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30.3.09

Crítica Literária

O enfadonho desejo de ser um escritor
Jornal Primeira Página - Março de 2009

Tenho acompanhado os escritos do Lauro Xavier, seja por meio das mensagens enviadas por correio eletrônico, seja no blog do pretenso escritor.
Desta vez resolvi que minha coluna semanal trouxesse uma crítica literária ao trabalho do jovem. Sei o quanto é difícil escrever crônicas e poemas neste momento histórico onde meio mundo possui páginas na internet e acesso imediato às informações.
Mas qualquer tentativa de escrever um poema ou texto deve estar crivada por um processo que remeta o mínimo de coerência e qualidade. Caso contrário qualquer um pode se achar um Fernando Pessoa ou mesmo a Clarice Lispector. Parece-me que o Lauro Xavier bebe da água desta última escritora ao ponto dos seus últimos escritos perderem, totalmente, sua identidade.
Este é o risco que corre os jovens escritores. Parece que lhes falta pensar numa literatura de vanguarda, com marcas próprias e bem alicerçadas no tempo histórico.
Outro grande problema é a diversidade na narrativa. Os textos no blog aparentam ser uma coletânea surgida de um encontro juvenil de literatura e financiada por uma instituição de caridade de jovens infratores. Tem-se de tudo, uma salada de frutas não comestível e de sabor amargo.
Eu poderia até ser mais radical e, digamos, conservador. Afirmar que falta métrica e rima, bom-gosto e desejo e ao menos uma função teleológica no trabalho do jovem imberbe poeticamente.
De fato falta tato para o trato com a poesia (trocadilho imperdoável), mas este é o risco de querer escrever e divulgar os trabalhos. Fico à vontade para escrever estas linhas, pois o próprio "poeta" solicita, num dos seus poemas, uma crítica diária e necessária para poder construir sua autocrítica.
Pedido feito, análise realizada - tais escritos não poderiam passar incólumes.

Frederico Linho
30 de março de 2009

24.3.09

a descoberta do mundo (II)

Estava deitado, cercado pelos travesseiros. O quarto naquele momento era seu quartel-general, refúgio das perguntas indóceis e frequentes do seu pai.
Mas aquela trincheira vulnerável, apesar de deixar claro o desejo da solidão, permitia o avanço das questões que por anos o atormentava.
Subitamente a figura do pai escapava pelas lacunas indefesas do quarto e apresentava-se em forma de perguntas difíceis de respostas.
- Meu filho, onde está a namorada?
Realmente o que responder aos 17 anos? O primeiro desejo é aquele incontido de penetrar na mente do pai e observar que, no fundo, o que incomodava na ausência do par feminino nada mais era do que a imagem dolorosa de ter um filho homossexual.
O segundo desejo era poder vociferar para o pai temeroso, que nada daquilo era certo. Que as longas horas atracado com o travesseiro entre beijos e gemidos fantasiosos, representavam a louca vontade de estar sendo correspondido por aquela menina magra, de pele clara, de sorriso espontâneo e longas pernas.
Amava plenamente aquela magricela e infelizmente não era correspondido. Quase dois anos de declarações, de poemas escritos em letra ininteligível, formatos obscuros de garrancho e tentativas frustradas de beijá-la. Desejava infinitamente convidá-la para ir a sua casa e poder apresentá-la como a pessoa amada.
Mas, invariavelmente, todas as artimanhas idílicas fracassaram. O pior era não saber o motivo da não correspondência amorosa. Buscava diuturnamente respostas para aquele naufrágio sentimental.
Pensava na falta de maturidade ou na não equivalência da condição social. Talvez fosse o perfume equivocado ou a timidez excessiva.
Nada disso o convencia, pois outros garotos mais imaturos e bem menos cheirosos conseguiram beijar aquela boca carnuda e sempre laboriosamente falante.
Certa vez, durante uma daquelas confraternizações juvenis, foi flagrado por um flash focando seu perfil. Curioso teve acesso à foto da máquina do amigo. Aquela imagem reformularia todos os seus conceitos estéticos e enterraria os fantasmas que o cercavam.
Correu para casa, para o quarto de sua irmã. Tirou o grande espelho da parede, peça emblemática da vaidade feminina e correu para o banheiro. Desejava ver-se de perfil no jogo de dois espelhos. Até então não tinha idéia dos estragos da acne em seu rosto. Porém, esta não seria a descoberta avassaladora. Descobrir seu perfil e tomar ojeriza daquela imagem justificava de pronto toda aquela aversão da jovem magricela. Agora não mais creditava o insucesso com as garotas a um despreparo amoroso. E o pior, o motivo precípuo era irremediável.

canção de retorno

incrédulos desejos
estocados de passado
sucumbidos em boa-hora
delimitados pela consciência
desejo interminável de ouvir uma
história que pudesse reverberar num

final feliz

soluços, soluços
devaneios e ilusões
presas fáceis de impulsos
de sentimentos casados
e momentaneamente
inseparáveis

apenas mais uma história
entre tantas que já ouvi?

ao contrário, a mais longa
viagem insólita
pelos labirintos
insuspeitos de uma lágrima
intensamente derramada

chora copiosamente a verdade
enclausurada
amargada
e pacientemente construída

flui a vida glamourosamente
decepada
porém vivida no limiar
intangível de um duplo
ressoar

entre o risco da morte
e o não querer sobreviver
é melhor atirar-se no rochedo
e respirar profundamente apenas
por um segundo

vida plena,
magoada,
maltratada,
mas vivida intensamente

22.3.09

dois mundos

vivo dois mundos
um na capital
outro no interior

dois colchões
duas escovas
duas havaianas

dois mundos
dentro de mim mesmo
dois sentimentos

um na semana
outro no fim-de-semana
vivo na estrada

vivo na zona rural
na urbana
no político
no espaço sideral

vivo nos mundos
tentando não ser mudo
vivo perseguindo outro
mundo

mundo altruísta
mais honesto
mais coletivo
vivo no meu sonho

sonho de dois mundos...

15.3.09

sede de que mesmo?

sede de uma escola
com computadores
internet
cadeiras para sentar

sede de uma professora
bem remunerada
com formação continuada
com salário digno

sede de pessoas
que compreendam
esta situação
que deixem de lado
seus umbigos

sede de trabalho
para meus pais
agricultores
sem a terça
parte para dividir

sede de mais copos
onde eu possa beber água
copos azuis, amarelos, vermelhos
copos limpos
sonhos doces

sede de água tratada
em abundância
de filtros eficazes
de velas limpas
para que eu possa içar meus sonhos

sede de lazer
de ser criança
de correr, saltar, gritar
de poder ser escutado
de poder escutar

sede de médico
enfermeiro
dentista
chiclete
pipa

sede de virar o jogo
compreender o mundo
ter liberdade
derrubar os muros
de viver intensamente

"Você tem sede de que?"

Aluno da Escola Municipal Francisco Simões (Sítio Retiro dos Simões - Cuité-PB). Este aluno estuda numa escola multisseriada (do Pré ao 2o ano). A professora mora na zona urbana de Cuité e todo dia segue de pau-de-arara para a escola, saindo às 04h30 da manhã.