18.12.15
29.11.15
27.11.15
26.11.15
3.11.15
Futebol
Fui dormir pensando na "voadora" que meu filho levou de uma outra criança.
Ernesto adora futebol, e mesmo numa pracinha, sem espaço para a prática futebolística, é inevitável improvisar travinhas e times. Sem conhecer ninguém, basta colocar sua surrada bola de vôlei de praia para correr praça a fora que começam a chegar os novos amigos interessados num joguinho de futebol com bolas e espaços inusitados.
Dois meninos se aproximaram, um pequeno demais para os cinco anos de Ernesto, outro grande demais. Com o pequenino ele brincou de ser o dono da bola, correr praça inteira e não perder o controle da brincadeira. Quando o menino mais velho entrou na roda foi com o sentimento do violento esporte bretão. Entradas maldosas, ar competitivo e jogadas agressivas, incompatíveis com a idade daqueles que só viam prazer naquela prática espontânea.
Eu deveria ter encerrado a brincadeira no primeiro round. Não o fiz, e as consequências foram a queda no chão duro, o arranhão e o choro.
É o futebol, desde a tenra idade, mostrando a rudeza das nossas relações sociais.
25.10.15
Escrito denegrido
Hoje eu me sinto tão negro
Orgulho da cor, do nariz,
do tamanho do meu cabedal
Orgulho de compartilhar escritos
De me sentir Zumbi
na resistência à elite colonial branca
Hoje eu me sinto tão negro
Mesmo que a elite exponha suas propagandas arianas
Mesmo que digam que o meu é bom
Em detrimento a um cabelo que teimam adjetivar de ruim
Meus beiços, meus beijos
Meus sentimentos negros
Dos meus antepassados
Da minha bissavó que não foi capitã
de Areia
Para da Costa (ou Camarada Yuri)
Não para da Costa
Para costa antes do naufrágio
Tantos ratos neste porão
Tantos vazios nestas costas
Submersos nossos sentimentos
Não permitiremos que nos afoguem
Para a costa!
Homens e mulheres à vista
De longe em longe
Como em Terra dos Homens
Um diria veremos a costa
Límpida, fagueira e resplendente
Para isso é preciso repetir,
sempre e sempre:
Não para da Costa!
21.10.15
Professor Jó
Terça, três da madrugada. Acordo depois de um pesadelo. Uma sala de aula, alunos procurando intrigas e blasfêmias. Tentativas frequentes de estratégias para desestabilizar o professor. Conversas paralelas, caras e bocas. Tocaias para provocar o erro. Ar sarcástico, ironias, desamor.
Acordo ofegante e passo a escutar o alarme do relógio hora após hora, até as seis da manhã.
Começa o dia. Uma rotina que se prolonga por longos dezoito anos.
A última vivência, sempre taxo como a mais dolorosa experiência do magistério que enfrentei. Meus neurônios não suportam, fustigados pelo tempo.
Um equívoco qualquer é inevitável apesar das longas horas de preparação e leituras prévias.
O pesadelo era a antevisão, a aula a realidade.
Seres inacabados, de sentimentos inexplicáveis, transformam o déjà vu em tormenta concreta.
Próxima terça, enfrentarei um novo colisseu de leões sedentos que irão se revezar até dezembro - ou até eu parar de oferecer minha carne de Jó.
16.10.15
Em terra de mudo
Olho para dentro
De olho no furacão
O olho da tempestade
Olha para mim
Com olhos de fúria
Não confundo alhos com bugalhos
Todos os olhos
Olham para mim
E enxergam muito bem
15.10.15
Ano tosco
Escorre pelo funil ano tosco
Enforca-te com tua própria gravata
Leva contigo uma lesão de menisco
O verdugo que te pariu
E as reminiscências que afligem minha cabeça
Oh ano tosco
Lembre-me de brindar o janeiro
De ludibriar teu sucessor
Para esquecer as sequelas passadas
Durma em paz ano tosco
Sem processos, joelhos, cartas passionais ou diretores infames
Anayde
Vim ao teu encontro apenas para dizer:
Não sintas culpa por essa carranca enterrada no centro da capital paraibana.
Já temos certeza que são esses restos mortais (liberais) que emperram toda e qualquer possibilidade desta terra do Norte encontrar o desenvolvimento.
Não foram tuas cartas, tua dor, tua paixão ou tua liberdade que entravaram o desiderato desse povo do Norte.
Esses ossos infrutíferos e essa história mal contada precisam ser cremadas e jogadas em alto mar!
Anayde, precisas contar tudo o que sabes. Precisas expurgar esse doce veneno, fazer explodir essa paixão pela vida, resplandecer esse tomar de conta do teu destino.
Livra-nos desse vermelho e preto.
Voo Pedagógico
Depois de quase vinte anos no magistério
Virei um professor rai-teque
Quase todos alunos passam a aula cabisbaixos
De olho no uatizape ou feicebuque
Quase todos nem na biblioteca foram
Pegar os livros que encomendei para a leitura coletiva
Quase todos acham por demais
Alguns exemplos que dou:
Nunca chegar atrasado
Nunca faltar
Sempre valorizar a hora-aula
Sou um professor moderno
Diálogos em círculo
Lutando contra o fim das metanarrativas
da teoria pós-moderna
[E dos bocejos discentes]
Parece que prego no deserto
Parece que o desapego chegou aos livros, ao papel, à escrita cuneiforme
Sou um professor moderno
Compro os jornais dominicais para ler com meu alunos
Que parecem estranhar aquele papel cinza
Em forma de tablóide
Durante anos vi professores cansados
Cabelos pretos ou grisalhos
Jurei nunca me abater
Mas, às vezes, fico com a sensação
De ter sido abatido
Em pleno voo pedagógico
14.10.15
Gelatina Geral
Eu pensava que dentro de mim
Havia um Sartre
Sem idade, sem razão, sem Simone
Descobri que dentro de mim
Habita uma gelatina
Sem sabor, sem cor
Insípida, inodora, estúpida
Dentro de mim
Apenas escarlatina
E um jogo de sete erros
6.10.15
Sobrevivência
Falo, falo, falo
Repito
Entre as enormes dimensões de teu ego
Tento esquecer as conversas truncadas
As informações desconexas
O amor demodê
As usurpações passadas
Resta-me essa fala, calada
Falo, falo, falo
O meu silêncio em ação
Para um observador desatento
Pura arrogância, prepotência
Sexismo exacerbado
Para mim desconjuntura
Dedo em riste
Sobrevivência
29.7.15
Mi Menor
Amanheceu liberto
Livre das amarras
Da produção fabril
Da exploração comercial
Amanheceu liberto
Sem ponto
Sem dores
Sem mais valores
Escolheu a liberdade do sistema
A liberdade de passar fome
A liberdade de estar desempregado
De não mais gerar riqueza
Não mais valor
Não mais alienação
Escolheu inclusive o tempo de partir
Antes de esquecer de si
Neste longo inverno
Em mi menor
25.6.15
Escolas
Esses meninos enjaulados
Enclausurados em meio turno
Sem direito ao banho de sol
Como vou dizer aos alunos
que não gritem
Se quero que eles abram o berreiro
Como vou dizer aos alunos
que não batam
Se precisam se proteger da polícia
Como vou dizer aos alunos
que não quebrem essas algemas
da pobreza, da indiferença e da miséria
humana
Como vou dizer aos alunos
- Chega de violência!
Se o prefeito, o governador, o juiz e o policial
agem em nome de um Estado truculento
Meus alunos têm cáries, manchas na pele, fome, sabem muito bem onde dorme o inimigo e quem são os sujeitos omissos.
Por isso, as escolas têm grades.
Vestibular
Escrevo porque sonho ver poemas
se transformarem em alternativas no vestibular
Caso não entendas o poema
marque a letra c
Já dizia a bizurada
Quero, com gosto, responder a questão
sem ter acesso ao gabarito
Ter a certeza que não me compreendo
ao errar tão simples enunciado
Tempos sombrios, poemas inúteis viram questões de múltipla escolha
E a vida segue sem muitas escolhas
Acorde
Eu já sabia, eu já sabia
Não adiantaria voltar a terra onde foi enterrado meu umbigo
Isso não me fazeria viver
Isso não me fazeria lutar
Continuo à beira desta cova rasa
De prenome solidão
Aqui jaz
Guitarra, granada, canhão
Lembro que desde menino
Tento tocar Vandré no violão
E não consigo passar de três acordes
E o mundo [quase] todo parece adormecido
Acorde, acorde, acorde!
40
Sempre corri contra o tempo
Desejei mil revoluções por minuto
Pois sabia que um dia faria quarenta
Hoje, velho e cansado, leio o jornal de pantufas
Cada página do tabloide escorre sangue da violência doméstica
que domestica lares e enclausura sujeitos
Mesmo soterrado pelo alzheimer
Não esqueço do quanto era bom
imaginar a bancarrota do sistema
Hoje sou um resto do nada
Uma crônica do sucesso às avessas
O sonho de um pobreza desvairada
Um descontrole inepto das sinapses nervosas
Às vezes surto, acordo revolucionário
Basta anoitecer para as estrelas iluminarem as limitações
Não mais verei transformações radicais
Às vezes surto, acredito piamente nas multidões
Basta amanhecer para acordar isolado
triste, desolado
Nem o chuveiro elétrico dou conta
muito menos James Joyce
Cada página que leio, um vazio
Cada página da vida, revirada
O medo da morte transfigura-se
Torna-se doce deleite
A vida apenas um tempo
passado
18.6.15
Rico
Quero morrer rico
Soterrado pelas miudezas
Ou afogado no pacífico
Quero morrer rico
Enlaçado pelo pescoço
Em carne e osso
Quero morrer rico
milionário
Um milhão de amigos
E sem um tostão no sistema bancário
5.6.15
4.6.15
Relâmpago
Foi um professor relâmpago. Chegou sorrateiro na escola e sumiu num piscar de olhos. Começou o ano, ministrou poucas aulas, enfrentou uma greve, retornou para a sala de aula e desapareceu. Alguns dizem que foi por causa do joelho que, de fato, torceu durante uma das aulas práticas. Rumores afirmam que seu nome estava num dossiê elaborado pela secretaria de educação. Falam que um tal conselho desejava sua demissão, já que ele se recusava a pagar a anuidade. As más línguas reiteram que o presidente pelego do sindicato estava pedindo sua cabeça numa bandeja de prata. Relatam também que a esquerda do magistério prefereria ele longe das disputas internas para não embolar as já tumultuadas eleições sindicais. Outros encontraram o caderno de trabalho com rabiscos de poemas e músicas melosas da Legião, imaginaram uma depressão de origem passional que afetou sua capacidade laboral. Falaram até em partido, guerrilha, revolução e terrorismo, mas não entendemos muito bem. Nunca saberemos, simplesmente se foi e nunca mais apareceu. Foi apenas mais um professor...
Silêncio
És um silêncio lindo
Mudo de ares
Pinto aquarelas
Digo besteiras
Teu cabelo combina com a primavera
Sentinela bastarda da efusão de cores
Vermelho, verde, azul, amarelo
Misturo tudo em paletas
Rompo a lógica do arco íris
Bem mais que sete cores
Teu silêncio é um sopro de beleza
Tua cor alva
Teus olhos vivos
A voz adormecida e adocicada
Faço esforços para fluir conversas
Para que?
Basta o silêncio, o cheiro, o cio
E por último uma taça de lágrimas
cheia de saudades
1.6.15
Labirinto
14.5.15
Mimo
Sumimos neste quadro grotesco
De janelas cerradas
De grades e cercas
De gente enclausurada
Para tanto, só mimos
Sobrevivido
Tenho sobrevivido aos abalos vívidos
Dos tremores sísmicos
Da escala ríspida
Tenho sobrevivido sem bares nem ares
Aos apelos do iogurte de sabor fenomenal
Em potes de uma vida insossa
Tenho sobrevivido aos rumores enlatados
Dos amores infiltrados
Com prazos recursais indeferidos
Tenho sobrevivido ao tempo
Aos espasmos midiáticos, à crítica teatral
As peças pregadas pela vida
Tenho sobrevivido especialmente
A esses restos de homens
A esses pratos de ontem
A esse ofício sem rumo
A essa noite sem fim
5.5.15
Sobrevivência escolar
Era apenas meu aluno, um cavalo e uma carroça
cheia de papelão
O ganha pão de um menino transformado em homem
Era apenas um aluno, distorção idade-ano
estudava no quarto ano fundamental
Era apenas um aluno
quinze anos
Ensinando o fundamental da vida
[a sobrevivência]
Na falta da infância
das letras
da família
da comida
Seguia roto nos descaminhos da vida
Gritou por mim: - professor!
Lembrei do dia em que pediu para repetir o suco
Poucas goiabas naquela merenda esquálida
E teve como resposta uma negativa seca
Tão esvaziada quanto seu estômago
Era mais um aluno que ensaiava durante as aulas
Capoeira, mata-leão, golpes afins
Com o objetivo de combater o aparelho repressivo
Não me caberia repreendê-lo
tornei-me seu discípulo
nesse árdua batalha pela sobrevivência
18.4.15
4.4.15
Exoneração
Não bebo
Não fumo
Só transo com camisinha do SUS
No almoço, ovo com cuscuz
[orgânico]
Carro velho quitado
Casa do Vovô
Com teto, telhado e sem dívidas
Não paro em bares
Mergulho de graça
No profundo azul do mar
Tuas ameaças não abalam
Meus ideais
Não sofro do fetiche da mercadoria
"Exonere-me covarde
Você vai demitir apenas um homem!"
26.3.15
Régua
11.3.15
Refeito
Às vezes esqueço quem sou
O que fiz
O que sonhei
Aguardo o tempo bom para plantar
Aro mais uma vez a terra
Jogo sementes para o ar
Espero as águas de março
E recomeço a germinar
8.3.15
Escola-Presídio
Quando vejo uma escola-presídio
Lembro da minha infância com parquinho
Banho de sol e quadra esportiva
Mesmo com tantas regalias não passei incólume
A escola deixou marcas, edemas e traumas
Penso nas crianças da escola-presídio
Sem direito a intervalo
Dez minutos para engolir a merenda
Liberdade condicional às onze e ponto
Depois de uma manhã de trabalhos forçados
Em cubículos opacos
Ao lado da escola um presídio para adultos
Dedo em riste, o recado dado
"se não for um bom menino..."
A escola-presídio é uma incongruência da arquitetura educacional
É o dedo podre do Estado, carcomido,
Que aponta com firmeza para o caos
Ao lado crescem casebres, escabioses e cáries
Sorrisos e infâncias perfurados pelo descaso social
Urge a revolta, às vezes debelada pela escola,
Dizer em uníssono: libertem nossas crianças!
6.3.15
Classificados
Ofertas
Urgente. Ofereço-me para ler livros, horário comercial e não comercial, folgas quinzenais, salário a combinar, dedicação exclusiva.
4.3.15
Epifitismo ou A terceira capa do livro
24.2.15
Encomenda
Não escrevo por encomenda
A poesia para mim é como um raio
Incerto, catastrófico
Às vezes fatal
A poesia para mim é beligerante
Uma luta constante
Entre o que desejo e o real concreto
Não imagino poesias em livros
Com direitos reservados ao autor
Se não correm soltas
Se não podem ser modificadas
São prisões afônicas
Nunca poesias libertárias
18.1.15
Estrada
Levará sonhos carregados em mochilas
Paragens amarelas
Paisagens e amores
Caminhos que clamam por mudanças
Vai filho grita nessa tempestade
Ressoa que é preciso prosseguir
E que seja verde enquanto dure