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25.10.21

Ontem

 Ontem uma criança de seis anos me pediu dinheiro no sinal


Ontem vi a oferta de uma carro por trezentos mil


A criança não soube me dizer o nome da escola que estudava


Eu não sei dizer a marca do carro


Isso foi ontem, apenas ontem...

Sessenta mil

 Sessenta mil mortos


Crianças, mulheres, idosos, civis


Sessenta mil mortos


Nunca esqueceremos


Sessenta mil mortos


Seis de agosto de 1945


Sessenta mil mortos


Bebês no colo, alguns amamentando


Sessenta mil mortos


Trabalhadores, assalariados, pessoas comuns


Sessenta mil mortos


Incinerados num raio de quinhentos metros


Sessenta mil mortos


Alguém venceu esta guerra?


Sessenta mil mortos


O Tio Sam te envia condolências tardias...


Sessenta mil mortos

8.7.21

Manifesto poético

 Minha inspiração poética é fruto do desprezo das paixões


São as cartas de amor que escrevi e logo tombaram nos tambores de lixo


Minha inspiração poética é fruto da febre do rato que roeu as cartas de amor


É a febre de 40 nos verões dos anos 90'


Minha inspiraçã poética é a melancolia do Drummond


É o homem que também chora do Gonzaga Júnior


É o drama do pequeno burguês da idade da razão do Jean-Paul Sartre


Minha inspiração poética é o ônibus que quase-me-atirei numa desilusão amorosa


É a placa de pare dizendo: não morra


É o cigarro que nunca fumei


É a canção que nunca escrevi


São os poemas que nunca foram lidos


E aguardam a crítica roedora dos ratos

17.6.21

Contas a pagar

 De repente descobri que a crise dos mísseis

foi apenas um devaneio do meu interior cubano


Que a pinta do Gorbachev

era apenas as marcas das lições diárias


Descobri que Chernobyl e o Cesio 137 são tormentas minhas pois ainda chove e chove e chove


As bombas do Bush, do Clinton e do Obama representam bem mais que o Nobel da Paz


Que pra mim não faz sentido, nem aqui na Praça dos Bancários nem na Praça Celestial


A Guerra dos mil anos, Malês, Mascates, Balaiada, sabe nada...


Nada disso posso ver, a revolução não bateu à minha porta


IrãIraqueAfeganistãoKuait só me interessa chegar ao fim do dia e alimentar meus filhos e o cão que late


Metanarrativa é o Galvão narrando o gol do Neymar


Não é o petróleo, o aumento das commodities, a Revolução Russa ou morto mar


Só sei que no fim do mês tenho contas a pagar

9.6.21

ho4as

Quatro horas é o meu horário favorito

Tem cheiro de menino moleque jogando bola

de tarefa de casa terminada


A brisa do oceano chega com toda força

Anuncia o lado lúdico da vida

Quatro horas tem cheiro de mar

que dá para sentir no sertão


É a hora que encho meus pulmões de ar


Quatro horas é o meu horário preferido

É o meu pronome possessivo temporal

É o cheiro de pão quente, bola rolando, pipa voando


Quatro horas é mais que uma convenção

Não há rotação ou translação que explique

É quando me descubro vivo


(Conta-me em segredo, às quatro, se teu horário existe e eu te direi quem és...)

Alimento

Vou passar o dia alimentando meu lado Buda

Para te mostrar a paz de espírito que carrego em mim


Vou passar o dia alimentando meu lado Marx

Para te mostrar o quanto quero ver um novo mundo pela janela


Vou passar o dia alimentando meu lado Frida

Para te mostrar a liberdade que transpira


Vou passar o dia alimentando meu lado "passarinho"

Para te mostrar minha poesia


Enquanto houver tempo eles não "passarão"


Mas não há tempo, não há mais poetas de sete faces


Apenas encruzilhadas em tabuleiros de xadrez

Thank you

Quando Hiroshima explodir na minha porta

Quando rufarem os tambores da selva

Quando a chuva ácida molhar o meu tapete


Não me procure em qualquer caixa postal

Estarei limpando minha relva

Tomando banho numa piscina cheia de ratos

Escrevendo canções de amor


E mesmo que o cogumelo atômico anuncie que é o fim de tudo

Vou continuar apaixonado como Dido cantando Thank You


E assim, por todo sempre, amanhecerei contigo,

em gestos, palavras e omissões


E assim, por todo sempre,

serei sopro, velas e orações...



"E esta é uma canção de amor...

E esta é uma canção de amor...

E esta é uma canção de amor..."


https://youtu.be/1TO48Cnl66w

22.4.21

Genocidas

Não vamos esperar secar o sangue quente das vidas despedaçadas

Vamos justiçar cada lágrima rolada

Vamos guilhotinar cada déspota não esclarecido


Vamos vingar cada partida precoce

Quatrocentos, quinhentos mil?

Não são números

Ely, Assis, Milton, 

Seus algozes serão julgados


Queremos a cabeça do rei Ubu

Antes que o sangue quente seque

Queremos guilhotinas na Praça da Paz

Asseclas, assessores, defensores

Não queremos a paz dos túmulos

Queremos a cabeça jaz

13.4.21

Réquiem para Assis

Repouso eterno para quem me ensinou os primeiros acordes


Repouso para quem me ensinou Vandré

Para quem cortava minhas unhas numa atitude paterna de ser

Para quem brincou comigo nas horas vagas

Para quem me ajudou na atividade de casa

com a maestria dos seus traços perfeitos

Era mais que uma clave de sol

era uma obra de arte


Era mais que um professor dedicado de violão

Era nossa diversão duas vezes por semana

Era mais que um músico

era um ser humano sonoro


Pra não dizer que não falei do Assis

Não houve espera para o amigo

Houve quem não soube fazer acontecer

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ASSIS: UM SER HUMANO SONORO

Bartyra Soares

  

Assis "era mais que uma clave de sol".

Era o próprio sol das claras manhãs,

quando seu violão trinava nas suas mãos

e mesmo quando surgiam dias nublados

a chuva não embargava sua voz.

 

 

Sim, Assis era mais que uma "clave de sol".

Era a correnteza de um rio de águas

cantantes, afinadas, de rumo certo.

Levava nos tons canções de tantos versos

de paz, de amor, de sonhos, da vida.

 

Sim, Assis "era mais que uma clave de sol".

Hoje seu violão é uma estrela a mais

a tocar  no espaço, talvez sobre o mar,

porque ele sempre será "um ser humano sonoro.".

Não é por cento e poucos reais... é por dignidade

 Não é por cento e poucos reais... é por dignidade


*Frederico Linho


Dignidade, “qualidade moral que infunde respeito, consciência do próprio valor”. Não há dúvida que os professores neste país procuram tornar a palavra dignidade em algo concreto, labutam diariamente pela formação de gerações na esperança de dias melhores. Não há caminho sem a presença dos professores, não há caminho sem professores de cabeça erguida, dignos do seu trabalho.

Há quem pense que a labuta é apenas em sala de aula, porém, a luta diária por dignidade ultrapassa o espaço escolar e se configura numa batalha encarniçada por melhores condições de trabalho. Parece uma cantilena, uma narrativa monótona, deliberadamente repetida com o intuito de adormecer os trabalhadores em educação. Mas não há cansaço quando a luta é por dignidade.

É indigno desprezar o trabalho de formação de um professor, é indigno rebaixar sua formação à patamares inferiores aos anos de estudos e dedicação. Sim, acreditem, professores passam anos na universidade, assim como médicos, engenheiros e advogados. Não à toa o Plano Nacional de Educação, em sua Meta 17, precisou gritar: “valorizar os (as) profissionais do magistério das redes públicas de educação básica de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos (as) demais profissionais com escolaridade equivalente”.

É inimaginável pensar que um professor formado em nível superior seja enquadrado numa carreira inferior à sua formação. É inimaginável pensar que um professor com pós-graduação tenha que amargar três anos sem poder receber proventos equivalentes a seus esforços acadêmicos. Esta última maldade está referendada em vários Planos de Carreira, a primeira maldade está sendo articulada em algumas redes municipais de ensino sem respaldo jurídico.

A tal propalada valorização do magistério não pode ser uma frase bonita num Plano de Carreira, tem que ser ação efetiva, mesmo que isso garanta cento e poucos reais a mais no bolso do professor. Cento e poucos reais é o que separa um professor formado em nível médio (Magistério) de um professor formado em nível superior. Mas não é, apenas, por cento e poucos reais, é por dignidade. Dignidade para ser valorizado enquanto professor, enquanto sujeito histórico que passou anos estudando e que não merece ser humilhado e rebaixado por ações equivocadas de gestores de plantão.


Não é por cento e poucos reais, é por dignidade.

25.3.21

O silêncio da pedra

 (para João Cabral de Melo Neto)



O silêncio da não-poesia

me devora


Palavras não chegam


ao contrário


c   o   r   r   e   m


Fogem de mim


Em vão suplico


oro


presto atenção nas músicas

leio poemas

masturbo livros


Não há gozo


só o silêncio vazio da não-poesia