Páginas

29.9.12

A morte e a morte de mais uma históri(c)a fachada

O silêncio soturno das ruas do centro
[depois das dez da noite]
Confunde-se com o apagar dos postes
no momento da minha passagem

O olhar noturno da história
Os velhos que se foram
E os arcos rococó
das casas em ruínas

Lembram o apogeu e queda
Da cidadela verde fosco
Em noites tão escuras
Enclausuradas em sonhos tombados

Do chão gritam os fogos fátuos
Clamando por suas histórias
Cruelmente modificadas
Pela especulação financeira

8.9.12

Comensal



Dormiu a tarde inteira. Acordou sem desejo de preliminares. Também não queria algo que pudesse ser mórbido - apenas venéreo. Queria algo direto, prático, “lembrando o menino no antigo banheiro”. Não havendo oportunidades relativas, próximas ou casuais, acostou-se ao chão frio e foi ler um drama comensal.
Em 08 de maio de 2012, antes da greve, protocolei o pedido de liberação para cursar Doutorado em Educação na Universidade de Matanzas "Camilo Cienfuegos" em Cuba. Juntamente com o pedido formal anexei a Carta de Aceite. Ainda antes da greve
a Unidade Acadêmica, na qual faço parte, fez uma reunião ordinária na qual não constava a apreciação do meu pedido de afastamento. As aulas do doutorado começaram dia 05 de setembro. De 17 maio até o momento (setembro) estive envolvido com o movimento grevista, lutando por melhorias nas condições da universidade pública. A princípio deixei de realizar um grande sonho, que é cursar o doutorado numa universidade cubana. Estou me sentimento prejudicado por isso? Afirmo de maneira peremptória: NÃO. Meus sentimentos não comungam com essa coisa alastrada e disseminada por esse sistema capitalista que é o egoísmo, o imediatismo, a falta de coletividade. Prefiro estar na luta pelo coletivo do que me sentir prejudicado. A luta é mais ampla, vinculada a um futuro de uma nação e não apenas as minhas questões individuais. Também fiz questão de não protocolar o pedido de mudança de nível de Asssistente II para Assistente III por uma questão de coerência política. Poderia ter feito em julho e assim receber um pouco mais nos meus proventos, mas estamos em greve e não seria uma atitude coerente fazê-lo.
Seguimos na luta, mesmo sabendo que esta luta está carregada de contradições, de momentos de avanço e recuo. Não houve tempo perdido, não perdi nada. Ganhei muito, aprendi muito com os estudantes que estavam nas manifestações, nas caravanas à Brasília, na ocupação da Reitoria da UFPB. Aprendi muito com os lutadores e lutadoras que abdicaram de suas famílias e tarefas acadêmicas para estarem nos Comandos de Greve, nos atos, na construção da pauta coletiva em defesa da universidade pública e contra esse Governo que vai alocar, pelo menos, 600 bilhões para o refinamento da dívida pública em detrimento às melhorias da educação e saúde tão necessárias.
 

05 de setembro



Persegui aquele perfume por meses. Estava perdidamente apaixonado. Tomava a camisa dela de assalto e ficava cheirando por horas a fio, como se fosse um bálsamo. Ela nem me dava bola. Finalmente em 05 de setembro de 1992 fiz um convite irrecusável. Vamos invadir o hotel e curtir infinitamente o prazer da companhia da nossa banda de rock favorita. Entramos ilegalmente. Estivemos tão próximos do Dado, do Bonfá e dos músicos da banda. O Renato apareceu rapidamente na sacada. Passamos o dia brincando, cantando, arriscando a nossa pele em proezas juvenis. A adrenalina tomava corpo e aquele perfume, que até hoje permeia meus sonhos, estava tão próximo e palpável que seria impossível continuar apenas sentindo uma vontade gigantesca de beijar aqueles lábios desejados por meses. À noite, durante o show, estávamos rodeados por trinta mil pessoas. Cercados por um calor de gente acalentadora. Lembro da roupa branca, do cabelo preto liso, dos olhos de fogo. Lembro do show começar ao som de Love Song seguido de Metal Contra as Nuvens. Êxtase puro ao ser conduzido por aquelas mãos carinhosas para frente do palco. Bem distante daquelas trinta mil pessoas. Renato então anuncia que vai cantar o hino nacional... como assim? E começa: “Meu coração / não sei por que / bate feliz quando te vê...”. Como se nossos lábios estivem entoando a canção, esperamos chegar em “Vem, vem, vem / Vem sentir o calor dos lábios meus...” para enfim consumar um encontro inenarrável de línguas, sabores e salivas que procuro sinônimos ao longo da história. Quando o show terminou tivemos que descolar nossos corpos e seguir o rumo das paradas de ônibus. Eu estava inebriado, encantado, afônico, agradecido a Legião Urbana e, não mais perdido, completamente apaixonado.