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13.11.13

Apenas uma sessão

Foi com a turminha de adolescentes para o cinema que ficava no centro da cidade e hoje, transformado em igreja, padece dessas esporádicas lembranças dos anos 1990.

Naquela época não importava o filme, o diretor ou o enredo. Mais valia sair com os amigos do ensino médio, então segundo grau, para curtir uma tarde e quem sabe arrancar o primeiro beijo.

Não estava confiante que o filme do Batman pudesse atrair um clima animador para desvirginar os lábios, mas só o fato de estar em boa companhia já superava as expectativas. Naquela época não havia cadeiras numeradas, nem várias telas com uma diversidade de filmes, muito menos era preciso sair da sessão caso você optasse por ver o mesmo filme a tarde inteira.

Um combinado tácito também era comum. Alternância de meninos e meninas nas cadeiras, pois com a ajuda do escurinho do cinema era mais fácil vencer a timidez e quem sabe emplacar um namoro. Da mesma forma como o filme era indiferente, naquela seca brava de contatos íntimos, tanto fazia a garota que sentasse ao teu lado. Mas, quando você dava a sorte de sentar ao lado de uma garota linda, não era prudente desperdiçar a oportunidade.

As mãos suadas denunciavam o quanto era preciso ignorar o preço do ingresso e tentar ao menos estimular uma resposta positiva. Sorrateiramente e com muito cuidado, os dedos avançavam, encostavam quase sem querer a outra mão desejada. A reação inopinada de contato recíproco fazia o coração bater mais forte e encorajava o avanço com muita cautela e medida, nada que os anos 1990 pudesse achar libidinoso.
A primeira reação é como se estivesse estiolado, que aliado ao escuro da sessão todo o ar tivesse sido sulgado porta afora. Era preciso vencer a si mesmo. Passar das mãos às bochechas macias e rosadas, sentir o dengo desejar mais carinho. As mãos delicadas daquele que nunca precisou pegar num cabo de enxada, ajudavam a tornar aquela experiência tão simples e inocente numa aventura sentimental indescritível.

Desejava que aquele fosse o longa mais longo de Hollywood, para que as mãos doces pudessem cumprir plenamente a função que seria mais complexa ao acender das luzes. Acabou não dando espaço aos lábios virgens, deixou que as mãos se amassem até a vitória do homem morcego. Não queria correr riscos caso tentasse um beijo naquela posição oblíqua, imprópria para os amantes cinéfilos. Afinal, frente a frente já parecia ser um trabalho hercúleo para um neófito, imagine tendo que torcer o pescoço em noventa graus.

Luzes acessas e um pequeno percurso até o ponto de ônibus. Diminiu o passo, deixou a turma seguir e deu prosseguimento ao encontro caloroso das mãos. E agora? Teria que parar? Falar algo para então contrair o beijo? Desajeitado e sem construir algo idílio, soltou sem pensar:

- Acho que agora não precisamos de um manual de instruções.

Como um raio que parte uma casa ao meio, as mãos descolaram-se instantaneamente. Não viu nem o rastro do ônibus que levou embora aquele sonho que durou apenas uma sessão.

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