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3.7.17

A vida que tremia

Hoje pensei em Hermes
Um amigo esquálido da época de infância
Ele morava em frente a uma fábrica de tecidos

O chão tremia vinte e quatro horas

Vinte e quatro horas
Vinte e quatro horas
Vinte e quatro horas
O chão tremia
Por todo o dia
Máquinas a todo vapor

Por Deus
Aquele chão tremia as casas
Tremia Hermes e sua família
Hermes tremia
Vinte e quatro horas por dia

Sístole e diástole estavam na frequência
da tecelagem
Não havia tempo para amores
Corações tremiam
A casa quase caía, diziam os rumores

A casa de Hermes tremia
tremia o pai
tremia a mãe
tremia a tia
tremia os ossos do magrelinho
tremia o corpo famélico
tremia até o cachorro que não mais latia

Como Hermes dormia?
Dentro de uma casa que tremia
Como Hermes comia?
Dentro de uma casa que não parecia
Como Hermes aprovaria?
Dentro de uma casa onde os estudos não cabiam

Não tenho mais notícia de Hermes
Nem da casa que tremia
Nem da família que tremia
Nem do bairro que tremia

Só espero continuar a tremer de indignação
Em nome daquela barriga vazia
que tanto tremia

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