Páginas

26.3.15

Régua



Do lado esquerdo do zero
Existe o menos um
Menos dez
Menos mil
[infinitamente]

Quem apenas começou do zero
Nunca vai compreender o regozijo
[e a dor]
De recomeçar do menos cinco mil e um

11.3.15

Refeito

Às vezes esqueço quem sou
O que fiz
O que sonhei

Aguardo o tempo bom para plantar
Aro mais uma vez a terra
Jogo sementes para o ar
Espero as águas de março
E recomeço a germinar

8.3.15

Escola-Presídio

Quando vejo uma escola-presídio
Lembro da minha infância com parquinho
Banho de sol e quadra esportiva

Mesmo com tantas regalias não passei incólume
A escola deixou marcas, edemas e traumas

Penso nas crianças da escola-presídio
Sem direito a intervalo
Dez minutos para engolir a merenda

Liberdade condicional às onze e ponto
Depois de uma manhã de trabalhos forçados
Em cubículos opacos

Ao lado da escola um presídio para adultos
Dedo em riste, o recado dado
"se não for um bom menino..."

A escola-presídio é uma incongruência da arquitetura educacional
É o dedo podre do Estado, carcomido,
Que aponta com firmeza para o caos

Ao lado crescem casebres, escabioses e cáries
Sorrisos e infâncias perfurados pelo descaso social

Urge a revolta, às vezes debelada pela escola,
Dizer em uníssono: libertem nossas crianças!

6.3.15

Classificados

Ofertas

Urgente. Ofereço-me para ler livros, horário comercial e não comercial, folgas quinzenais, salário a combinar, dedicação exclusiva.

4.3.15

Epifitismo ou A terceira capa do livro



(Para Engels e Guimarães Rosa)

Enraizado naquele lar saudoso
Emaranhou-se na terceira capa do livro

Na celulose dos romances, contos e poemas
Realizou o epífito com precisão
Meio homem, meio vegetal
Sem necessidades históricas, nem fisiológicas

Cumpriu com primazia o desfecho da ação política
O papel da transformação do macaco em homem
O papel da transformação do homem em literatura
Seu último e eterno prazer contumaz