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18.12.13

Doutor

Eu não quero ser ninguém
Enquanto um outrem
Não souber nem assinar o nome

Eu não quero ser doutor
Enquanto houver submundo de dor
E crianças fora da creche sem pronome

Eu não quero ser burguês
Enquanto meio mundo é freguês
Da estação sem codinome

Eu não quero ser mais um pária
Nesse país sem pátria
Com essa angústia que me consome

Eu não quero ser isso ou aquilo
Taxado, vendido a quilo
Esquartejado, meu corpo some

Eu só quero ser a alegria
De uma noite tardia
De um coletivo que tudo come
[sem fome]

LP

Quero ouvir o Lado A
E depois o Lado B

Quero ouvir as teclas surrando o papel
Sem precisar corrigir meus erros de português

Quero de volta o Long Play
E a maletinha portátil

A agulha
E a fita

Não é nostalgia
É vida plena

Não descartável
Deserta de tecnologia

Sarau

Extra! Extra! Extra!

De costas para o palco as letras garrafais
Anunciam o que devemos comer
E quanto devemos pagar
Mesmo que o tempero esteja salgado e sujo

Debaixo do concreto a poesia abstrata
Faz surgir galhos libertários
Que brotam do asfalto denegrido

Sarau de Baixo anuncia em letras maiores
Que a poesia marginal vive
Ante as atrocidades mesquinhas dos sem poemas

16.12.13

Vitrola

Trocou a TV de plasma, presente indesejado de nãoseiquantaspolegadas, por uma vitrola que toca LP's antigos. Agora dorme ao som do Drummond recitando "Os ombros suportam o mundo", pois insuportável mesmo era o ruído do plim plim e congêneres.

12.12.13

Viu?

[Para Pedrão, a metralhadora poética]

Nós queremos celeridade
Sim, eu disse celeridade

Sei que essa justiça porca, anda lenta como tarturuga
Mas este rosto cheio de ruga
Não quer mais esperar um ano
Para que o suplente de deputado
Eleito com dinheiro vil
Dinheiro roubado do povo
Que até o juiz viu
Viu seu juiz, viu?

Suplente que virou deputado
Depois que um outro deputado comovido com tanto cascalho
Adoeceu para poder livrar o nobre salafrário
Da condenação do juiz que viu
Viu seu juiz, viu?

Condeno o réu a ressarcir integral os danos
Suspendo os direitos políticos por seis anos
E perda da função pública no momento da execução da sentença

Oh seu juiz, será que a gente não pensa?
O sujeito rouba o erário
Faz a gente de otário
Você diz que o sujeito é bandido culpado
E não pode fazer nada porque virou deputado?

Vamos esperar as férias do legislativo?
Quarenta dias de salário ativo
Dinheiro do povo para alimentar gatuno
E depois vamos esperar sentados
O momento que um outro juiz oportuno
Irá sentenciar mais uma vez o tratante
Sujeito de ação horripilante

E se o outro juiz não ver?
Mas o povo viu

E se prepare seu deputado réu
Mesmo sem cabelo e mesmo que não possa
Vamos tirá-lo a força
Dessa cadeira cheirando a fel

Zé da Penha

Vixe, hoje eu lembrei do menino Zé da Penha
Que vinha lá das cincos bocas de Mandacaru
Era daquele tipo, cheio da resenha
Jogava bola com a gente, entre o lixo e o urubu

Naquele campinho cheio de pedra vizinho a EMLUR
De um lado o cemitério, do outro a Zona Sul
Vinham todas as tribos, todos os meninos descalços,
Repletos de panos brancos, jogavam nos nossos encalços

José da Penha, era mais um menino sem bola
E jogava no nosso time de camisa sem gola
Sua mãe deveria trabalhar nas casas da vizinhança tonta
E a noite dançava no Pé de Ouro, depois da janta ficar pronta

Eu menino burguês, dono da bola, de escola, kichute e cartilha
Nada entendia como podia jogar tão bem quem não lia
Às vezes achava que aquilo tudo era uma ilha
E que no fundo tudo acabaria em poesia

Vixe era mais um Zé lá na Paraíba que parecia um nordestinado
Menino esperto, jogador de pé esfolado
Que vi muitas vezes esfomeado
Querendo engolir quem dissesse que tudo isso era predestinado

29.11.13

Condenação

Foi dado o veredito
Condenado em última instância
O juiz ao final assertivo: tenho dito

Pena máxima ao réu
Prisão perpétua
No máximo poder ver o céu

Prisão estadual
Sem direito à apelação
Na zona urbana ou rural

Nunca mais mergulhos rotineiros
Em mares bravos ensolarados
Nunca mais passeios em barcos pesqueiros

Nunca mais verde planta
Respirar ares puros
Nunca mais escutar a palavra que canta

Nunca mais amigos antigos
Jornais ao fim de semana
Escrever serenos artigos

Resoluto aceito a condenação
Pagar as penas das minhas ações
E esperar um dia que caia do céu a minha ordenação

Barba

Não vou ficar imberbe
Quero barba rala
Para mostrar ao tempo
Que já envelheci

Quero barba longa
Rosto ensebado, pelos brancos
Para mostrar ao tempo
Que já envelheci

Não perca tempo comigo
Tempo
Não te darei o gosto de me ver oxidar

Tempo
Não perca tempo comigo
Coloco minha barba de molho todo dia

E embarco no primeiro trem
Rumo à Estação Finlândia
[não quero ver o inverno chegar]

27.11.13

Lua

Olhei no calendário
Este ano a lua cheia
Constará no meu aniversário

Espero que venha sorrindo
Reflita com o mar
Ideias tinindo

Os espaços vazios e as beiras
Espero que preencha
E siga faceira

Espero que a lua cheia
Lembre que é meu aniversário
E me convide para a ceia

Faremos amor
No seu lado escuro
Para não gerar rumor

Partiremos minguantes
Novas e crescentes
E seremos eternos amantes

26.11.13

Parahyba

Neste verão quero tomar um banho de Parahyba
Às margens do Rio Sanhauá
Ver o Porto do Capim
Do frontispício do Hotel Globo
E tomar uma Dore guaraná

Quero andar solto pelo Ponto Cem Réis
Visitar a Oca de Piá
Pichar os muros da assembleia
Gritar o nome dos corruptos em altos decibéis

Lá em Reginaldo vou ler jornal
Ouvir a Boca Maldita
Visitar Augusto, Caixa D'água, Livardo Alves
Ver o sol dormir no Beco do Malagrida

Vou seguir as recomendações de meu Avô
Pisar macio no tapete amarelo dos Ipês
E não esquecer de apreciar a arquitetura das antigas casas
Do tempo que passou

Para não perder o costume
Vou chorar às margens do Cabo Branco
Ouvir a sinfonia marítima
Jogar vôlei nas areias finas
Trazer a lume
A alegria de brincar com meu filho

Vou me deleitar na maré zero zero
Ver os corais do Bessa
Visitar os canyons de Coqueirinhos
Os antepassados da Arapuca
E andar por Tambaba sem essa

Nada me impedirá de respirar
O ar dos teus jardins
De enxergar a cor das tuas orquídeas
Da Bica à Ponta dos Seixas
Da barreira destruída para outros fins

Vou participar de todas as manifestações
Pintar de verde-branco forte
Todas as lamentações varonis
Ajudar a escrever teu verdadeiro nome em letras garrafais:
Parahyba do Norte

25.11.13

Oco

Cidades vazias
Não preenchem o meu oco
Plêiades artificiais
De uma urbe tosca
Regam o chão com uréia
[destilada]

Cidades [deliberadamente] vazias
Tocam sinfonias bêbadas
No pior destilo musical

Cidades vazias
São como casamentos por conveniência
Heranças malditas herdadas do sangue público

O povo sangra
Assina papéis com o polegar
Solta fogos em comemoração

Cidades esvaziadas
Por larápios com crachá e diploma na assembleia
Reduto de gatunos profissionais

Povo esvaziado
13 milhões de analfabetos
Catam lixo
Enchem urnas

Entrementes
Troçam os diplomados
Responsáveis fiéis pela cidade vazia

13.11.13

Escridor

Resolvi que um dia serei escridor. Colocar para fora as estranhas entranhas que não me deixam dormir. Escridor é aquele que sente as agruras do mundo. Que sai porta afora e vê crianças catando lixo, creches cerradas e opacas como se fossem presídios anunciando o futuro. Escridor é aquele que sente o cheiro do esgoto que parece um carteiro entregando nas casas amebas domesticadas. É aquele que enxerga a origem desse mal, mas não consegue compartilhar essa visão com o vizinho antenado na TV ao lado. Escridor é aquele que chora em silêncio, que sabe que vai embora porque não aguenta mais ficar ao lado do prefeito corrupto que virou deputado com os votos dos amigos de quarto. Escridor é o sujeito chato, que reclama de tudo, que não é cooptado pelas benesses dos cargos, que se desvencilhou do vil metal. É aquele que não tem preço e por isso morre ao ver o amigo vendendo o que há de mais precioso. Ser escridor não é fácil, como é difícil escrever a dor.

Apenas uma sessão

Foi com a turminha de adolescentes para o cinema que ficava no centro da cidade e hoje, transformado em igreja, padece dessas esporádicas lembranças dos anos 1990.

Naquela época não importava o filme, o diretor ou o enredo. Mais valia sair com os amigos do ensino médio, então segundo grau, para curtir uma tarde e quem sabe arrancar o primeiro beijo.

Não estava confiante que o filme do Batman pudesse atrair um clima animador para desvirginar os lábios, mas só o fato de estar em boa companhia já superava as expectativas. Naquela época não havia cadeiras numeradas, nem várias telas com uma diversidade de filmes, muito menos era preciso sair da sessão caso você optasse por ver o mesmo filme a tarde inteira.

Um combinado tácito também era comum. Alternância de meninos e meninas nas cadeiras, pois com a ajuda do escurinho do cinema era mais fácil vencer a timidez e quem sabe emplacar um namoro. Da mesma forma como o filme era indiferente, naquela seca brava de contatos íntimos, tanto fazia a garota que sentasse ao teu lado. Mas, quando você dava a sorte de sentar ao lado de uma garota linda, não era prudente desperdiçar a oportunidade.

As mãos suadas denunciavam o quanto era preciso ignorar o preço do ingresso e tentar ao menos estimular uma resposta positiva. Sorrateiramente e com muito cuidado, os dedos avançavam, encostavam quase sem querer a outra mão desejada. A reação inopinada de contato recíproco fazia o coração bater mais forte e encorajava o avanço com muita cautela e medida, nada que os anos 1990 pudesse achar libidinoso.
A primeira reação é como se estivesse estiolado, que aliado ao escuro da sessão todo o ar tivesse sido sulgado porta afora. Era preciso vencer a si mesmo. Passar das mãos às bochechas macias e rosadas, sentir o dengo desejar mais carinho. As mãos delicadas daquele que nunca precisou pegar num cabo de enxada, ajudavam a tornar aquela experiência tão simples e inocente numa aventura sentimental indescritível.

Desejava que aquele fosse o longa mais longo de Hollywood, para que as mãos doces pudessem cumprir plenamente a função que seria mais complexa ao acender das luzes. Acabou não dando espaço aos lábios virgens, deixou que as mãos se amassem até a vitória do homem morcego. Não queria correr riscos caso tentasse um beijo naquela posição oblíqua, imprópria para os amantes cinéfilos. Afinal, frente a frente já parecia ser um trabalho hercúleo para um neófito, imagine tendo que torcer o pescoço em noventa graus.

Luzes acessas e um pequeno percurso até o ponto de ônibus. Diminiu o passo, deixou a turma seguir e deu prosseguimento ao encontro caloroso das mãos. E agora? Teria que parar? Falar algo para então contrair o beijo? Desajeitado e sem construir algo idílio, soltou sem pensar:

- Acho que agora não precisamos de um manual de instruções.

Como um raio que parte uma casa ao meio, as mãos descolaram-se instantaneamente. Não viu nem o rastro do ônibus que levou embora aquele sonho que durou apenas uma sessão.

11.11.13

Microconto

Vida

Acreditou piamente que seus poemas reencarnados lhe daria a vida eterna.

Escritos

Estes escritos não geram mais-valia
Não são propriedade privada
Não derrubam árvores
Não bebem celulose
Não possuem direito autoral
Não auferem renda
Apenas ajudam a me salvar do mal do tempo
Em dias chuvosos de verão

Copa

A criança sem creche
Olha atenta a mãe nua
Que sem emprego se mexe

Não há solidão maior que o deserto
De uma alma nua
Sem emprego certo

Corre solta a bola na grama
Nos insalubres andaimes da Copa
E perto dali escorre a trama

Sem creche, a mãe é só lassitude
Mas o estádio apinhado
Diz que é preciso ter atitude

A explicação teleológica
De um gol aos noventos minutos
É muito mais lógica

Faltam creches, empregos
Sobram craques, gols
Empresas, contratos, egos

A mãe na copa
Raspa a lata de leite, atenta ao gol
Do craque que segue para a europa

Na Copa estão comendo fast-food
O Tio Sam vai conhecer a nossa batucada
E filmar essa orgia em Hollywood

Não há dissensões
Somos todos verde-amarelo
Em melancólicas crispações

O corpo exala o odor
Estremece de fome
Afugenta a dor

É gol, sublime
Não há mais faltas
Apenas a felicidade imprime

Não levo mais chibatadas no couro
Não preciso mais de creches
Pois tenho um gol de ouro

7.11.13

Calo

Faz tempo que não riu
Que não vou ao Rio
Que certas águas do rio
Não desembocam no mar

Faz tempo que cumpro pena
Dá pena só de pensar no comprimento
Estreito da pena
Que não posso comprar

Faz tempo que tento sobreviver
Sobre viver não tenho mais nada a dizer

Só calo
Nos meus pés
Alados

Como escrever poemas

Fustigado pela história, passou a escrever poemas

Viciado nas idiossincracias alheias
Injetava doses cavalares de aflições
Nas veias abertas [da América Latina]

Cheirava o pó dos antepassados cremados
Pela ganância implacável dos colonizadores

Tomava barbitúricos alucinógenos para reviver a escravidão nada afável

Escrevia seus poemas
Sob o efeito deste coquetel inflamável

Sentido

Não encontrou sentido
Naquela dor sentida
Naquela prisão sem grades
Naquele homicídio culposo
Naquele ato doloso
Corriqueiro dos que não amam

Não encontrou sentido
No sentido detido
Naquele vidro fosco
Temperado a sangue, suor e lágrimas

Não encontrou sentido
Naquela placa de contramão
Naqueles homens correndo sem direção

Não encontrou sentido
Naquele corrimão desapegado
No grito de gol da esquina ao lado

Não encontrou sentido
Em tantos holofotes
Em tantos desapegos fortes

Não encontrou sentido
Naquilo que estava sentindo

6.11.13

Melanina

Uma canção me disse certa vez
Que os sonhos não envelhecem
Faltou combinar com a escassez de melanina
E com os cabelos brancos que já apontam

Um certo poema falava dos meus ombros
Do quanto eles suportavam o mundo
Hoje não suportam o tempo envelhecido
E contam regressivamente a euforia ofuscada

Certos sonhos, certas canções
Duram o quanto tempo mole
Esparrama céu afora
Anoitece todo dia

O estribilho ressoou desafinado
Na tocata do balaústre
Na serenata do poeta
Na noite que se quedou: fim

30.10.13

Bluetooth

Lembra de um verão em 2008
Quando tudo parecia tão estável
E imutável
Éramos mamutes congelados
No inquebrável transcurso do tempo

Uma vida sem anomalias
Regando rosas ao amanhacer
Tomando chá ao entardecer
E agradecendo por mais um dia sem anomias

Escutávamos o rock and roll da moda
Sem saber que as oitos rotações
Do Long Play
Um dia se transformariam em
Dentes azuis sem legiões

Hoje uma barriga te espera
Um pequeno ao meu lado pede colo
E não fazemos mais apostas
Antes do sol se por

13.10.13

Vandalismo [na Assembleia Legislativa da PB]

[Para Manuel Bandeira e para o povo do Curimataú]

Hoje eu vi um vândalo
Não estava de máscara
Nem de Molotov

Carregava na bolsa
O dinheiro da prefeitura
Do FUNDEF e da Atenção Básica

Carregava os votos comprados
Com o dinheiro da coisa pública
E andava de paletó e gravata

O vândalo
Não era um anarquista
Não era um Black Bloc
Nem mesmo um marxista

O vândalo, meu deus,
Era um deputado

12.10.13

Vandalismo

Hoje eu vi um vândalo
Não estava de máscara
Nem de Molotov

Carregava na bolsa
O dinheiro da prefeitura
Do FUNDEF e da Atenção Básica

Carregava os votos comprados
Com o dinheiro da coisa pública
E andava de paletó e gravata

O vândalo, meu deus,
Era um deputado
Cheio de bravata

11.10.13

Mostra Che
10 de outubro de 2013
Auditório da ADUFS / UFS
GEPEL / UFS




8.10.13

Pós-graduação

Microconto

Ao encontrar o restaurante universitário fechado, em pleno semestre letivo, resolveu entrar na fila do SUS para tentar a bariátrica.

1.10.13

Rogar

Ruminou a aurora do novo dia
Surdos decibéis
Vagaram sem eira nem beira

Cavalos selados desceram morro abaixo
E cada soldado em sua trincheira

A revolução passou incólume
Nem ao menos foi entoada
A cantata do meio dia

O estribilho da internacional
Virou pagode de fim de semana

E todos que sentaram à mesa
Da santa ceia
Hoje gozam de ouvidos de rogados

Escutam apenas o rouco tilintar dos sinos
Numa balada surda
Da festa inacabada da Babel
[revolucionária]

Xadrez

Filho,
hoje eu te apresentei o tabuleiro
e as peças do xadrez

Os peões e sua capacidade de organização
Um desejo enorme em não aceitar
A lógica do sistema
Convencer a maioria
Que é possível chegar ao posto de Rainha

A liberdade dos cavalos
Saltam muros
Andam em ele
Tripudiam dos obstáculos
Parecem bichos alados

A igreja sempre presente
Nas diagonais
Impõe seus ritos
Nem sempre sagrados
Muitas vezes, apenas mitos

Torres gêmeas anunciam o prelúdio
Pés de barro, ignóbeis
Acham que têm o mundo
E todos os contos de réis

O Rei é a prova cabal
Tão forte
Tão frágil
Anda qual um peão
E vive na espreita
Com medo do juízo final

Rogo aos céus que o mundo compreenda
Que o concreto real forja a consciência
E que esse mundo encantado
Do tabuleiro de xadrez
Seja apenas uma desculpa ética
Para passarmos horas a fio
Pensando em como viver
[plenamente]
A dialética

25.9.13

Roadie

(Para Renato Manfredini, pai)
Se um dia cantares letras doces coloridas
Feito algodão doce
Vou lembrar de uma banda
Anos '80
Mas sei que esta banda não terá como nome Anacrônico
Nem aparecerá em belas crônicas
No jornal de domingo
Será capa de revista vendida pelos porcos verde-oliva
Logo após o estádio nacional vir abaixo?
Será que a burguesia vai ficar histérica
E a classe média estarrecida
Com mais um Aborto Elétrico?
E eu que desejarei ser o roadie desse sonho,
Num misto de orgulho e preocupação
Pedirei humildemente:
"Muda o nome dessa banda, meu filho!" 

24.9.13

Lições da universidade

Lições de hoje:

Sobre a comida privatizada:

Coma repolho todos os dias
Ajuda na flatulência intelectual

(sonho que um dia aconteça A Revolta do Repolho)

Suco de goiaba faz mal à saúde
Por isso é proibido repetir
(o cartaz avisa: coma repolho à vontade)

Sobre a internet para os doutos:

Internet sem fio apenas para os professores
Do Programa de Pós-Graduação
(o cartaz avisa: limite-se a sua posição de estudante)

E por fim me cobram uma tese
E o meu desejo atual é transformar tudo isso no capítulo final de O Ateneu

23.9.13

Piso Salarial

Não sei mais se desejo ser professor
Com salário sub-solo
E lamúrios que não ecoam

Prefiro ser mochileiro
Ao invés de passageiro
Desse trem descarrilado

Prefiro morrer em oito de outubro
Do que esmagado
Por essa febre terçã

Não estou devidamente convencido
Mas luta inglória da sala de aula
Só findará com a vinda de outubro

Sangrando em pedaços
Feito contracheques vomitando o consumo
Da TV de plasma

11.9.13

Escape


Para Josué de Castro

Tantas vezes escutei:
- Que carro lindo

E eu só consigo enxergar o escapamento
O fetiche da mercadoria
A linha de produção

Poucas vezes, ou nunca,
Escutei:
- Que poema lindo

Ainda bem que tais pessoas
Continuam com suas portas trancadas
Com cadeados enormes
Escondendo-se daqueles que não comeram esta manhã
Tentando escapar da geografia da fome

Ato irresoluto, pois da fome não se escapa
Mesmo que dentro de uma BMW com dois canos
[de escape]

Carta para Ernesto

Amado filho,

No dia que você nasceu fui na banca de revistas, do centro da capital parahybana, e adquiri os jornais e as revistas da semana. Não abri nem li nada. Guardei tudo numa pasta azul enorme e enrolei com papel laminado. Aguardo um dia, num domingo preguiçoso e chuvoso (quem sabe em 2025), que possamos ler as matérias que rondavam no momento do teu nascimento e podermos curtir uma manhã gostosa de inverno como dois bons amigos,

Te amo,

Papai

4.9.13

Roto

Como eu estava magrinho
Menino roto
Comedor de barro
Pés tronchinhos de liberdade

Como eu era lombriguento
Amigos paupérrimos
Felizes
E na flor da idade

Na foto nada instantânea
Dois meses para revelar
Aquilo que seria o retrato
Da curta e pacata cidade

Como eu era feliz
Não votava, não laborava
Apenas chutava bolas
Entre os gols da mocidade

Agora enjaulado
Sem lombrigas, nem joelhos
Vivo circunstanciado
Entre o inferno e a universidade

2.9.13

Refúgio Sergipano

Todo [meu] refúgio tem que ter mar
Tem que ter água
Tem que ter pão
E peixe
Pescado por um menino doce
De um remanso sóbrio
Numa imensidão de rio
E uma saudade enorme de você

16.8.13

Orgânicos

Planto livros orgânicos
Sem química, fertilizantes ou coelhos

Uso defensivos naturais
Sem nada que cury artificial

Não quero autoajuda
Apenas colheitas maduras

Seleciono grãos nativos
Sementes crioulas
Nunca rótulos Best Sellers


Assim evito gangrenar a alma
Emitir CFC
Intoxicar o meu ambiente

15.8.13

Sobre a questão do Piso Salarial dos Professores em Aracaju/SE

             Em 15 de outubro de 1827, Dom Pedro I, Imperador do Brasil, sanciona a primeira lei que regia a educação no país e mandava “criar escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares populosos do Império”, data tão marcante na cultura escolar que o dia 15 de outubro é a data alusiva à comemoração do Dia do Professor. Fato importante na promulgação desta lei é o estabelecimento do “ordenado” dos professores, regulando em “200$000 a 500$000 anuais: com atenção às circunstâncias da população e carestia dos lugares”, surgindo assim a primeira lei salarial do magistério no Brasil.

            Passados 181 anos, em julho de 2008, foi sancionada a Lei do Piso Salarial do Magistério (Lei 11738 de 2008), norma já prevista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988 e que demorou 20 anos para ser promulgada. Em 2008, a Lei fixou o piso dos profissionais do magistério público da educação básica em R$ 950,00 para a formação em nível médio na modalidade Normal para uma jornada de no máximo 40 horas de trabalho. Também estipulou que 2/3 da carga horária deveriam ser para desempenho das atividades de interação dos profissionais do magistério público com os educandos.

            Para além do questionamento jurídico impetrado por alguns governadores sobre a constitucionalidade do piso e da carga horária de interação com os estudantes (pauta já vencida pelo STF em favor dos professores, garantindo o inteiro teor da lei), a Lei do Piso não representa o que o trabalhador necessita para sobreviver com dignidade, não estabelece regras claras para as redes de ensino que não oferecem 40 horas de trabalho docente, não define os percentuais de reajuste para a titulação dos professores, além de não estabelecer punições para os gestores que não cumprirem a lei.

            A Lei do Piso estabelece que a atualização salarial deva ocorrer em janeiro de cada ano, levando-se em conta “o mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano, definido nacionalmente”, valor corrigido em 2013, estipulado em R$ 1.567,00.

            Valor aquém do necessário para a sobrevivência com dignidade do trabalhador, pois segundo o DIEESE o Salário Mínimo Necessário referente a julho de 2013 é de R$ 2.750,83. “Para calcular o Salário Mínimo Necessário, o DIEESE considera o preceito constitucional de que o salário mínimo deve atender às necessidades básicas do trabalhador e de sua família e que é único para todo o país. Usa como base também o Decreto lei 399, que estabelece que o gasto com alimentação de um trabalhador adulto não pode ser inferior ao custo da Cesta Básica Nacional”. (DIEESE, 1993)[1].

            Estudo do DIEESE[2] de 2012 aponta que, em média, o piso salarial “dos trabalhadores da esfera privada e de empresas estatais nos setores da Indústria, Comércio, Serviços e Rural” (excluídos os profissionais da educação pública) com nível universitário foi de R$ 1.775,61. Comparado com o Piso do Magistério em 2012 para o nível médio, que foi de R$ 1.451,00, podemos inferir que a maior parte das redes públicas pagou menos que este valor (de R$ 1.775,61) aos professores licenciados, sem pós-graduação.

            Segundo dados da Folha de São Paulo (13 de agosto de 2013), que avaliou as 27 capitais do país, apenas Macapá paga aos professores abaixo do Piso, R$ 1.345,60. Aracaju/SE, Teresina/SE e Porto Velho/RO, pagam exatamente o valor do Piso aos professores (R$ 1.567,00). De um extremo ao outro, Curitiba/PR (R$ 3.063,4), Porto Alegre/RS (R$ 3.048,00) e Rio de Janeiro (R$ 2.933,00) são as capitais que melhor remuneram o professor, com relação ao piso salarial, mas 23 capitais remuneram com o piso abaixo do Salário Mínimo Necessário do DIEESE.

            Se compararmos João Pessoa/PB com Aracaju/SE, duas cidades de mesmo porte, situadas no nordeste (com a diferença que Sergipe é um estado produtor de petróleo o que garante arrecadação de recursos do FUNDEB, sem necessidade da Complementação da União) verificamos a discrepância salarial. A capital paraibana estabeleceu o piso em R$ 2.800,00, um valor 78% que o piso pago pela capital sergipana.

            Infelizmente muitos estudos deixam de analisar a carreira do magistério como um todo. De acordo com a Tabela Salarial dos Profissionais do Magistério da Educação Básica de Aracaju, o teto salarial de um professor em final de carreira com mestrado ou doutorado (a lei não distinção nessa titulação) é de R$ 3.115,24 (sem os adicionais de triênio e o adicional de 1/3). Ou seja, depois de 20 anos de magistério o professor tem como salário um valor próximo ao necessário do salário mínimo.

            Se fizermos uma análise da realidade da maioria dos professores da rede pública de Aracaju/SE, vamos verificar que a maioria está enquadrada no Nível II da carreira, ou seja, possuem especialização. Para os que estão em início de carreira a Tabela Salarial prevê uma remuneração 2.235,63, menor que o Piso de 12 capitais brasileiras e os que estão em fim de carreira, neste nível, terão uma remuneração próxima ao Salário Mínimo Necessário.

            Ou seja, a Lei do Piso Salarial é frágil, a realidade salarial dos profissionais do magistério é precarizada e os gestores que não cumprem a lei não são punidos. “A lei não prevê sanção automática ao gestor que descumpre a regra. Ao sancionar a norma, o então presidente Lula afirmou que só cabe punição se comprovada a desonestidade do administrador” (Folha de São Paulo, 13 agosto de 2013). Assim, além de Macapá que não cumprem a lei do piso com relação ao valor mínimo da remuneração, 11 capitais[3] (segundo a pesquisa da Folha de São Paulo) não cumprem o dispositivo da lei que diz que o docente pode utilizar 1/3 da sua carga horária para planejar, corrigir avaliações, estudar etc.




[1] “Cesta Básica Nacional – Metodologia”, obtido em: http://www.dieese.org.br/metodologia/metodologiaCestaBasica.pdf
[2] “Balanço dos pisos salariais negociados em 2012”, obtido em: http://www.dieese.org.br/balancodospisos/2012/estPesq67BalPisos2012.pdf
[3] Manaus, Belém, Cuiabá, Campo Grande, Florianópolis, São Paulo, Vitória, Salvador, Maceió, Recife e Natal.

Quimeras literárias

- Cheguei!!!!! Vamos comemorar?
- Quanta felicidade, o que houve?
- Pedi demissão!!!!
- O que? Tá maluco, marido? E nós vamos viver de que?
- De livros, do dinheiro que receberei da indenização compraremos livros!!!
- Endoidou? E as crianças?
- Vamos adquirir centenas de livros infantis, ora!!!!
- E as contas, como iremos pagar?
- Deixa as contar para lá, vamos ler Clarice, Drummond, Saramago, Leminski, Gabriel Garcia...
- Livro não alimenta a barriga...
- Vamos chamar nossos amigos, fazer sessões de poesia, círculos de leitura, debates...
- Você só pode estar brincando comigo...
- Ah, e vou projetar um carrinho de livros, sair pelas praças, pela praia, fazer com que as pessoas degustem as obras...
- Só sendo, o povo só quer saber de tomar cerveja!
- Vamos mudar esse país com essa iniciativa, você vai ver...
- Vamos nos atolar em dívidas e morrer de fome, você vai ver!
- Veja que maravilha, acordaremos embebidos de literatura, embriagados de poesia, inebriados com os contos preferidos...
- E a Previdência, marido? ? ? ? ? ?
- Teremos livros suficientes para ter uma velhice digna!
- E o Plano de Saúde? ? ? ? ?
- Os cuidados da Clarice serão suficientes!
- E a escola das crianças? ? ? ? ?

- Serão doutores em dignidade, plenos de humanidade!

12.8.13

A situação da Educação Infantil em Sergipe

O IDHM divulgado recentemente mostra que a Educação foi a dimensão que mais evoluiu no Brasil entre as outras avaliadas (Longevidade e Renda). A ONU (PNUD) e o IPEA, responsáveis pelo estudo a partir dos Censos de 1991, 2000 e 2010, afirmam que o IDHM é um indicador diferenciado, mais humano, que despreza o indicador do PIB, mais financeiro, e que não consegue refletir a realidade. Porém, o IDHM é um indicador limitado que despreza dados importantes, especialmente no quesito educação, pois negligencia os dados sobre, por exemplo, a educação infantil (especificamente as creches), etapa inicial e essencial da educação básica.

Em Sergipe, os dados do Censo 2010 apontavam que no estado havia 32.338 crianças de até um ano de idade e 101.335 crianças na faixa etária entre 1 e 3 anos, ou seja, crianças que deveriam estar matriculados na Educação Infantil (quase 40.000 crianças da faixa etária de 0 a 3 anos residindo em áreas do Campo). Os dados de matrículas 2010, considerados no FUNDEB 2011 (FNDE), apontam que na Rede Pública Estadual de Sergipe nenhuma criança foi matriculada em Creche, seja ela de tempo parcial ou integral, por força inclusive da Lei 11.494/07 (Lei do FUNDEB) que diz que a Educação Infantil não é área prioritária do Governo Estadual. Nas Redes Públicas Municipais (levando em consideração os 75 municípios de Sergipe) apenas 4.073 crianças foram matriculadas em Creches Públicas de tempo integral (CI) e 3.490 em Creches de tempo parcial (CP). Apenas oito municípios optaram pela matrícula via Instituições Conveniadas, que segundo a Lei do FUNDEB implica a matrícula em Creches, Pré-Escola (etapa permitida até 2016) e Educação Especial em “instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos e conveniadas com o poder público”. Os municípios foram Aracaju (CI 71 matrículas, CP 20), Indiaroba (CI 108), Lagarto (20 CP), Nossa Senhora do Socorro (13 CI), Pacatuba (20 CP), Propriá (CI 120, CP 19), Riachuelo (42 CI) e Santa Rosa de Lima (95 CP).

Ou seja, das 133.673 crianças de Sergipe na faixa etária entre 0 a 3 anos em 2010, apenas 8.091 estavam matriculadas em Creches Públicas (7.563) ou Conveniadas (528) o que representa 6,05% das crianças, número que se amplia com as matrículas na rede privada. Segundo o Censo da Educação Básica 2010, 2.025 crianças estavam matriculadas em Creches privadas, em 28 municípios, porém com a concentração maior de matrículas na capital com 562 crianças matriculadas.

Considerando a Meta 01 do PNE (2011-2020) que é de matricular (apenas) 50% das crianças em Creches até 2020, fica evidente que esta meta, no ritmo das políticas públicas do Governo Federal (que está financiando a construção de Creches), nunca chegará à sua perspectiva. O próprio documento oficial do Senado, intitulado Notas Técnicas PNE 2011-2020, faz uma projeção linear de crescimento de matrículas que em 2020 as matrículas devem atingir no máximo 44,5%. O documento afirma que entre 2005 e 2009 a frequência de matrículas nas Creches aumentou no Brasil de 13,4% para 18,4%, com um crescimento médio de 8,5% ao ano. Mesmo utilizando esse raciocínio simplório de crescimento proporcional, sem nenhuma análise das políticas públicas, o próprio Senado admite que a Meta 01 do PNE 2011-2020 é inalcançável e se considerarmos as matrículas na Rede Pública de Sergipe, no ritmo das construções de Creches, prometidas pelo Governo Federal, a Meta 01, pode-se dizer impossível.

A lógica perversa do FUNDEB de atuação prioritária fez com que o Estado de Sergipe fosse ao longo dos anos suprimindo suas matrículas em Creche até zerá-las em 2010. As políticas municipais, enviesadas e com um discurso de dependência de recursos federais, não deram conta da construção de novas unidades escolares, muito menos contratação de professores, ocasionando o avanço do setor privado que passou de 1.616 matrículas em 2009 para 2.025 em 2010 (crescimento de 25%).

Para termos por base indicadores mais recentes as matrículas 2012 (considerados no FUNDEB 2013) em Sergipe de CI foram de 4.839 e as matrículas nas CP foram de 4.203, um crescimento de 19,55% entre 2010 e 2012, um pouco acima da média nacional (se comparados com os dados 2005-2009), porém muito distante da meta estipulada no PNE 2011-2020 e com indicativo de milhares de crianças fora da escola. Além do mais, 27 municípios em Sergipe não registraram, em 2012, matrícula em Creche pública o que representa 36% dos municípios no Estado.

Como a Meta 01 não estipula em que rede deve a criança estar matriculada (pública ou privada) e como as políticas públicas não avançam a contento[1], o setor privado abocanha essa fatia com certa voracidade, pois a lógica da educação como mercadoria esbarra nas necessidades específicas das Creches, como por exemplo, a relação professor-aluno que deve ser bem menor se comparada com os outros níveis e modalidades de ensino. Mesmo assim, como demonstra a tabela 01, que apresenta a evolução das matrículas (Sergipe) em Creches nas redes Estadual, Municipal e Privada, desconsiderando as matrículas realizadas nas Instituições Conveniadas (Censo Escolar), verificamos que proporcionalmente a Rede Privada é a que mais cresce em Sergipe, especialmente após o Governo Estadual zerar as matrículas a partir de 2010:

Tabela 01 – Evolução das matrículas em Creches (Sergipe)
Dependência / anos
2007
2008
2009
2010
2011
2012
% crescimento 2011-2012
Estadual
82
106
59
00
00
00

Municipal
6515
6454
6995
7563
7936
9087
14,5%
Privada
1484
1725
1616
2025
2334
3390
45,24%
Fonte: Censo Escolar (INEP)

Ao analisar as funções docentes das creches públicas municipais em Sergipe verificamos um quadro preocupante. Em 2010 existiam 343 docentes, sendo que 19 sem formação no ensino médio, 29 apenas com ensino médio, 183 com o curso Normal Médio, 112 com graduação e 103 com licenciatura (dados obtidos nos Indicadores Demográficos e Educacionais / MEC). Isso demonstra que as políticas de formação propostas pelo Governo Federal, a exemplo do PARFOR, não tem conseguido ampliar a formação dos docentes. Se fizermos uma relação desses dados de escolaridade com as escolas do campo municipais, que em 2010 eram 118, superior às escolas urbanas (103), evidencia-se que boa parte desses professores sem a formação mínima está presente na Educação do Campo, historicamente negligenciada pelo poder público.


[1] Os dados do próprio SIMEC (Painel Educacional do MEC) afirmam que o déficit de unidades escolares para atender crianças de 0 a 5 anos, no Estado de Sergipe, é de 296. O “Creche Pré-PAC 2” indica a construção de 27 unidades escolares e o “PAC 2” indica 19 unidades aprovadas (de 71 previstas para todo o estado), números muito aquém da demanda.

7.8.13

O QUE ACONTECEU COM POÇO REDONDO?


Divulgado recentemente o Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios (IDHM) representa, de certa maneira, o IDH tupiniquim. Mas, o próprio documento sobre metodologia do IDHM, elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU/PNUD), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Fundação João Pinheiro, adverte: “É errado fazer qualquer tipo de comparação entre o IDHM de um município e o IDH de um país. O IDHM tem como inspiração o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), mas diferencia-se de seu cálculo em função dos ajustes que sofre para melhor se adequar à realidade brasileira.”.

O IDH é um referencial magro, com poucos elementos de análise, predominantemente quantitativo e não reflete a realidade dos países - o IDHM acompanha essa lógica e leva em consideração três dimensões: Educação, Longevidade e Renda.

Mas, é inegável a força desses dados quando divulgados com estardalhaço pela mídia e como devem mexer com a cabeça dos munícipes, especialmente quando estão no topo do ranking. É o caso de Melgaço no Pará, apontado como o pior município no Brasil, último lugar com 0,418 no IDHM e mereceu até uma foto num jornal de grande circulação nacional e matérias em programas televisivos dominicais (uma dessas matérias creditava à corrupção o elemento central nos baixos índices alcançados por Melgaço (PA), Fernando Falcão (MA) e Atalaia do Norte (AM)). Acredito que em todos os estados o monopólio midiático fez matérias jornalísticas com os municípios de “alto” e “baixo” índice, mostrando a evolução ao longo dos anos (o Atlas do Desenvolvimento Humano compara os dados do Censo de 1991, 2000 e 2010) e apontando os vilões da história, sem estabelecer nexos e relações com a realidade social e econômica em que vivemos.

Em Sergipe, o município de Poço Redondo ficou na berlinda. Situado na microrregião sergipana do Sertão do São Francisco e com uma população de pouco mais de trinta mil habitantes (Censo 2010), Poço Redondo ficou na posição 5402 entre os 5565 municípios do país. O IDHM foi de 0,529, considerado baixo pelos critérios adotados pela ONU, porém distante do índice 0,228 alcançado em 1991 e 0,363 alcançado em 2000.

Como em todo Brasil a dimensão Educação foi a grande vilã de Poço Redondo. Com índice 0,376, em 2010, foi superada pela dimensão Renda (0,519) e Longevidade (0,760), mas foi o indicador que mais evoluiu ao longo dos três censos realizados. Mas, o que a maioria da população não vai se perguntar é o que é levado em consideração para apurar tal índice? E talvez o mais importante, o que não é levado em consideração? A metodologia do IDHM Educação leva em consideração a população adulta com ensino fundamental completo (22,24% em Poço Redondo, 2010), crianças de 5 a 6 anos frequentando a escola (88,89% em Poço Redondo, 2010), jovens de 11 a 13 anos nos anos finais do ensino fundamental (61,71% em Poço Redondo, 2010) jovens de 15 a 17 com ensino fundamental completo (28,36% em Poço Redondo, 2010) e jovens de 18 a 20 anos com ensino médio completo (16,56% em Poço Redondo, 2010).

A primeira pergunta que surge: e as creches? Por que não entram nessa conta? A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica é um momento crucial para a formação do indivíduo e numa necessidade para a classe trabalhadora, explorada e empobrecida pelo sistema e altamente dependente de um sistema escolar que possa ajudar na formação de seus filhos desde a tenra idade, porém negligenciada pelo poder público. Em Poço Redondo não existe registro de matrícula em creches da rede pública municipal em 2010 (muito menos em 2012 e 2013, estranhamente em 2011 foram matriculadas 92 crianças em creches de tempo parcial, segundo dados do FNDE a partir dos dados para composição do FUNDEB). Segundo o Censo 2010, 10,08% das crianças de 0 a 3 anos de Poço Redondo estavam na escola, provavelmente na rede privada de ensino. Neste caso, incluir as creches na conta do IDHM seria rebaixar demais os índices.

Querem mais dados estarrecedores? 38,69% das pessoas acima de 18 anos de Poço Redondo (2010) não foram alfabetizadas. Outro polo do processo educacional que o Governo Federal fechou os olhos. Mas, o que esperar de uma população com renda per capita de R$ 202,24? Com renda apropriada pelos 20% mais ricos de 61,35% em detrimento dos 80% mais pobres que se apropriam de 38,65 da renda? A concentração de renda, própria dos regimes capitalistas, é a responsável pelo rebaixamento das condições de vida da população, ainda mais quando estamos tratando de um município com 72,35% (2010) da população vivendo na zona rural. População do campo historicamente negligenciada pelo poder público, em especial no tocante à educação, o que explica, inclusive, o porquê de muitas escolas do campo não comporem os índices do IDEB.


O que separa São Caetano do Sul (SP) de Melgaço (PA)? Aracaju (SE) de Poço Redondo (SE)? Uma leitura mais aprofundada, e distante dos “holofotes” das corporações midiáticas, se faz necessária a partir da compreensão da formação histórica da sociedade brasileira, das relações de poder nos moldes do coronelismo ainda vigente, da concentração de renda, dos recursos públicos destinado ao pagamento da dívida pública em detrimento da saúde e educação da população, das fraudes eleitorais e por que não, da corrupção endêmica inerente a esse sistema excludente em que vivemos. O poço é muito mais fundo do que se possa imaginar.