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25.6.15

Escolas

Esses meninos enjaulados
Enclausurados em meio turno
Sem direito ao banho de sol

Como vou dizer aos alunos
que não gritem
Se quero que eles abram o berreiro

Como vou dizer aos alunos
que não batam
Se precisam se proteger da polícia

Como vou dizer aos alunos
que não quebrem essas algemas
da pobreza, da indiferença e da miséria
humana

Como vou dizer aos alunos
- Chega de violência!
Se o prefeito, o governador, o juiz e o policial
agem em nome de um Estado truculento

Meus alunos têm cáries, manchas na pele, fome, sabem muito bem onde dorme o inimigo e quem são os sujeitos omissos.

Por isso, as escolas têm grades.

Vestibular

Escrevo porque sonho ver poemas
se transformarem em alternativas no vestibular

Caso não entendas o poema
marque a letra c
Já dizia a bizurada

Quero, com gosto, responder a questão
sem ter acesso ao gabarito
Ter a certeza que não me compreendo
ao errar tão simples enunciado

Tempos sombrios, poemas inúteis viram questões de múltipla escolha

E a vida segue sem muitas escolhas

Acorde

Eu já sabia, eu já sabia
Não adiantaria voltar a terra onde foi enterrado meu umbigo
Isso não me fazeria viver
Isso não me fazeria lutar

Continuo à beira desta cova rasa
De prenome solidão
Aqui jaz

Guitarra, granada, canhão
Lembro que desde menino
Tento tocar Vandré no violão

E não consigo passar de três acordes
E o mundo [quase] todo parece adormecido

Acorde, acorde, acorde!

40

Sempre corri contra o tempo
Desejei mil revoluções por minuto
Pois sabia que um dia faria quarenta

Hoje, velho e cansado, leio o jornal de pantufas
Cada página do tabloide escorre sangue da violência doméstica
que domestica lares e enclausura sujeitos

Mesmo soterrado pelo alzheimer
Não esqueço do quanto era bom
imaginar a bancarrota do sistema

Hoje sou um resto do nada
Uma crônica do sucesso às avessas
O sonho de um pobreza desvairada
Um descontrole inepto das sinapses nervosas

Às vezes surto, acordo revolucionário
Basta anoitecer para as estrelas iluminarem as limitações
Não mais verei transformações radicais

Às vezes surto, acredito piamente nas multidões
Basta amanhecer para acordar isolado
triste, desolado

Nem o chuveiro elétrico dou conta
muito menos James Joyce
Cada página que leio, um vazio
Cada página da vida, revirada

O medo da morte transfigura-se
Torna-se doce deleite
A vida apenas um tempo
passado

18.6.15

Rico

Quero morrer rico
Soterrado pelas miudezas
Ou afogado no pacífico

Quero morrer rico
Enlaçado pelo pescoço
Em carne e osso

Quero morrer rico
milionário
Um milhão de amigos
E sem um tostão no sistema bancário

5.6.15

Ímpar

Mês seis
Mayday
Dois mil e quinze perdendo força
Na verdade o problema deve ser ímpar  

4.6.15

Relâmpago

Foi um professor relâmpago. Chegou sorrateiro na escola e sumiu num piscar de olhos. Começou o ano, ministrou poucas aulas, enfrentou uma greve, retornou para a sala de aula e desapareceu. Alguns dizem que foi por causa do joelho que, de fato, torceu durante uma das aulas práticas. Rumores afirmam que seu nome estava num dossiê elaborado pela secretaria de educação. Falam que um tal conselho desejava sua demissão, já que ele se recusava a pagar a anuidade. As más línguas reiteram que o presidente pelego do sindicato estava pedindo sua cabeça numa bandeja de prata. Relatam também que a esquerda do magistério prefereria ele longe das disputas internas para não embolar as já tumultuadas eleições sindicais. Outros encontraram o caderno de trabalho com rabiscos de poemas e músicas melosas da Legião, imaginaram uma depressão de origem passional que afetou sua capacidade laboral. Falaram até em partido, guerrilha, revolução e terrorismo, mas não entendemos muito bem. Nunca saberemos, simplesmente se foi e nunca mais apareceu. Foi apenas mais um professor...

Silêncio

És um silêncio lindo

Mudo de ares
Pinto aquarelas
Digo besteiras

Teu cabelo combina com a primavera
Sentinela bastarda da efusão de cores
Vermelho, verde, azul, amarelo
Misturo tudo em paletas
Rompo a lógica do arco íris
Bem mais que sete cores

Teu silêncio é um sopro de beleza
Tua cor alva
Teus olhos vivos
A voz adormecida e adocicada

Faço esforços para fluir conversas
Para que?
Basta o silêncio, o cheiro, o cio
E por último uma taça de lágrimas
cheia de saudades

1.6.15

Labirinto




 “- Carajo! – suspirou. – Como vou sair desse labirinto?”
(O general em seu labirinto. Gabriel Garcia Márquez.)

Em cada quadra um relógio
Cada qual com sua hora
seu ponteiro, sua mentira

A Rua Rodrigues de Aquino parece interminável
Parece circular com seus labirintos políticos
Cada quadra um fim
e um recomeço

O carteiro se perdeu
O rapaz que lava carro ficou estático
O homem do fiteiro forma opiniões
A porta de vidro antevê o presente
A passeata segue lúgubre

Carros e mais carros anunciam que todos têm pressa
Inclusive a violência que tocou a campainha às nove da manhã
Militantes com suas bandeiras tocam tambores do dissabor
desafinados pela ordem corrosiva das alianças esdrúxulas

Melhor era ter nascido anos atrás
Clandestino nas células da resistência
Entregue ao tempo e à luta
Distante deste labirinto temporal