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30.1.17

Tropicana

Hotel Tropicana

Aqui almocei com meus avós, pais, irmã, tios e primos na década de 1980.

Por ironia do destino, 30 anos depois, adentrei no antigo hotel Tropicana já como Ocupação do Tijolonho Vermelho.

 Convivi com algumas famílias, brinquei com as crianças, formamos até uma turma de alfabetização de Jovens e Adultos.

Vi cenas impactantes na época das chuvas. O cheiro da falta de condições sanitárias vai ficar comigo para o resto da vida. Assim como a luta de um povo por direitos básicos.

 O Tijolinho Vermelho foi a maior lição que já tive na vida, a maior escola e o maior aprendizado.

Nunca vou esquecer das crianças brincando com meu filho, do cuidado e do carinho que alguns tinham com o "galeguinho".

Espero que meu filho também nunca esqueça essa experiência de vida e nunca naturalize tamanho descaso com o povo.

Tijolinho Vermelho / Hotel Tropicana

Nesta cadeira aparentemente vazia
Muitas pessoas escreveram sua história
Elas nunca esperaram um milagre

Cansadas de ficar sentadas
Foram à luta
Sofreram com as chuvas
Sofreram sem uma ducha quente
Sem condições sanitárias

Esta cadeira vazia
Conta muitas histórias
De muitos meninos
e meninas
Que brincavam no Ponto Cem Réis
No Pavilhão do Chá
Na Praça dos Três Poderes

Podres Poderes
Que não querem dar dignidade às pessoas
famintas

Poderes de vestes sujas
Que nunca precisaram jogar suas fezes
Do alto do Hotel Tropicana
Pela simples falta de um vaso sanitário

Podres Poderes
Jogam suas excrementos na cara do povo

Para além da soberba do Tribunal de Justiça
Do Palácio do Governo
Ou da Assembleia Legislativa
Homens e mulheres teimam em escrever sua história

Nesta cadeira sentaram iletrados
Mais dignos do que àqueles sentados nas cadeiras imundas da Praça dos Três Poderes

22.1.17

Patético

Uso desculpas esfarrapadas
O tempo todo
Nos meus deslizes
Nos meus equívocos

Até nos sonhos que invoco

As desculpas e meus farrapos
São traços
São desvios de conduta

São fugas
Para tentar apagar as minhas rugas

São meus escritos sem métrica
São frases sem pé nem cabeça
São desvios éticos

Uso desculpas esfarrapadas por tudo
Até por motivos patéticos

16.1.17

Insônia literária


Meia noite. É preciso escrever.
Mudo o horário. Mudo o computador. Mudo a posição.
O texto continua mudo.

Lá fora cobradores rangem os dentes. São prazos implacáveis alvoroçando minha falta de inspiração.

Minha mãe inicia a sinfonia dos pires e talheres às cinco da manhã. Anuncia o café forte e o alarido diuturno.
São vozes que cercam e agonizam o teclado até o por do dia.


Procuro refúgios, Thomas Mann,
qualquer mágica que digite freneticamente todo o texto que está contido na cabeça.

São apenas velhos truques e desejos frenéticos. Parar tudo e ler um romance. Ou uma tragédia grega.

Outrora marco um mergulho no mar. Catatonia vespertina. Delírios corriqueiros na Praia de Coqueirinho.

Os trinta dias correram pelo ralo. A ampulheta do tempo está cheia de ar...

Na linha de chegada estão todos. Maridos, mulheres, filhos, minha mãe com o pires na mão, meu pai na torcida por qualquer resultado, o futuro e o carnaval. O verdugo de minha sorte sorri para mim.

Meio dia. O texto ainda me espera neste quarto quente e repleto de passado. Parece que todos me olham, esperam por mim. Os doutores, os sobrinhos, desconhecidos de Shanghai, quase toda a família. O mundo inteiro está aqui à espera das duzentas páginas inexistentes e retorquidas.

O texto sabe imolar o sujeito. Sacrifica inocentes. Refluxos e mais refluxos, arrependimentos, lembranças das rotas alteradas, caminhos de fuga.

O texto não espera poemas, não coaduna com correntes literárias, não aceita jocosidades.
Ao contrário, é burocrático, infame, prolixo.


Assassino de poetas primários lacônicos, o texto há de cumprir o seu ideal.

2.1.17

2017

Em ano ímpar
pares tudo

Gula

(para o poeta sujo)

Em casa de Ferreira
Espeto de poema