13.12.16
10.12.16
4.12.16
Seca
Pela indústria da seca
em pleno século XXI
Pelo céu escarlate
Pela cachorra Baleia
que não chora nem late
Oremos
Como os gravetos secos
de olhos fundos
e chão ardente
Brindemos
com panos quentes
pela falta de tudo
com aguardente
Oremos
Por uma saída
Pela chuva rala
Pela intervenção divina
Oremos
Para que todos aqueles indignados
Com a seca alheia
Desçam de seus palanques
E venham sentir esse calor na veia
1.11.16
30.10.16
Provocações
Para Juljan Palmeira
À sombra de uma palmeira
Não descansam mentes perigosas
Subversivos sonhos
Microfones voadores
amplificando quimeras laboriosas
Metralhadoras poéticas
Agitam sábados subversivos
Encontro marcado
com Cabras Marcados para viver
Microfones vão voar
Disparos cíclicos
Serão nosso dia D
Serão cabeças no tempo
Subvertendo os segundos
Amplificando a autonomia intelectual
Não queremos respostas,
apenas provocações para fumar
Numa noite quente de luar...
27.10.16
14.10.16
My little Blue Girl
Lembro do tempo que vivia nas nuvens
Lembro do Vietnã
E dos irmãos que lá ficaram
Lembro das metanarrativas
Tempo que sabíamos quem seguir
Lembro dos cigarros que nunca fumei
Dos canais de TV que não existiam
E de alguns amigos de infância
Que até então não eram fascistas
Lembro dos domingos de praia com meus pais
Ou das tardes de cachorro quente
Numa lanchonete de esquina em Jaguaribe
Ao ouvir a Janis
Lembro como ela era feliz
Como ela era livre
feito aquelas tardes de domingo
Ouço a Janis para me libertar
Tal qual nos tempos em que não fumei
Tal qual nos tempos que eu só precisava de um telefone de linha
E uma menina magricela para ouvir por horas
Ouço a Janis para lembrar o quanto era bom
estar apaixonado por meia dúzia de amigos aventureiros
Ouço a Janis para celebrar o tempo
O tempo que desejei ser hippie
Andar estrada afora sem a menor intenção de um dia voltar para os cachorros quentes de domingo
E quando a música da Janis terminar
Estarei de volta ao tempo da subjetividade
Às músicas de baixo calão
E a falta constante de créditos para poder ligar para aquela amiga magrela
Germe
Existe um germe em plena lua cheia
Cheio de luas para orbitar
Este germe geme
Come ovo com clara e gema
Esse germe é meu tema
cotidiano
Todos os dias do ano
Este germe sou eu
É meu germe autofágico
É meu destino trágico
Este germe é o meu arrependimento
Guardado durante tempos
No meu apartamento
Em caixas verdes de departamento
Este germe é como um bicho geográfico
Que me atravessa de norte a sul
Comendo minha carne
De um cheiro atávico
Este germe me faz lembrar tão bem
Dos bons tempos de infância
Da luta de meu avô por um ramo de trem
Este germe sou eu
Ele repete
Como uma cantilena
Doce e fria
Este germe geme treme
Escreve em letras garrafais
Como se fosse tatuagem
Como se fosse o próprio Caifás
Este germe é minha coceira intermitente
Faz de tudo para estar presente
Por mais eu que tente e tente e tente e tente
Por mais que eu morda
por mais que eu mostre meus dentes
Este germe implantando
Será lavoura e colheita
Neste meu deserto tão árido
Um dia este germe
Descansará em paz
Numa saída sem muito alarido
Não terá mais quem sugar
Nem feriados chuvosos para comemorar
Nem tão pouco lágrimas para enxugar
25.9.16
Poema morto
É como mergulhar num pântano
artificial
Não corto os pulsos como o Veríssimo
Mas desejo, caro leitor
que você imagine que o autor morreu
Atolou-se nesse lodo poético movediço
Morreu sem ar
sem luz
sem isso
Morto, caro leitor
Não posso responder sobre o que escrevi
sobre quem escrevi
ou como estou me sentindo
Morri com o poema
Morri com as tentativas
Agora ele fede
Está em decomposição
Cabe a você, caro leitor
usar a imaginação
E quem sabe mantê-lo dessepulto
Ensaio sobre minha cegueira
Para poder enxergar melhor
Precisei ensaiar minha cegueira
Para poder cantar a vida melhor
Precisei ficar cego
Para compreender a cegueira do outro
Precisei estar cego
Para ver minha própria cegueira
Minha cegueira é minha condição de visão
É quase gagueira
No parlamento imundo
Minha cegueira é minha condição de estar no mundo
É poder enxergar os limites do outro
Estou cego
nada sinto
E ao mesmo tempo compreendo a visão
E sei porque minto
Estou cego e corro
E todos que enxergam
param
Doentes de poliomielite
Estou cego
E tantos que enxergam
Vêem só o pensamento da elite
Minha cegueira é como um parto
Ante o aborto das minhas convicções
soterradas num pacto
Estou
cego
surdo
mundo
E a toda hora mudo o canal
para nada ver além do ego
23.9.16
Etc
Para escrever meu poemas e sentir as vilanias
Basta ligar a TV e ver os políticos que mentem
Basta ir à feira ver os preços e orar para que não aumentem
Não preciso querer compor
deprimente
Já basta o canal que não abre a mente
Já basta a geladeira vazia
comumente
Já basta ler o jornal e ver
como mente
Já não preciso forçar a barra da dor deprimente
Basta ver o consumo rasteiro das ideias
intermitentes
Basta ver a briga interna
dos meus entes
Já não preciso saber quem sou
ou quantos dentes
Parecem visões prementes
Visões emparelhadas de um futuro pouco decente
et ceteramente
15.9.16
eu, vezes nada
Deixo essa última carta
Escrita com o dente
trincado de ódio
Eu, trambolho de gente
Filho do Augusto e do amoníaco
Sinto cheiro de enxofre
Nas cadeiras de chefes demoníacos
Eu, trambolho de gente
Cego de um olho
Míope de outro
Só enxergo meias verdades
Eu, trambolho de gente
Sou maltrapilho
Indecente
Visconde feito de milho
Eu, trambolho de gente
Sou uma rima no deserto
Uma lágrima no oceano
Ninguém de fato, decerto
Eu, trambolho
Às vezes gente
Às vezes ato
Às vezes nada
vezes nada
2.9.16
29.8.16
Heroína
(para Janis)
Nunca usei heroína
Nunca quis ser herói
Ou cowboy
Neste filme sem mocinho
que a vida predestina
Paguei a conta com o preço alto da coerência
Em meio a tanta displicência
Daqueles que um dia juraram lealdade
Os meninos da rua continuam com baleadeiras
Mesmo que já não tenham mais idade
para tanto
Subi e desci ladeiras
Às vezes sóbrio
Às vezes reu
Nunca montado em pedestal de ouro
Sem pés alados a caminho do céu
Nunca usei heroína
Nunca corri o risco de não amanhecer
Aos vinte e sete
Num quarto triste de hotel
Nunca gritei para me mostrar
Ou desafinar
Meu grito era em dó maior
Era o grito do meu tempo
Para sustar os agentes laranjas
Colhidos nos pés podres de barro
Vai Janis
Atira para todos os lados
Tua voz e teus gritos
São balas de anis
Só perfuram carnes amargas
cheias de ardis
25.8.16
Canibais
Uma colônia se espalha ao meu lado
Vermes crescendo
Sem parar
Poemas não brotam mais
Nesse desaguadouro
De canibais
Sujeitos comem minha carne
Repelem meus livros
Queimam meu corpo que arde
Estou embrutecendo
Estou emudecendo
Estou descendo
ladeira abaixo
Sinais dos tempos
De silêncio e tecnologia
Sinais dos tempos
Ventos conservadores
Não alimentam a autofagia
Guitarras não reagem mais
Crianças não reagem mais
Meus sonhos não suspiram mais
E (quase) todos escondidos com medo
dos canibais
11.8.16
1.8.16
Aqui jaz
Nesse mar revolto
Nessa química perfeita
De ondas coloridas e paisagens resolutas
Já imaginei essa louca amálgama
De cinzas e sonhos
De derradeiros desejos
Essa enseada
O platô que anuncia a vida
O verde misturado ao azul
As rochas valentes
As ondas quebrando
O som da ressaca estridente
Não esqueçam
Exatamente neste ponto
Onde anunciam a jurema
Deixem minhas cinzas
(eu preferia a carne viva)
Alimentar essa última aventura extrema
23.7.16
Tudo
Eu já tentei de tudo
Tentei fazer omelete sem quebrar os ovos
Tentei construir parede sem tinta vermelha
Descansei no sétimo dia
Na sombra de uma rede
Enfrentei os sete mares
Descrevi vidas em xilogravura
E acabei fixo, numa moldura
Já tentei de tudo
Fiz da vida uma cozinha de forno a fogão
Fiz poupança, espada, lança e redenção
Eu pensei que éramos muitos
Nessa síndrome tecnológica da austeridade
Terminamos sós
Nus
Abatidos na tenra idade
19.7.16
violência
Das vicissitudes
Do sangue que corre em minhas veias
Corro da violência
Da falta de atitude
Das estatísticas
em larga escala
Larga minha mão
Beija minha boca
Sangra meu beiço robusto
Larga meu peito
Esfola meu busto
Me diz quanto vale
O custo
(Brasil)
Chega de violência
Chega mais violência
Chega de violetas
E roletas russas
Eu sou minha própria violência
Estilhaço pedaços de mim
Me engulo
Sou o verme do meu próprio cadáver
Lesto e seguro
Digo adeus na hora da chegada
E abro mão do meu sangue puro
16.7.16
Os dez últimos dias
Os dez últimos dias
E o som não mais principia
Sem tese, antítese ou síntese
Não há cura
Para uma doença de dez dias
Não há cura
Para longas passionais
Não há cura
Para lutas inglórias
Não há cura
Para vizinhos inescrupulosos
Não há cura
Para orquestras desafinadas
Não há cura
Para trabalhos vazios
Não há cura
Quando se quer apenas dez últimos dias
Não há cura
Não acuda
Não acura
Não cura
Não...
6.5.16
Oração
Depois de um dia obscuro
Depois de ter que pular tanto muro
Desejo que você não se vá
Depois de assistir tanta tevê vazia
De ter que conviver com essa azia
Por favor, não se vá
E ver um sujeito ignóbil
E saber que é tão óbvio
Que sou tão egoísta quanto essa res publica
Com uma clave de sol resplandecente
- Durma com a escuridão e com a sua visão turva
29.4.16
Contingência
Sou do tipo revolucionário
Que deserta da guerrilha rural
No primeiro sinal
De um amor beligerante
Que se encanta com os acordes doces
E não chego a endurecer
Só em pensar em perder a ternura
Num bravo amanhecer
Por esse motivo
Não me alistei
Preferi a reserva de contingência
Por um desejo furtivo
Preferi ficar quieto
Escutar tuas músicas
Teus acordes
E dormir apaixonado
Eternamente,
no teu colo esplêndido
28.4.16
Nau
26.2.16
Novidade
Depois da febre dos 40
Ando repetitivo demais
Sem novas palavras
Sem novos temperos
Poemas com o mesmo fim
Caldo de feijão preto com o mesmo sabor
Se ao menos soubesse fazer um tropeiro
Ou escrever romances sem fim
Até os cabelos brancos parecem iguais
Qual a novidade nos canais de TV?
Qual a novidade nos anais da história?
Qual a novidade da máquina de escrever?
A vitrola roda os mesmos discos de 1980
O noticiário estampa as mesmas manchetes de 70
Qual a novidade desses poemas sujos?
Qual a novidade do Cristo redentor?
Qual a novidade deste sistema predador?
João Pessoa não virou Paraíba
Goulart não foi assassinado
Getúlio não criou o Fundo de Garantia
Qual a novidade no Cine Banguê?
Qual a novidade na obra de Zé Lins?
Qual novidade vai me fazer feliz?!??!??!
25.2.16
Perdão
O teu pedir perdão
É um salto no infinito
do tempo
As mágoas, as contradições
As feridas abertas
O teu pedir perdão
É uma carta sem logradouro
Palavras que chegarão
No desaguadouro
da ilusão
Peço perdão por ti
E vou dormir em paz
24.1.16
Cabelos Brancos
A esse silêncio profano da legalidade instituída
Prefiro a cadeira elétrica
o pau de arara
o verdugo encapuzado
À lerdeza infinita e deliberada do Tribunal de Justiça
Prefiro ser enterrado como suicida
A esperar pelo julgamento da minha causa
Prefiro as bombas em bancas de jornal
Do que esse imprensa comprada
Prefiro as barricadas, os molotovs
o manual do guerrilheiro urbano
a esses partidos de outubro
Mas, são tempos vindouros
que engoliram o tempo passado
É uma era do ouro
que se expande com crédito cidadão
O que estava expondo
agora camuflado
O que era violência
agora paz dos túmulos
O que era tortura
virou crise [ano que vem o país volta crescer]
O que era exploração
oportunidade
O que era rebelião
idiotice
O que era mínimo
salvação
Coisa do passado
anacronismo de cabelos brancos
E continuo escutando os Beatles numa vitrola de agulha
Datilografando poemas num máquina vermelha
Escovando os dentes com juá
E vou continuar me recusando a pintar os cabelos
mesmo que aqueles 21 anos ainda perdurem
9.1.16
Feridas
Minhas feridas abertas
hoje demoram a cicatrizar
Antes fechavam em pouco tempo
gotas de mercúrio cromo e paciência
Mas não causam inveja às feridas internas
Centenárias, purulentas, viris e teimosas na cicatrização