos
princípios da proporcionalidade, dignidade da pessoa humana e culpabilidade,
aplicáveis ao regime jurídico disciplinar, não há juízo de discricionariedade
no ato administrativo que impõe sanção disciplinar a Servidor Público, razão
pela qual o controle jurisdicional é amplo, de modo a conferir garantia aos
servidores públicos contra eventual excesso administrativo, não se limitando,
portanto, somente aos aspectos formais do procedimento sancionatório. (MS
200801267012, Relator Napoleão Nunes Maia, STJ, Terceira Seção, DJE 02/04/2009)
33. Os atos dos
servidores públicos passíveis de punição pela Administração, após submissão ao
processo administrativo disciplinar, são aqueles praticados com ação ou omissão
antijurídica, culpa ou dolo e dano, em desobediência ao estatuto e disposições
que o complementam estabelecidas por lei. Importante salientar que tais atos
devem violar os deveres impostos pela observância dos princípios da
Administração. O ideal de justiça não constitui anseio exclusivo da atividade
jurisdicional. Deve ser perseguido também pela Administração, principalmente
quando procede a julgamento de seus servidores, no exercício do poder
disciplinar.
34. Dentro do
arcabouço jurídico, os direitos e garantias fundamentais são de observância
obrigatória. Os direitos garantidos constitucionalmente não podem ser
rechaçados e olvidados ao livre arbítrio da administração pública, impedindo-se
que a intangibilidade dos atos administrativos revistam-se de proteção
incondicionada.
35. A liberdade de expressão
é de vital importância para as bases de uma democracia livre e igualitária.
Esse direito consagrado na Constituição Federal de 1988 revela o intuito
libertador das opressões a que se submetiam os cidadãos em tempos de outrora,
quando imperava o autoritarismo. Ainda nesse sentido, é bom que se diga que a
divergência de ideias e a garantia de que não haverá punição em virtude do
exercício do direito de manifestação do pensamento são imprescindíveis para que
o verdadeiro Estado Democrático de Direito possa ser fortalecido em suas bases.
36. No caso dos
autos, a meu ver, há que se perquirir se os motivos ensejadores da instauração
do processo administrativo disciplinar apresentam cunho inibidor do direito
fundamental à liberdade de expressão. Para esse mister é necessário que se faça
uma análise dos fatos que motivaram a instauração do processo administrativo
disciplinar em desfavor do autor.
37. Segundo
a comissão de sindicância, o autor teria praticado o ato infracional previsto
no inciso XI, do artigo 116 (violação do dever de urbanidade para com as
pessoas) e o inciso V, do artigo 117 (proibição de promover manifestação de
apreço ou desapreço no recinto da repartição), ambos da Lei 8.112/90. A
conclusão a que chegou a comissão pautou-se no fato de que o autor teria se
utilizado de seu e-mail bem como de distribuição por escrito à comunidade
acadêmica do CES/UFCG de uma denúncia feita ao TCU contra Thompson Fernandes
Mariz, ainda não transitada em julgado.
38. Da
mesma forma, o relatório final do PAD, f. 683/694, concluiu que o autor estaria
emitindo juízo de valor sobre as denúncias perpetradas contra o reitor da UFCG,
o SR. Thompson Fernandes Mariz, quando encaminhou, através de seu e-mail
funcional, trechos das denúncias referentes ao processo n. 013.568/2009-5 do
TCU. Entendeu-se que a atitude do autor em utilizar um endereço funcional
institucional para divulgação, de forma parcial, de denúncias contra o reitor
da instituição numa comunidade da internet formada por docentes da UFCG e de
livre acesso, emitindo juízo de valor sobre fato ainda não julgado
definitivamente, dizendo que corroborava com as denúncias, teve o objetivo de
macular a honra subjetiva do servidor público vítima e denunciante, e, assim, o
autor teria infringido os dispositivos legais acima mencionados.
39. Ainda
segundo as testemunhas ouvidas neste juízo, as quais também fizeram parte da
comissão do processo administrativo, o ato infracional praticado pelo autor
consubstanciou-se em fazer uso de um e-mail funcional para difundir opiniões
pessoais sobre um fato que ainda estava sendo apurado no TCU. A testemunha
Paulo de Freitas Monteiro afirmou que ficou provado que o autor utilizando
e-mail funcional institucional repassava informações a respeito de processos da
reitoria e de trechos desse processo e que o autor não poderia ter essa conduta
através de e-mail funcional para difundir informações de seu interesse e fazer
juízo de valor a respeito do reitor, o chefe maior da instituição.
40. Ao ser
questionado acerca da divulgação dessas opiniões do autor, a testemunha acima
esclareceu que quando falou em "divulgar" estava se referindo ao fato
de que o autor teria informado quanto a trechos do processo do TCU no grupo de
discussão e teria usado o e-mail funcional. Acrescentou ainda que não sabia
informar se havia algum regramento quanto
à utilização do e-mail funcional e que não havia policiamento quanto às
opiniões dos servidores. Para a testemunha e também membro da comissão, o mais
grave foi o autor ter feito "papel de juiz da situação" e ter exposto
tudo como verídico, como se o reitor estivesse errando e tivesse sido punido.
41. Por sua vez,
a testemunha e também membro da comissão do processo disciplinar, o Sr.
Ramilton M. Costa, deixou consignado que a conclusão da comissão foi no sentido
de que o senhor Lauro Pires Xavier Neto fez uma manifestação de opinião no
grupo de discussão.
42. A testemunha José Edilson
Amorim, vice-reitor da UFCG, confirmou que o autor teria feito um extrato de
uma denúncia anônima disponibilizada no TCU, retirado parte desse material e
divulgado em e-mails para colegas e professores e na cidade de Cuité, com
opinião de juízo de que ele concordava com aquelas denúncias.
43.
Analisando-se os autos, veem-se, a f. 49/66, cópias dos e-mails repassados pelo
autor, considerados como ofensivos à honra do reitor da instituição para a qual
o autor trabalha. Do teor das palavras usadas nos referidos e-mails, pode-se
concluir que, em nenhum momento, houve excesso por parte do autor. Constam sim
opiniões exaradas quanto aos fatos que estariam acontecendo no seu ambiente de
trabalho. Em um dos e-mails, o autor assim se manifesta:
"Gostaria de afirmar que estou estarrecido com as
denúncias ao TCU e certamente, pela gravidade dos fatos e pelo que tenho visto
e acompanhado nesta instituição, nada disso será "fantasioso" - além
de achar o comentário do Magnífico Reitor uma afronta a tão respeitado
Tribuna...
Venho corroborar com o denunciante, pois há muito acho
estranho irmãos ocuparem cargos na UFCG além de outras denúncias que já fiz,
inclusive sobre a forma que servidores são cooptados - processo semelhante a um
balcão de negócios."
44. Infere-se
dos trechos acima transcritos que o autor, em momento algum, demonstrou atuar
com desprezo ou desapreço à pessoa do reitor da UFCG, apenas emitiu uma opinião
pessoal, consectário do seu direito fundamental à liberdade de expressão. Os
trechos postados, extraídos da denúncia que tramitava no TCU contra o reitor da
UFCG, não estavam sob a proteção do sigilo, podendo qualquer pessoa ter acesso
ao inteiro teor da denúncia oferecida naquele órgão e a divulgação a que se
refere o PAD não teve a extensão que se procurou imprimir no relatório emitido
pela comissão disciplinadora. Pelo que ficou comprovado nos autos, a divulgação
dos trechos da denúncia e das opiniões pessoais do autor ficaram limitadas ao
grupo de discussão "infodebate@googlegroups.com", de que o autor
fazia parte juntamente com os demais membros do meio acadêmico.
45. O e-mail que
consta da f. 56 teve como único destinatário o professor Mário Araújo, e, mesmo
que tivesse sido direcionado ao grupo de discussão para efetiva publicação de
seu conteúdo, não haveria conteúdo difamatório que pudesse ir de encontro aos
interesses do reitor da UFCG. Pensar de forma diferente seria o mesmo que punir
o autor por estar exercendo seu direito constitucional de liberdade de
expressão e manifestação do pensamento.
46. Não há nos autos relatos outros que denotem a
intenção deliberada do autor em injuriar o reitor da UFCG, macular sua honra,
nada que se possa admitir como excesso do direito de uso da liberdade de
expressão, a ponto de se concluir que, com suas palavras, teria havido qualquer
falta no seu dever funcional de urbanidade ou de proibição de desapreço dentro
do recinto da repartição.
47. Pelas razões
acima esposadas, entendo que os motivos que deram ensejo à instauração do
processo administrativo disciplinar em desfavor do autor, tendo como fundamento
as palavras e manifestações exteriorizadas pelo mesmo diante dos fatos
denunciados no TCU não se mostraram como falta funcional grave. Foge à
razoabilidade punir aquele que exerce um direito, mesmo que esse direito vá de
encontro aos interesses daquele que foi, de uma certa forma, atingido, mesmo
que este seja o chefe de uma instituição de ensino superior.
48. Por entender
que o autor apenas exerceu seu direito constitucional de liberdade de
expressão, que esse direito foi exercido sem que houvesse excesso a ponto de
violar o direito também constitucional conferido ao reitor da UFCG, que é não
ter sua honra maculada por falsas acusações, deve o processo administrativo
disciplinar ser anulado por estar configurado que o autor agiu apenas no
exercício de um direito, e o motivo que ensejou a instauração do processo
administrativo disciplinar foge aos limites que norteiam a razoabilidade à qual
os atos administrativos devem obediência.
49. Insta
salientar que a propagação do ato praticado pelo autor considerado como ilícito
pela administração limitou-se à postagem de suas opiniões em um grupo de
discussão virtual. Não há nos autos nenhuma evidência de que suas opiniões a
respeito da gestão atual da UFCG e da denúncia apresentada no TCU tivesse
alcançado publicidade em sala de aula com distribuição por escrito à comunidade
acadêmica do Centro de Educação e Saúde, conforme restou consignado no
relatório final elaborado pela comissão processante a f. 683.
50. Diante das
considerações acima, imprescindível deixar claro que, com o trânsito em julgado
desta sentença, anulando o Processo Administrativo Disciplinar n.
23096.033540/09-21, fica a Administração impossibilitada de instaurar novo
processo administrativo disciplinar em desfavor do autor pelos fatos analisados
nestes autos, sob pena de violação à coisa julgada.
Do dano moral
51. Quanto aos
danos extrapatrimoniais sofridos pelo autor, é certo que estes se evidenciam em
consequência dos efeitos psicológicos adversos que o fato ilícito pode causar,
tais como: perturbações psíquicas, insegurança, traumas, medo, pânico,
tristeza, depressão etc, refletindo-se no emocional do indivíduo.
52. Compreendem-se
como danos tanto aqueles de ordem patrimonial como de ordem moral, sendo este
entendido como "a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à
normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo,
causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar."1
53.
Diferentemente do dano material, o qual depende de prova, feita através dos
vários meios existentes, o dano moral decorre da própria ofensa, da gravidade
do ilícito em si, ou seja, o dano moral existe in re ipsa.
54. Nesse
sentido, Carlos Alberto Bittar:2
"Na concepção moderna da teoria de reparação de danos
morais prevalece de início, a orientação de que a responsabilização do agente
se opera por força do simples fato da violação. Com isto, verificado o evento
danoso, surge 'ipso facto' a necessidade de reparação, uma vez que presentes os
pressupostos de direito".
55. No caso dos
autos, o dano moral sofrido pelo autor está evidenciado pela situação de
extremo constrangimento diante da conduta ilícita da administração em dar
início a uma sindicância e, posteriormente, à instauração do processo
administrativo disciplinar em razão do que teria dito o autor no grupo de
discussão, via internet.
56. Uma vez que
ao juiz é possível julgar também com base em máximas de experiência, creio que
o seguinte raciocínio seja interessante: se o autor tivesse, da mesma forma,
emitido opinião sobre os representantes dos mais altos cargos públicos, quer
seja do Executivo, Judiciário ou Legislativo, provavelmente nada teria
ocorrido, nenhuma ação teria sido ajuizada. O que vejo nos autos é que o
simples fato de ter o autor exteriorizado sua opinião contra o reitor da UFCG,
e por ser este o seu superior, estando o autor a ele subordinado, sofreu as
reprimendas que estavam ao alcance da administração. Ou seja, o meio de
repressão à liberdade de manifestação do pensamento de que dispunha a
administração naquele momento foi a submissão do autor a um processo
administrativo disciplinar, o que, indubitavelmente, configurou-se como ato
ilícito, pois a posição de hierarquia imediata entre ambos terminou sendo
decisiva na abertura do PAD, não as palavras proferidas.
57. O fato de
estar submetido a um processo administrativo indevido, totalmente desprovido de
razoabilidade, já configura, por si só, um ato ilícito, merecendo o autor uma
compensação pelos danos morais sofridos em decorrência da atitude da
instituição ré. Os fatos narrados nestes autos fazem nascer uma presunção de
que houve sim dano moral, com reflexos externos consubstanciados na dor,
inquietação, aflições, angústia e desequilíbrio do bem-estar por que passou o
autor.
58. Deixar sem
reparação essas lesões seria acobertar uma situação reprovável em detrimento de
quem foi vítima, o que, certamente, não está em consonância com o princípio da
reparação in integrum, esculpido na responsabilidade civil.
59. Na fixação
da reparação por dano extrapatrimonial, incumbe ao julgador, atentando, sobretudo,
para as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado, e aos
princípios da proporcionalidade e razoabilidade, arbitrar quantum que se preste
à suficiente recomposição dos prejuízos, sem importar, contudo, enriquecimento
sem causa da vítima.
60. Ressalte-se
que o valor pecuniário arbitrado deve ser de compensação pelos danos morais
experimentados pelas vítimas, na proporção das condições financeiras do
acusado, a fim de se adequar ao seu caráter duplo, no sentido de não ser extremamente
oneroso para o ofensor, nem tampouco que seja um valor banal, e que também não
sirva de enriquecimento sem causa para a vítima.
61. No caso
presente, penso ser justo o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para atender
à finalidade da reparação civil, levando-se em conta a situação econômica dos
envolvidos, na esperança de que ele cumpra o seu caráter pedagógico e
compensatório.
Da manutenção da liminar concedida
62. A liminar concedida na
decisão de f. 592/597, que suspendeu o processo administrativo disciplinar teve
como fundamento o fato de que o Sr. Thompson Fernandes Mariz, enquanto
interessado na instauração do referido processo, já que o teria solicitado, não
poderia ser a autoridade julgadora. Tal ilação se deu por constar seu nome na
portaria de designação dos servidores membros da Comissão Permanente de
Processo Administrativo Disciplinar (f. 103).
63.
Todavia, após o trâmite da presente ação, ficou comprovado que a assinatura
aposta naquela portaria e nas demais não pertencia ao Sr. Thompson e sim ao
vice-reitor José Edilson de Amorim, não havendo assim que se falar em
coincidência entre a autoridade solicitante/interessada e a julgadora. Dessa
forma, não mais se vislumbra o motivo ensejador da concessão de liminar de f.
592/597, posto que fundamentada em motivo insubsistente, razão pela qual deve a
mesma ser revogada.
64. Embora não
mais se justifique a manutenção da liminar concedida anteriormente por aquelas
razões, o caso é de se concedê-la, porém, com fundamentação diversa.
65. A matéria trazida a estes
autos foi exaustivamente discutida, com observância do contraditório e ampla
defesa, restando comprovado que o PAD instaurado em desfavor do autor foi
desarrazoado. A fumaça do bom direito encontra-se plenamente demonstrada pelas
provas coligidas e o perigo da demora encontra-se consubstanciado no fato de
que o processo administrativo disciplinar já foi devidamente concluído,
inclusive com a indicação da penalidade de suspensão por 15 dias a ser aplicada
em desfavor do autor, encontrando-se suspenso apenas por força da decisão
judicial de f. 592/597.
66. A não concessão da
liminar de suspensão do Processo Administrativo Disciplinar n.
23.096.03354/09-21 poderá trazer ao autor dano irreparável, uma vez que poderá
ser-lhe aplicada a punição sugerida pela comissão processante e acatada pela
autoridade julgadora, conforme se constata no despacho de f. 696.
DISPOSITIVO
67. Ante o
exposto, julgo procedente o pedido inicial, declarando a extinção do processo
com julgamento do mérito (art. 269, inciso I, do CPC), para:
I - declarar a
nulidade do Processo Administrativo Disciplinar n. 23096.033540/09-21, no qual
o autor figura como indiciado, mantendo a liminar de suspensão do referido
processo até o trânsito em julgado da presente ação, deixando consignado que,
uma vez transitada em julgado essa decisão, não poderá a administração
instaurar outro processo administrativo em desfavor do autor com fundamento nos
mesmos fatos, sob pena de violação à coisa julgada;
II - condenar a
UFCG a pagar ao autor o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a título de
indenização pelos danos morais sofridos.
68. Em face da
sucumbência total da UFCG, condeno-a a pagar à parte autora honorários
advocatícios que fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos do artigo 20,
§ 4º, do CPC.
69. Sem custas
iniciais a serem ressarcidas nem custas finais a serem pagas, por ter sido
concedido à parte autora o benefício da assistência judiciária com base no art.
4º da Lei nº 1.060/50 e ser a parte ré isenta de seu pagamento na forma do art.
4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96.
70. Publique-se.
Registre-se. Intimem-se.
Campina
Grande/PB, 14 de junho de 2012.
Juiz federal
ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU
Titular da 4ª
VF/SJPB
1 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade
civil. 7. ed., São Paulo: Atlas, 2007. p. 80.
2 BITTAR, Carlos
Alberto. Reparação civil por danos morais. Ed. RT 1993 - p. 202.
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