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13.12.17

Sentimentos

Tenho uma calça com bolsos furados
E sentimentos vazados
Por todos os lados

3.11.17

Rumo à Estação Futuro

Agora conto o tempo através da tua história
Não uso mais relógio ou calendário
O tempo agora é o meu mistério

Vejo o tempo passar no meu redário
Não meço mais o futuro
Apenas fotos e o balançar das redes

Não conto quantos contos faltam
Pra acabar essa história
Apenas reviso e reconto
Cada imagem, cada paisagem

E assim os dias passam
Entre vielas e paragens
Assim torno o futuro incerto
Como certo deve ser esse destino

22.7.17

Porvir


Bebê 
Quase sete anos se passaram
Agora já sei qual pé chutas a bola

Admiro a espontaneidade do teu sorriso
E a fortaleza do teu caráter

Sei que ninguém te dará ordens aleatórias
Baterás o pé até conquistar o bom direito

Sei que posso contar contigo
Na luta contra o prefeito
Levantando faixas pela nomeação
No grito de ordem:
Fora Presidente

Já tens o hábito de  ocupar as ruas
Lutar por nossos direitos
Sabes que o presidente é um homem mau
Cercado de corruptos

Tuas perguntas políticas
Teu interesse pelos ocorridos
Revelam a dureza do cotidiano

Até a pelegagem do sindicato foi descortinada
Até o emprego que papai perdeu foi desvelado
Até a justiça desafinada foi revelada

Teu engajamento é inspiração
Nessa selva digital
Neste país que ainda está por vir

14.7.17

Sol


O sol nunca se vai
O sol nunca se esvai

O que há por trás do lado obscuro do Sol?

O que há por trás de nossas vidas obscuras?

O sol nunca se vai
E nossa vida passageira acasala
Tantos preconceitos
Tantos desabonos
Tantos mistérios na antesala

Eu trabalhador de sol a sol
Nunca vejo o poente
Sou um zero à direita
Nessa politica de tantos expoentes

O sol nunca se esvai
Nem a margem à esquerda
Enquanto houver sol...

Contradição

Renasço a cada dia
Apesar do ser morrinhento que mora dentro de mim

10.7.17

Revolto



Eu revolto
É proibido proibir
Domino as ondas
Num efeito dominó

Eu revolto
Subverto ordens
Encaro o mar como uma criança
Engulo o medo
Sou todo coragem

Eu revolto
Sou mais violento que a ressaca
Sou amargo, salgado
Com o desejo patente de revoltar

Mar revolto
Encaro de frente
Pois a revolta é meu caminho só de ida
Não tenho tempo para voltar

9.7.17

Solidão



A solidão é um pontinho branco
De costas para o mar

Domingo



Domingo é dia de futebol
Jogo pela manhã
A tarde, assistir pela tevê

E não me venha com o discurso
Do seu ministro da economia
Que eu não quero nem ver

Navegantes


Aviso aos navegantes

O mar não está para propina
Ventos fortes
Águas turvas
Delações premiadas
Aves de rapina

Aviso aos navegantes

Descobrimos suas falcatruas
Filmamos malas, acordos espúrios
Dinheiro contado
E vamos tomar as ruas


Aviso aos navegantes

Alerta de céu enegrecido
Ressaca da maré
Navios e rádios piratas
Rompem as amarras e bradam:
Todo poder a ralé

8.7.17

reserva

Um exército bate à porta
Um exército implacável que causa temor
Milhões de compatriotas alistados
involuntariamente

Medo Fome Desemprego

O exército de reserva avança
É um fantasma na cabeça do trabalhador
É o argumento do patrão usurpador

É o chicote
o limbo
a humilhação

É o poder da contrarreforma
É o avesso da liberdade
É a pura promiscuidade

É um exército surdo mudo inodoro
É o exército do fim do mundo

3.7.17

A vida que tremia

Hoje pensei em Hermes
Um amigo esquálido da época de infância
Ele morava em frente a uma fábrica de tecidos

O chão tremia vinte e quatro horas

Vinte e quatro horas
Vinte e quatro horas
Vinte e quatro horas
O chão tremia
Por todo o dia
Máquinas a todo vapor

Por Deus
Aquele chão tremia as casas
Tremia Hermes e sua família
Hermes tremia
Vinte e quatro horas por dia

Sístole e diástole estavam na frequência
da tecelagem
Não havia tempo para amores
Corações tremiam
A casa quase caía, diziam os rumores

A casa de Hermes tremia
tremia o pai
tremia a mãe
tremia a tia
tremia os ossos do magrelinho
tremia o corpo famélico
tremia até o cachorro que não mais latia

Como Hermes dormia?
Dentro de uma casa que tremia
Como Hermes comia?
Dentro de uma casa que não parecia
Como Hermes aprovaria?
Dentro de uma casa onde os estudos não cabiam

Não tenho mais notícia de Hermes
Nem da casa que tremia
Nem da família que tremia
Nem do bairro que tremia

Só espero continuar a tremer de indignação
Em nome daquela barriga vazia
que tanto tremia

12.6.17

Mesclado

Como barriga seca não dá sono
Lembrei do sabor do iogurte
Do sorvete mesclado

Pensei nos alunos da escola pública
Café preto e pão seco
Qual o sabor do iogurte para o cego paladar?

Como será imaginar o sabor de morango
Mesclado com iogurte batido?

Qual o sabor do vazio?
Café preto e pão seco
Que sabor tem?

Café com pão
Café com pão
Café com pão
Preto, pobre, seco

Qual o sabor da desigualdade?

Pobre café preto seco
Rico morango batido
Sabor: desigualdade mesclada

5.6.17

Confabular (ou um manifesto Parahyba)

Em tempos em que revoluções
Se transformam em festas corriqueiras
Nossa busca pela formação
Em terra de mar de beiras
São armas de luta

Só nos resta confabular
Ir além mar
Conquistar os mundos
Pedir a cabeça de tantos imundos

Vamos confabular em todos os tempos
E espaços
Não vamos deixar nosso Centro morrer
Pois seremos o centro do nosso universo
Sem medo das balas nos nossos peitos de aço

Eu tu ele
Nós vós eles
Vamos confabular
Derrubar o ressurgimento do abacateiro
Não acataremos outros atos

Eu tu ele
Nós vós eles
Vamos confabular
Junho é uma criança
Que vai derrubar reis

4.5.17

Babel


Minha cidade é uma Babel
Políticos e cidadãos não se entendem
Escrevem leis que só ficam no papel

Minha cidade é uma Babel
Professores e alunos não se entendem
Parecem crianças no carrossel

Minha cidade é feita de Torres
Toletes empilhados como códigos
Em todo canto fedentina e odores

Cães, gatos, cavalos
Deixam suas marcas e seus sinais
Falam a mesma língua silenciosa

Cães, gatos, cavalos
Riscam o chão, em sinal de rebeldia
E enquanto homens, mulheres, crianças
Não se entendem
Esses seres inanimados constroem suas torres todos os dias

20.4.17

Vasto Mundo

Meu pai com Alzheimer
No alento da sua lucidez
Ao ver as cenas bélicas na TV:

Meu filho, ao longo dos meus 78 anos
Não houve um dia em que o mundo
não estivesse em guerra

Que o digam pai
As crianças em carne viva
Bombardeadas
Queimadas com armas químicas
O menino refugiado afogado
As cenas tristes em preto e branco
A Rosa de Hiroshima

O mundo esquálido
Sem rima
O mundo beligerante de Bush Bush Bush
E seus fanáticos sucessores
Bombas incendiando caveiras
Bush Bush Bush
Bombas promovendo coveiros
Bush Bush Bush
Não há saídas de emergência
Apenas bombas
Bush Bush Bush Bush

Entre os escombros
À direita
Urnas conservadoras
Explicações rarefeitas
Silogismos carentes de causa-efeito

Nas cabeças ocas
Pululam soluções rápidas
Bush Bush Bush
E assim se esvai a humanidade...

5.4.17

Vida Líquida

Para Baumann

A informação está muito diluída
(intervalos são mais ricos que o noticiário)

O leite está muito diluído
(coloquem água, já diziam os milicos de outrora)

A vida está muito diluída
Escorre fluída
facilmente pelo ralo

30.1.17

Tropicana

Hotel Tropicana

Aqui almocei com meus avós, pais, irmã, tios e primos na década de 1980.

Por ironia do destino, 30 anos depois, adentrei no antigo hotel Tropicana já como Ocupação do Tijolonho Vermelho.

 Convivi com algumas famílias, brinquei com as crianças, formamos até uma turma de alfabetização de Jovens e Adultos.

Vi cenas impactantes na época das chuvas. O cheiro da falta de condições sanitárias vai ficar comigo para o resto da vida. Assim como a luta de um povo por direitos básicos.

 O Tijolinho Vermelho foi a maior lição que já tive na vida, a maior escola e o maior aprendizado.

Nunca vou esquecer das crianças brincando com meu filho, do cuidado e do carinho que alguns tinham com o "galeguinho".

Espero que meu filho também nunca esqueça essa experiência de vida e nunca naturalize tamanho descaso com o povo.

Tijolinho Vermelho / Hotel Tropicana

Nesta cadeira aparentemente vazia
Muitas pessoas escreveram sua história
Elas nunca esperaram um milagre

Cansadas de ficar sentadas
Foram à luta
Sofreram com as chuvas
Sofreram sem uma ducha quente
Sem condições sanitárias

Esta cadeira vazia
Conta muitas histórias
De muitos meninos
e meninas
Que brincavam no Ponto Cem Réis
No Pavilhão do Chá
Na Praça dos Três Poderes

Podres Poderes
Que não querem dar dignidade às pessoas
famintas

Poderes de vestes sujas
Que nunca precisaram jogar suas fezes
Do alto do Hotel Tropicana
Pela simples falta de um vaso sanitário

Podres Poderes
Jogam suas excrementos na cara do povo

Para além da soberba do Tribunal de Justiça
Do Palácio do Governo
Ou da Assembleia Legislativa
Homens e mulheres teimam em escrever sua história

Nesta cadeira sentaram iletrados
Mais dignos do que àqueles sentados nas cadeiras imundas da Praça dos Três Poderes

22.1.17

Patético

Uso desculpas esfarrapadas
O tempo todo
Nos meus deslizes
Nos meus equívocos

Até nos sonhos que invoco

As desculpas e meus farrapos
São traços
São desvios de conduta

São fugas
Para tentar apagar as minhas rugas

São meus escritos sem métrica
São frases sem pé nem cabeça
São desvios éticos

Uso desculpas esfarrapadas por tudo
Até por motivos patéticos

16.1.17

Insônia literária


Meia noite. É preciso escrever.
Mudo o horário. Mudo o computador. Mudo a posição.
O texto continua mudo.

Lá fora cobradores rangem os dentes. São prazos implacáveis alvoroçando minha falta de inspiração.

Minha mãe inicia a sinfonia dos pires e talheres às cinco da manhã. Anuncia o café forte e o alarido diuturno.
São vozes que cercam e agonizam o teclado até o por do dia.


Procuro refúgios, Thomas Mann,
qualquer mágica que digite freneticamente todo o texto que está contido na cabeça.

São apenas velhos truques e desejos frenéticos. Parar tudo e ler um romance. Ou uma tragédia grega.

Outrora marco um mergulho no mar. Catatonia vespertina. Delírios corriqueiros na Praia de Coqueirinho.

Os trinta dias correram pelo ralo. A ampulheta do tempo está cheia de ar...

Na linha de chegada estão todos. Maridos, mulheres, filhos, minha mãe com o pires na mão, meu pai na torcida por qualquer resultado, o futuro e o carnaval. O verdugo de minha sorte sorri para mim.

Meio dia. O texto ainda me espera neste quarto quente e repleto de passado. Parece que todos me olham, esperam por mim. Os doutores, os sobrinhos, desconhecidos de Shanghai, quase toda a família. O mundo inteiro está aqui à espera das duzentas páginas inexistentes e retorquidas.

O texto sabe imolar o sujeito. Sacrifica inocentes. Refluxos e mais refluxos, arrependimentos, lembranças das rotas alteradas, caminhos de fuga.

O texto não espera poemas, não coaduna com correntes literárias, não aceita jocosidades.
Ao contrário, é burocrático, infame, prolixo.


Assassino de poetas primários lacônicos, o texto há de cumprir o seu ideal.

2.1.17

2017

Em ano ímpar
pares tudo

Gula

(para o poeta sujo)

Em casa de Ferreira
Espeto de poema