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25.9.13

Roadie

(Para Renato Manfredini, pai)
Se um dia cantares letras doces coloridas
Feito algodão doce
Vou lembrar de uma banda
Anos '80
Mas sei que esta banda não terá como nome Anacrônico
Nem aparecerá em belas crônicas
No jornal de domingo
Será capa de revista vendida pelos porcos verde-oliva
Logo após o estádio nacional vir abaixo?
Será que a burguesia vai ficar histérica
E a classe média estarrecida
Com mais um Aborto Elétrico?
E eu que desejarei ser o roadie desse sonho,
Num misto de orgulho e preocupação
Pedirei humildemente:
"Muda o nome dessa banda, meu filho!" 

24.9.13

Lições da universidade

Lições de hoje:

Sobre a comida privatizada:

Coma repolho todos os dias
Ajuda na flatulência intelectual

(sonho que um dia aconteça A Revolta do Repolho)

Suco de goiaba faz mal à saúde
Por isso é proibido repetir
(o cartaz avisa: coma repolho à vontade)

Sobre a internet para os doutos:

Internet sem fio apenas para os professores
Do Programa de Pós-Graduação
(o cartaz avisa: limite-se a sua posição de estudante)

E por fim me cobram uma tese
E o meu desejo atual é transformar tudo isso no capítulo final de O Ateneu

23.9.13

Piso Salarial

Não sei mais se desejo ser professor
Com salário sub-solo
E lamúrios que não ecoam

Prefiro ser mochileiro
Ao invés de passageiro
Desse trem descarrilado

Prefiro morrer em oito de outubro
Do que esmagado
Por essa febre terçã

Não estou devidamente convencido
Mas luta inglória da sala de aula
Só findará com a vinda de outubro

Sangrando em pedaços
Feito contracheques vomitando o consumo
Da TV de plasma

11.9.13

Escape


Para Josué de Castro

Tantas vezes escutei:
- Que carro lindo

E eu só consigo enxergar o escapamento
O fetiche da mercadoria
A linha de produção

Poucas vezes, ou nunca,
Escutei:
- Que poema lindo

Ainda bem que tais pessoas
Continuam com suas portas trancadas
Com cadeados enormes
Escondendo-se daqueles que não comeram esta manhã
Tentando escapar da geografia da fome

Ato irresoluto, pois da fome não se escapa
Mesmo que dentro de uma BMW com dois canos
[de escape]

Carta para Ernesto

Amado filho,

No dia que você nasceu fui na banca de revistas, do centro da capital parahybana, e adquiri os jornais e as revistas da semana. Não abri nem li nada. Guardei tudo numa pasta azul enorme e enrolei com papel laminado. Aguardo um dia, num domingo preguiçoso e chuvoso (quem sabe em 2025), que possamos ler as matérias que rondavam no momento do teu nascimento e podermos curtir uma manhã gostosa de inverno como dois bons amigos,

Te amo,

Papai

4.9.13

Roto

Como eu estava magrinho
Menino roto
Comedor de barro
Pés tronchinhos de liberdade

Como eu era lombriguento
Amigos paupérrimos
Felizes
E na flor da idade

Na foto nada instantânea
Dois meses para revelar
Aquilo que seria o retrato
Da curta e pacata cidade

Como eu era feliz
Não votava, não laborava
Apenas chutava bolas
Entre os gols da mocidade

Agora enjaulado
Sem lombrigas, nem joelhos
Vivo circunstanciado
Entre o inferno e a universidade

2.9.13

Refúgio Sergipano

Todo [meu] refúgio tem que ter mar
Tem que ter água
Tem que ter pão
E peixe
Pescado por um menino doce
De um remanso sóbrio
Numa imensidão de rio
E uma saudade enorme de você