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19.1.06

“A bolsa ou a vida” e outros contos (de cem réis)

Gostaria de começar essas mal traçadas linhas por outro autor, que não o apontando no cabeçalho acima.
Estou na quinta tentativa de ler “A Paixão segundo G.H.” de Clarice Lispector. A dificuldade pode assentar na preocupação da autora no prefácio da obra: “Esse livro é como um livro qualquer. Mas eu ficaria contente se fosse lido apenas por pessoas de alma já formada...”. Imagine que desde os 16 anos que não consigo concluir o livro, talvez por começar sempre pelo prefácio e me ver diante da condição de alma formada, sugerida por Clarice. O que bem sei no momento é que já estou na página 89 (bem mais longe do que já fui). Talvez isso pode ser um indicativo de que o estado pueril que me dava conta esteja superado.
Mas o que chama atenção para o momento é a terceira perna. O livro começa com a angústia de G.H. ao perder sua terceira perna, “uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim uma tripé estável”. A personagem, e seu progresso narrativo, continua a afirmar que esse elemento que não mais existe (e que aparentemente é inútil, pois é possível andar com duas pernas) é essencial para o seu encontro, para sua organização, enfim para continuar vivendo.
Não sei exatamente o que uma alma bem formada pode definir como terceira perna, mas tenho por mim que o que me falta nesse momento é a minha liberdade – não que esse elemento seja útil ou necessário por completo para me fazer viver. É importante frisar também que o portador, ausente de liberdade, não se quer afirmar enquanto ser isolado, ao contrário, o conceito de liberdade parte do pressuposto do coletivo. E essa falta da terceira perna (contraditória por si mesma) é o conjunto da coerência e incoerência que me cerca nesse momento – e desde já me assumo enquanto incoerente para receber as devidas críticas, bem vindas de almas já formadas.
Me parece que minha liberdade tem um limite chamado bolsa. Não esse objeto feito por crônica de Drummond (quem dera), trato bolsa (financeira) essa que mais parece um osso corroído cheio de dentes a morder e que por vezes consegue inverter a lógica do raciocínio coletivo. Em primeiro lugar, a disputa não deve surgir no micro, pois as bolsas minguadas merecem uma análise de maior profundidade. Não podemos deixar de imaginar que tais bolsas já foram mais gordas e em maior número (havia bolsa até para especialização!), e que com o processo neoliberal do Estado mínimo não só as bolsas, como os empregos, o salário e a dignidade humana foram-se mais ainda. Se esse assunto “esquenta” o debate na pós-graduação, busquem vocês imaginar como anda a vida de 50 milhões de brasileiros que estão abaixo da linha da pobreza! Que tal se todos nós da Pós-Graduação (Educação Popular) estivéssemos alinhados com os desempregados de João Pessoa, com a mesma gana que estamos preocupados com as bolsas de estudos! Vamos acampar em Brasília e pedir ao Buarque que não cobre taxas dos universitários, que estabeleça condições dignas para a graduação, pós-graduação, para as creches, etc. Aproveitamos e invadimos o planalto, tomamos de assalto o poder e deixamos de pagar a dívida (milhões de dólares já pagos) e assim poderíamos garantir liberdade e cidadania para todo o povo!
Não deixemos que a bolsa vire moeda corrente, instrumento de coação, medo e atitudes de bajulação. A situação da bolsa está pior que exército de reserva, “se você não for um bom menino, Deus vai castigar”.
Marx, no Manifesto Comunista, trata sobre a relação do frio interesse monetário ao afirmar que: “(a burguesia) Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca e, no lugar de um sem-número de liberdades legítimas e duramente conquistadas, colocou a liberdade única, sem escrúpulos do comércio” (grifo nosso).
Assim, só posso acreditar em liberdade com atitudes tomadas na horizontal, não verticalizadas, discutidas no (e para o) coletivo. Esse ar impregnado merece ser baforado e transformado num debate ampliado, no coletivo, ideológico e não pessoal. Qual o projeto que fazemos parte? De que lado nós estamos? Essas perguntas devem estar bem claras ao discutimos as possibilidades históricas na luta em prol dos trabalhadores, ou dos nossos bolsos (e vaidade). Nesse caminhar quais as demandas imediatas? Restaurante Universitário, Residência Universitária, luta contra as taxas na Universidade (os alunos do CEFET estão pagando para fazer o mestrado), toda a população com acesso a educação básica e ensino superior, liberdade...
Pode parecer estranho (e alguns dirão coisas piores) esse discurso. Mas se me permitirem ao menos citar o Comandante Che, afirmarei: “quando o extraordinário se tornar cotidiano, fizemos a revolução”.
Indo mais além da água dessa fonte, procuro ajuda no educador russo Pistrak (analisado por Rossi), que debatendo sobre a estrutura de poder na escola, afirmou: “Não é raro ver-se representantes estudantis defendendo, nos órgão colegiados da administração escolar, não os interesses de seus pares e constituintes, os estudantes, mas os de uma administração que os cooptou mediante procedimentos diversos e nem sempre muitos morais que, nas famigeradas escolas particulares, chegam a envolver bolsas de estudo e outras vantagens concretas.”
Para quem entendeu a mensagem (e para quem a carapuça caiu – e aí já não é mais da minha ossada) fica a mensagem da terceira perna (liberdade, lembram?), que a discussão amiúde é interessante quando de fato existir um projeto popular de libertação nacional – não pela via eleitoral – uma libertação extraordinária, que venha dar a terceira perna a todo povo desse país.
Lauro Pires Xavier Neto

7.1.06

Ingerência nefasta do Banco Mundial no Alto-Oeste Potiguar


O Brasil é um país colônia, muitos dos nossos projetos são arquitetados pelo senhores do império (do regresso). Os trabalhadores rurais são os mais procurados para os engodos, assim evita-se o tensionamento social.

Lençóis Maranhenses - 2005

Ontologia


Ou como diria Chico César: "desculpem meus cabelos, brancos..."

Farra em Família

turma de pedagogia de Pau dos Ferros/RN em João Pessoa/PB

"surfando" com Lauro Bisneto em Coruripe-AL, em 2004

perdido na selva!!!!!!


Brincadeira, esta foto foi na Cachoeira do Pinga, em Portalegre/RN, durante o tratamento que fiz no joelho (estiramento no ligamento colateral do joelho - jogando bola, óbvio!!!)

estação das Docas - Belém do Pará

O descaso com o Povo do Semi-árido


No alto-oeste potiguar encontramos muitas casas de taipa, muitos jovens desempregados, assistência à saúde precária, educação pública sucateada - e ainda falam em "fim da história"?

cachoeira do Pinga em Portalegre-RN

Os olhos vivos de João Pedro Teixeira

Sexta-feira, 24 de maio de 2003, estive de volta a Sapé/PB. Fui com olhos de João Pedro, fui por Café-do-Vento, para melhor ver a alma dos trabalhadores de Sapé. Deixei a cidade em 2000 para trabalhar no Crato/CE, mas no período de 1999/2000 consegui enxergar como funciona a engrenagem dos que pilham a liberdade humana.
Em 1999, após concurso público, atuei como professor de Educação Física na Escola Municipal Luis Ribeiro e juntamente com professores de outras áreas começamos a sentir o cheiro do descaso. Salário baixo, perseguições, notícias sobre corrupção nos jornais da capital, cassação do prefeito (por oito vezes), denúncias, escândalos, violência. Nossos olhos sentiam mais: o porteiro da escola esquálido, faminto (Severino de pia), estava sempre com o salário atrasado; o diretor da escola poderoso, biônico, não era menos famélico, porém onipotente, comia osso e arrotava filé; os alunos atônitos, sem computadores, sem comida, sem merenda, sem arte, sem cultura; a cidade sem projetos, cheia de bandidos e democrática na base da chibata e do revólver; a população... sem trabalho, sem renda, usurpada, por vezes calada. E nós professores da segunda fase? Éramos oito (talvez), quase todos da capital, quase todos a espera do estágio probatório terminar e poder equalizar a voz rouca que teimava em não sair.
Esse quadro corroia minh’alma nos retornos solitários à João Pessoa, buscando respostas a tantas injustiças, com tantos corações postos a prova! Nesse entre e sai de Sapé, articulamos denúncias, fizemos assembléias, passeatas, escrevemos para o INSS, Tribunal de Contas, ligamos para o MEC, mandamos mensagens eletrônicas com revelações e revelações dos esquemas fraudulentos da Prefeitura. Pequenas vitórias, cassações, assume o vice, tudo como dantes! Na assunção do vice, o prefeito cassado acusava o antigo aliado, que por vezes parecia mais fraudulento que o antecessor.
E o povo? Esquecido, caluniado, deixado de lado, no embate democrático corria solta a propina, a humilhação. A fome, a miséria, o atraso, o descaso. Possível lembrar agora de Perfeição (Renato Manfredini Júnior): “vamos celebrar a estupidez humana, a estupidez de todas as nações, meu país e sua corja de assassinos, covardes, estupradores e ladrões (...) vamos celebrar nosso governo e nosso Estado, que não é nação (...) vamos comemorar como idiotas a cada fevereiro e feriado, todos os mortos na estrada, os mortos por falta de hospitais...”
Já corria no meu semblante o torpor, o descrédito, uma amálgama de revolta e impotência. Mas, numa dessa viagens, encontrei Jorge e seus papéis para a criação do Sindicato dos Servidores do Município, o que parecia uma pequena luz na escuridão. A labuta diária me fez acompanhar de longe a formação do sindicato, que se concretizou, tendo Jorge a frente junto alguns primeiros sindicalizados.
Enfim a soma de forças, contradições e lutas faz com que o Prefeito não consiga a reeleição e termine por passar alguns meses na Prisão Máxima de Mangabeira, a princípio uma vitória popular.
Mas o que é ser popular? É trocar de Prefeito, “eleito” pelo povo? O retorno a Sapé me disse o contrário. Estive por apenas uma manhã. Encontrei os velhos amigos-professores, por um acaso os mesmos, pois só eu havia deixado o Luis Ribeiro, encontrei Jorge, presidente do sindicato, editando o Jornal Força de Expressão. Conversei com os alunos, com os professores, com os sindicalistas... na verdade encontrei a mesma fome de outrora.
Pouca coisa mudou..., reformaram a escola! A mesma escola, sem computadores, sem atrativos, sem formação continuada. A mesma cidade do ano de 2000 (quando a deixei), a cidade de número 4128 (a partir da melhor situação social) dos 5507 municípios do Brasil, com índices de 0,211 de pobreza (numa escala de 0 a 1, que quanto maior o índice, melhor a situação social e entre 0 e 0,4 encontra-se no pior nível), 0,545 de alfabetização, pasmem 0,251 de escolaridade, 0,048 de emprego formal!, 0,020 de desigualdade (Pochmann e Amorim, 2003:198).
Mudou a Prefeitura? Analisem este artigo extraído do Jornal Força de Expressão de abril de 2003: “Família Feliciano afunda Sapé em Precatórios (...) A Família vem governando Sapé desde 1983, inicialmente com a primeira administração do atual prefeito, José Feliciano, que governou Sapé durante seis anos, passando o cargo para seu tio, José Feliciano Neto, que administrou o município por mais quatro, sendo eleita posteriormente, Maria de Fátima Gadelha Feliciano, esposa do atual prefeito, que teve seu mandato cassado por 9 meses, assumindo então seu cunhado, Roberto Flávio Malheiros Feliciano. A família então perdeu o poder para o médico João Carneiro Filho. Agora, de volta ao poder, a família mais uma vez tem José Feliciano Filho como prefeito(...)”.
Essa democradura imposta pela burguesia (oligárquica) do Brasil é analisada por Paulo Freire em Educação como Prática da Liberdade (1980:74), quando afirma que “Em verdade, o que caracterizou, desde o início a nossa formação, foi sem dúvida, o poder exarcebado. (...) Poder exacerbado a que foi se associando sempre submissão. (...) Esta foi, na verdade, a constante de toda nossa vida colonial. Sempre o homem esmagado pelo poder”.
Essa Sapé-colônia, de uns ditos poderosos, tem a fome como forma imperante de domínio e submissão, na manutenção da consciência ingênua (Freireana) do povo, mantendo como legítima (para eles) a dominação. Mas, este não é o momento de retomada do torpor... aprendemos a dialética, carregamos os olhos vivos de João Pedro, aprendemos o movimento das coisas, do ser. Um novo “Canudos” se aproxima, a liberdade está posta a quem quiser servi-la, através da ação concreta da luta (tão bem realizada pelas Ligas Camponesas). Segundo o Jornal Correio da Paraíba (24/05/03, A-5), o líder do Sem-Terra José Rainha afirmou que o “objetivo do movimento é formar um novo Canudos no Pontal do Parapanema.” Avaliamos, então, que a luta Sem-Terra extrapolou a reforma agrária, que assim como o Vietnã, devemos formar dez, cem, mil, Canudos, espalhados pelas diversas ‘colônias’ desse país.
O que nos anima? Pelo menos o paralelo temporal com a concretude das idéias de Paulo Freire. De que época falamos? Do Governo João Goulart (Lula), popular, do movimento das Ligas Camponesas (MST), da ação concreta, das 40 horas de Angicos/RN (3426 no ranking da exclusão social em 2000). E quais os conceitos de Educação Popular (extraídos de Educação como Prática da Liberdade)? Eis o que absorvemos:
1) Educação Popular é a consciência da população enquanto classe dos trabalhadores;
2) Educação Popular é o fazer da desobediência civil, é transcender da ‘democracia burguesa’;
3) Educação Popular é ser radical (e amoroso), é não acomodar-se;
4) Educação Popular é um sem-número de tarefas a cumprir;
5) Educação Popular é não deixar o povo silenciar;
6) Educação Popular é a educação da consciência da transitividade;
7) Educação Popular é a ingerência nos destinos da vida social;
8) Educação Popular são as bases da educação popular nelas e para elas (enquanto classe de trabalhadores);
E quais as condições concretas que temos para a realização das transformações sociais diante dos quadros de democradura, colônia, submissão, educação formal decadente, poder econômico da burguesia? Freire nos aponta alguns caminhos para a discussão, ao relatar: “A democracia que, antes de ser forma política, é forma de vida, se caracteriza sobretudo por forte dose de transitividade de consciência de comportamento do homem(/mulher). Transitividade que não nasce e nem se desenvolve a não ser dentro de certas condições em que o homem(/mulher) seja lançado ao debate, ao exame de seus problemas e dos problemas comuns. Em que o homem(/mulher) participe.” (1980:80)
João Pedro (que me emprestou seus olhos) mira agora na resistência popular dos povos oprimidos, olha para os índios no Equador e Bolívia, para os círculos bolivarianos na Venezuleza, para a resistência na Colômbia, para o Povo Palestino, enfim para o MST e sua campanha de formação de militantes, para a formação da insurgência popular (que pode ter o nome de novo Canudos).
E neste fim (que se configura enquanto começo) trazemos de volta Perfeição: “Venha, meu coração está com pressa, quando a esperança está dispersa, só a verdade me liberta, chega de maldade e opressão. Venha, o amor tem sempre a porta aberta e vem chegando a Primavera, nosso futuro recomeça, venha que o que vem é Perfeição”.

Fernando de Noronha - 2003

Hebe Bonafini - Mães da Praça de Maio da Argentina


Fórum Social Mundial de Porto Alegre/RS - 2003

Foz do Iguaçu - 1995


Não há como descrever a cena, as Cataratas de Foz são inenarráveis!!!

com os/as alunos/as da escola municipal Felipe Fernandes em Dr. Severiano/RN


Atividade Curricular em Comunidade que acontece no município de Dr. Severiano. Escola Municipal com turmas multisseriadas, conhecida como escola da Vila.

Curtindo a nova orla de Aracaju/SE


A orla que não é mar, é lago artificial!!!!!

Lauro e Delânia - Hidrelétrica de Xingó/SE

3.1.06

"NAÇÃO NORDESTINA"

“...só conhecimento liberta verdadeiramente as pessoas” José Martí
Aprendi no convívio familiar a verdadeira face das palavras "pai" e "mãe". Descobri que aquelas pessoas que criam e tomam a responsabilidade pelo filho, se tornam seus legítimos parentes, independente daqueles "pais" biológicos, que efetuaram o ato da geração. Gerar um filho é educá-lo, amá-lo, tê-lo como próprio sangue. Assim aprendi com o conceito de cidade natal. Tradicionalmente meu pai e meus avôs paternos criaram raízes em João Pessoa na Paraíba. Lá meu avô lutou, por toda sua vida, pelo verde e pela ecologia, ainda mesmo quando este termo não era corriqueiro na época. Estruturou sua história, construiu respeito através do conhecimento e da causa que semeou. Meu avô nasceu, se criou e batalhou coletivamente pela cidade, sendo assim verdadeiramente filho da terra. Ao contrário dessa história, nasci em terra "estrangeira", recifense de maternidade, local de nascimento de minha mãe e sua família. Lá passei os dois primeiros anos, apenas. Não me sinto pernambucano, até porque de lá começou uma saga de mudanças e histórias para contar. Tentem me acompanhar: dois anos em Brasília/DF, dois em Madrid/Espanha, dezenove em João Pessoa/PB, dois no Crato/CE, sem falar em Aracaju/SE onde residem meus pais atualmente e sem contar as idas à Natal/RN, Sapé/PB (onde trabalhei dois anos), Campina Grande/PB, Olinda/PE, Juazeiro do Norte/CE.
Foi no trabalho que desenvolvi em Sapé/PB e no Crato/CE que descobri a essência da terra natal. Esta terra é aquela pela qual nos dedicamos, por sua gente, seu povo e sua história. Em Sapé ajudei a desvendar a caixa preta do FUNDEF, depois de muitos desmandos daqueles que se diziam naturais da cidade. Vi homens desprezando seu povo, com um poder pífio nas mãos. Lá batalhamos pelos professores e pelas condições dignas das comunidades, chegando ao ponto de receber ameaças e ver um revólver perto do rosto. No Crato/CE não foi diferente, trabalhei numa Universidade de Coronéis, repleta de desvios e desmandos, arraigada por uma estrutura de poder injusta e inconsequente que visava aos ditos cearenses de berço. Nada disso me envaidece ou me torna melhor, nem pior que ninguém. Apenas senti que o local que estou merece meu respeito, e por isso posso me sentir adotado pela cidade. Quando cheguei a Jequié/BA descobri que nada era diferente. O mundo continua com sua atrocidades e seus algozes, estejam eles nos EUA (vide Bush), Israel (vide Sharon), ou Jequié, e aqui é só virar o rosto e encontrar o Governador do Estado, natural da cidade e sua trupe neoliberal, olhando de lado para sua gente. Vamos aos dados e os efeitos nefastos em Jequié. A Bahia é o campeão de analfabetos do Brasil (2.247.527 analfabetos), é o pior estado do país com relação a casas sem banheiro ou sanitários, e possui 1.215.309 residências sem coleta de lixo! (Fonte IBGE 2000). Jequié enfrenta problemas mil: fábricas escravizando pessoas, transporte coletivo desrespeitando idosos, projetos esportivos alienantes, muitas favelas e poucas opções de emprego e lazer. Esses dados representam, a cara de alguns "filhos" da cidade que relegam milhões à miséria e que apenas tem interesses particulares, relativos ao seu próprio bolso. Não consegui ficar parado diante desta cidade que me acolheu. Temos tentado articular um trabalho de base com as Associações, junto com os movimentos sociais e os excluídos da região. Amo Jequié, seu povo sofrido e empobrecido por aqueles movidos por interesses pessoais. Nasci aqui há 08 meses, e fico feliz pelo Róiz (Caros Amigos) ter me chamado de Jequieense, que neste contexto me faz ser filho da terra e da Nação Nordestina, como aqueles altruístas que lutam por um mundo socialista e por uma Universidade Popular, negra, índia, dos povos excluídos. Sim, e antes que me esqueça, aprendi também a debater as questões científicas nos fóruns privilegiados e não nos corredores, por isso, aqueles que por ventura desejem abrir um debate sobre "Esporte Mata" do Róiz, ou qualquer outro assunto pertinente e só dizer "a hora, o local e a razão".

“Pátria Livre, Venceremos!”

Lauro Xavier Neto
Recifense
Filho de Jequié
Nação Nordestina

o pastor inerme

Citando o caminho, a porta vou abrir
Pé ante pé, tentar chegar ao infinito
De pés descalços o pastor inerme, sorri
Mira seu rebanho, faminto

Deus não mais está
Nem nunca esteve
Sonho iludido em festa
Soluçou bem fundo e reteve

Agora, longe de encontrar
Perde-se em si mesmo
E ninguém mais te ouve
Nem mesmo a rima que perdi

A sala vazia é o som que restou
Sonho inexeqüível – do pastor
Virar poeta
Da fome, virar paixão

F. Linho 19/02/04

Anorexia amorosa

A fome orgânica
Faz-se necessária
Mantendo viva
A chama da vida

Minha fome se esgota
Num prato cheio de amor
Numa noite bem dormida
Alimentada
Pela chama de pensar em ti

Hoje não comi,
Não bebi
Apenas senti o gosto amargo
De não te encontrar dentro de mim
E não saber com quem está
O meu, o teu, coração

Hoje à noite
Preciso me alimentar
Comer, dormir, amar

... e continuar sentindo tua falta,
mesmo que você nem exista...


crato/junho/2000

Fim (de Feira) de Carnaval

Encontrei Pedro Osmar na Feira de Jaguaribe
Uma feira, sem pé, nem cabeça
De chinelos e pregos
De frangos sem cabeças, de camarão sem cabeça
De gente sem...

Dinheiro no bolso, ante a fartura de cabeças
de alhos porós – quase esbarro, quase caio
No meio da multidão, que grita
Vende, pesa, esbarra
Ante o tomate, a cebola, o coentro
A falta de quase nada, num quase tudo
Comestível
Uma mistura de chão sujo, limpo
Meus olhos com ares de verdureiro

Enxergar o Pedro, da carne de Jaguaribe
Do Jaguaribe Carne, na feira que tudo tem
Guerrilha, resistência – fome
Prá onde vai tanta comida,
De onde vem tanta miséria?
Da música, da feira, de uma quarta
Feira de fimdecarnaval

Prá onde vai o Guerrilheiro
Carregando a cultura, na mão?
Vai sua boca, munição
Que atira nos pés calçados
Daqueles que não fazem feira
Apenas festejam a riqueza do Carnaval
De matar os outros de fome
Essa é a Feira, esse é o Pedro
Que seja sempre Osmar! Oxalá!
Que seja sempre carne,
Jaguaribe, a Feira de Guerrilhar


Frederico Linho, JPA 25/02/04

Neoliberalismo

Você já deve ter ouvido falar em neoliberalismo, superávit primário, globalização e multinacionais. Mas o que isso representa diretamente na vida do/a trabalhador/a? Esses termos fazem parte da estrutura do nosso sistema econômico caracterizado pelo acúmulo de dinheiro nas mãos de poucos e na propriedade privada – sistema esse chamado de capitalismo e que privilegia uma minoria e faz com a maioria da população seja explorada pelo patrão e não tenha acesso aos bens de consumo.
Grandes empresas espalhadas pelo mundo inteiro hoje decidem o nosso destino, inclusive o destino daqueles que passam fome ou estão desempregados, decidem também quanto deve ser o nosso salário, o que devemos vestir e comer. Pense e reflita, você está satisfeito/a com a situação econômica do nosso Brasil? Contente com os milhares de famintos, analfabetos, sem teto e sem terra, num país tão rico e cheio de esperanças? Um país tão grande com tantas terras não pode ter tanta gente passando fome e sem emprego, isso é um absurdo! E você sabe por que tanta desigualdade social? Porque o Brasil é um país capitalista que não se livrou da situação de colônia que nos persegue há mais de 500 anos. Hoje somos escravos de empresas multinacionais que ditam a nossa história e acabam com a vida de milhões de brasileiros/as e irmãos/irmãs latino-americanos/as.
Precisamos dar um basta a tudo isso. Precisamos debater com mais profundidade a ALCA, os transgênicos, a Guerra de Bush, o embargo criminoso à Cuba, Reforma Agrária, a TV/rádio/jornal dos ricos. Enfim, precisamos conquistar nossa liberdade e nossa autonomia com uma nova base econômica mais justa e solidária, só o POVO brasileiro poderá conquistar isso com muita luta e organização coletiva.

Acefalia Uerniana e o Morcego Augustiano

Quarta-feira, ao ENCOPE me recolho.
“Meu Deus! E tantos votos contra em Pau dos Ferros, como pode?”
Surpreende-se um candidato a vice-reitor: “E vocês novatos, já decidiram seu voto?”.
A bruta ardência orgânica do desespero fecha os pau ferrenses numa sala e começa a discursar. Morde-nos a goela, ígneo e escaldante molho.
“Vou mandar levantar outra parede...”, diz.
(além daquelas da atual administração).

O propenso candidato pega de um pau, esforços faz, chega a nos agredir indiretamente
Nos chama de acéfalos
Minh´alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio discurso?
Diz que a luta de classes acabou, que não existe mais o proletariado.

Pois é candidato, a nossa consciência é como um morcego,
Por mais desesperado que você esteja, ela existe
E não precisamos ir muito longe, ou estarmos a muito tempo na UERN
Basta lermos aos domingos a coluna do candidato a Reitor
Ou prestarmos um pouco de atenção no seu discurso

Ou verificarmos as práticas da atual administração
Que fecha o nariz para conceder direitos, como a DE, para os professores
Que obriga os professores a trabalhar em Núcleos para interesses não bem esclarecidos
Que não trata a universidade como espaço democrático

Para o Vice, o Fim da História foi anunciado,
Para nós um Novo Tempo se aproxima
E não com discursos de que o cargo de Reitor
Assemelha-se com o de Secretário de Estado subserviente (sic)

E não com discursos que a Universidade é o local privilegiado do mérito pessoal
Positivismos a parte (pensamento único, também), a Universidade é do Povo
Assim como o céu é do Condor
Assim como precisamos construir a UERN sob novas bases, populares

A Consciência Humana, senhor candidato a Vice, é esse morcego!
Por mais que agente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto.
Por mais que você não queira!
“Amanhã vai ser outro dia”

A terceira perna

“O poder absoluto de decisão para indicar o reitor e o vice-reitor
da universidade, (...), compete exclusivamente à governadora.
(...) Logo entende-se que ela poderá nomear o terceiro ou o
segundo da lista (...), afinal o cargo de reitor corresponde na prática
a um cargo de Secretário de Estado. (...) Logo, para todos os efeitos,
o reitor terá que ser pessoa de confiança da governadora, claro. Para
todos os efeitos, corresponde a um secretário de Estado.” Milton Marques (30/01/05)


Ao iniciar “A paixão segundo G. H.”, Clarisse Lispector avisa aos leitores que a obra é para aqueles de alma já formada. Por isso, pelejei durante quase dez anos para terminar a obra e entender o que a autora ucraniana queria disser com isso. Passei a compreender a metáfora da terceira perna, que por mais ineficiente que pudesse parecer (essa aparente aberração anatômica), tornou-se, para mim, uma busca incessante da liberdade tão sonhada.
Ter uma terceira perna é poder sonhar, viver, compreender e transformar o mundo. Tenho duas pernas e para muitos isso já basta, mas para aqueles de alma já formada, “dos que gostam dos que tem fome, dos que ardem de desejo” é preciso olhar mais além.
A atual administração me decepou, me arrancou o que eu havia conquistado e o que era mais eficiente em mim – tirou-me a terceira perna. Natural de Recife fui adotado por João Pessoa, e saí da segunda cidade mais verde do mundo para trabalhar como substituto na URCA (Ceará) e depois efetivo na UESB (Bahia). Morrendo de saudade voltei a João Pessoa e trabalhei 2004 como supervisor pedagógico do MEC (temporário até 2007) e larguei tudo para começar uma nova vida na UERN. Lembro bem a fala de um amigo me alertando dos perigos de uma universidade que a administração centralizava poder e perseguia professores, não dei ouvidos e cá estou.
Em pouco tempo sinto-me dilacerado, meus sonhos de pesquisa e extensão, de salário digno, do debate com a reitoria, da liberdade, todos esses ingredientes aos poucos foram enterrados com uma política mesquinha e equivocada, que privilegia um punhado de conchavos e não fornece margens para o diálogo.
O que mais me perturba é ler a coluna dominical do candidato a reitor da chapa da continuidade. A epígrafe desse texto já diz tudo, quem é a pessoa e o que ela representa. A todo tempo a campanha do reacionário tenta passar a imagem do homem puro, pai de família, empresário e bondoso. A imagem da neutralidade se apresenta como se na política não houvesse interesses outros. O remendo é pior. A epígrafe é a transcrição da coluna do dia 30/01, já em 27/02 o candidato disse que não era bem isso que queria escrever, que entendemos errado, que não é uma guerra (apesar de não remendar a parte que diz que o reitor é subserviente à governadora). Professor, eu já perdi uma perna, já mataram meus sonhos, já se apossaram do meu salário e das minhas diárias – o que será isto? Uma guerra santa? A paz dos túmulos?
O pior foi hoje (06/03), cansado de tropeçar chama outrem para preencher a coluna. Um puxa-saquismo aberto no próprio espaço do jornal reservado ao candidato - não poderiam nem ao menos ter escolhido outra coluna? O texto, depois de elogios rasgados, fecha com chave de ouro: “tenhamos cuidado na hora de abrir a boca para evitar divulgar fatos inverossímeis, pois dessa forma, prezamos a reputação de quem é digno por natureza”. Os prezados leitores deste tablóide merecem mais respeito. Este órgão, a serviço da direita, tem publicado que o candidato Tebas irá fechar os Núcleos e que parte para a agressão física na campanha. Quem está a dizer mentiras? Os chamados “fatos inverossímeis” estão publicados e ficarão para sempre na história deste estado, tais fatos são representados pela atual administração que castra, vilipendia e arranca nossas pernas e que apóia o bondoso homem intangível. A universidade não oferece Dedicação Exclusiva para pesquisa, passa a atrasar diárias e bolsas, passa meses sem pagar o Proformação (e só agora, na véspera da eleição, o dinheiro aparece), tem uma política equivocada de contratação temporária de funcionários (que ficam a mercê da boa vontade da administração), não estabelece uma diálogo saudável com os professores e persegue os chamados “desafetos”.
Talvez o pior se aproxime, pois a coluna do dia 27/02 diz “que só aceitaremos ser nomeados reitor e vice-reitor se formos escolhidos pela maioria da comunidade acadêmica da UERN”. Este filme eu já assisti em outra universidade. O bondoso candidato a reitor (e empresário) faz tal afirmação e não esclarece em qual procedimento. Explicaremos. Como o voto é camarão (pode-se votar a reitor numa chapa e vice na outra) poderemos ter uma dezena de combinações, e uma delas é a soma dos votos da chapa. Hipoteticamente podemos pensar que Tebas vença Marques e que Aécio vença Arilene, mas o total de votos dos candidatos da direita supere os da esquerda. O circo está armado. Como o Marques apenas afirma que só assumirá com a maioria dos votos e já vem afirmando que será subserviente a Governadora, teremos uma possibilidade de golpe à vista. Assim será fácil repetir o que já está escrito: que entendemos mal, que não era bem assim e que é preciso fazer a vontade da comunidade universitária.
Outro fato que me incomoda é a necessidade de um debate com os candidatos, o que até agora não aconteceu. Eleição sem debate é uma farsa! Já não basta que o pleito está marcado para o dia 18/03 (perto do fim do semestre, graças à intransigência do reitor), numa sexta-feira e já com ameaças que os transportes dos municípios, que trazem os alunos, possam boicotar a eleição nos Campi que o candidato a reitor perderá com folga, como no caso de Pau dos Ferros. Acredito que precisamos acionar observadores isentos do poder público e da sociedade civil organizada para acompanhar esta eleição.
Se tudo transcorrer bem, teremos um novo tempo e uma nova perna!!!

Lauro Pires Xavier Neto
Professor da UERN

Morte e Vida Uerniana

Essa kombi em que estás,
com litros bebida,
é a cota menor
que a UERN te oferece em vida.
—— é de bom tamanho,
nem ar nem conforto,
é a parte que te cabe
neste dirigível.
—— Não é kombi grande.
é kombi medida,
é a pesquisa e a extensão que querias
ver dividida.
—— é uma kombi grande
para dez, poucos defuntos,
mas estarás mais ancho
que estavas no mundo.
—— é uma kombi grande
para teu desejo parco,
porém mais que no mundo
te sentirás largo.
—— é uma kombi grande
para tua carne pouca,
mas a pesquisa e a extensão dada
não se abre a boca.

—— Viverás, e para sempre
na kombi que aqui aforas:
e terás enfim tua troça.
—— Aí ficarás para sempre,
livre do sol e da chuva,
criando tuas saúvas.
—— Agora pesquisarás
só para ti, não a meias,
como antes em carro alheio.
—— Trabalhando nesta kombi,
tu sozinho tudo empreitas:
serás perigo, ladeira, freio.
—— Trabalharás numa kombi
que também te abriga e te veste:
embora com o brim do Nordeste.
—— Será sem freio
teu derradeiro suspiro:
tantas manchas de óleo, como nunca tinhas visto.
—— Como és homem,
a kombi te pregará sustos:
fosses mulher, gritos e sussurros.
—— Teu carro melhor
será importado e não da Volks:
mas, para ti nem remenda.
—— Essa kombi te é bem conhecida
(bebeu teu suor vendido).
—— Essa kombi te é bem conhecida
(bebeu tuas noites de sono)
—— Essa kombi te é bem conhecida
(bebeu tua força de trabalho).
—— Dessa kombi és bem conhecido
(através de parentes e amigos).
—— Dessa kombi és bem conhecido
(a ansiedade da volta de tua mulher, teus filhos)
—— Dessa kombi és bem conhecido
(te espera mais justiça e igualdade entre os campi).

—— Não tens mais força essa kombi:
deixa-te esperar o primeiro a morrer.
—— Já não levas esperança viva:
teu corpo é a própria injustiça.
—— Não levas esperança na mão:
és agora a espera do primeiro a cair ao chão.
—— Já não tens força a kombi:
deixa-te semear na coveta.
—— Já não tens força na subida:
deixa-te semear a espera do freio.

—— Dentro da kombi não vinha nada,
só tua esperança debulhada.
—— Dentro da kombi vinha tudo,
só tua esperança na justiça.
—— Dentro da kombi coisa vasqueira,
só a descida na banguela.
—— Dentro da kombi coisa pouca,
tua vida que nada vale.
—— Na mão direita um rosário,
esperança de voltar em paz.
—— Na mão direita somente
o rosário, doce ilusão.
—— Na mão direita, de cinza,
o rosário, para o óleo dessa vez não vazar,
—— Na mão direita o rosário,
imagem inerte e sem salto.

—— Despido vieste na kombi,
despido também se enterra no caixão.
—— De tanto te despiu a privação
que escapou de teu peito à viração.
—— Tanta coisa despiste em vida
que fugiu de teu peito a brisa.
—— E agora, se abre a kombi e o chão e te abriga,
lençol que não tiveste em vida.
—— Se abre a porta da kombi e te fecha,
dando-te agora cama e coberta.
—— Se abre a kombi e te envolve,
como a morte anunciada, neste chão seco que te engole.

MEMORIAL

Entendo que somos fruto da realidade social em que vivemos, como dizia o velho Marx. As nossas relações na família, igreja, comunidade, escola, vão par e passo formando nossa consciência. Destaco alguns fatos da minha história que marcaram e orientaram minha participação política e meu interesse de pesquisa, Projeto Histórico Socialista e a Escola no MST: Possibilidade-Realidade frente ao Projeto Histórico Capitalista.
Como filho de funcionários públicos federais, tive um padrão social que me permitiu estudar todo o ensino fundamental numa escola Marista, de João Pessoa – PB. Época, ainda, da ditadura militar, início da “redemocratização”. Muitos fatos marcaram aquele tempo, principalmente aos relacionados com os ensinamentos da Igreja Católica e o convívio com os colegas de turma, oriundos da classe burguesa. Lembro com perfeição que muitos discentes, ainda imberbes, aprendiam com seus pais os procedimentos da bolsa de valores e a crítica aos ideais comunistas. Esses debates afloravam, vez por outra, nas aulas de história e OSPB, que tínhamos como privilégio estudar pelo livro do Frei Betto. Porém esses embates teóricos eram raros, já que a maioria dos professores se preocupavam com a transmissão de conteúdos da disciplina numa concepção de história centrada nas datas comemorativas, em que a avaliação privilegiava a realização de provas objetivas.
Ao ingressar na ETFPB, hoje CEFET nada seria como antes. A Escola (como chamávamos a ETFPB), lá encontrávamos desde o garoto pobre do interior, que morava na residência secundarista, passando por aqueles de bairros periféricos que estudaram em escola pública, até os filhos de empresários da construção civil. Apesar do ensino técnico ser caracterizado como tradicional, tínhamos professores com uma visão diferenciada da realidade social, um deles me chamou a atenção. Professor José Marques (o Preguinho), militante partidário, que se fazia presente em atos em defesa do ensino público, especialmente na campanha eleitoral de 1989. Uma outra realidade começava a se construir em minha cabeça. Nessa Escola o debate político era efervescente, vestido numa roupagem das diferentes manifestações culturais, artísticas e desportivas, inseridas numa amálgama de classes sociais heterogêneas, a partir das lutas do sindicato e do grêmio estudantil. Aquele bom menino da classe média queria agora mudar o mundo!
Mas, um fato marcante daria rumo a essa história. No final de 1990, o professor Zé Marques ao retornar de uma viagem à Juru (PB) a fim de participar de uma manifestação política de professores, teve sua vida ceifada por um acidente automobilístico. O enterro de ‘Preguinho’ foi algo que me marcou profundamente, uma longa marcha invadiu o centro da capital paraibana ao som de Vandré e não saia da minha mente o sentimento altruísta de tantos lutadores do povo, que deram a vida em nome da causa. Assim foi que aos 16 anos, realizei minha filiação no Partido Comunista do Brasil – PCdoB, e ingressei no Movimento Estudantil, desencando a participação como candidato a Diretor na chapa que disputava o Grêmio da ETFPB. A opção pelo PCdoB me fez conhecer também a União da Juventude Socialista (UJS), e o engajamento no Movimento Cara-Pintada (Fora Collor), atividades secundaristas e a participação em ocupações de terra promovidas pelo partido na área urbana de João Pessoa - PB. Infelizmente era um momento na história difícil para os comunistas, em 1989 havia caído o Muro de Berlim e em seguida o esfacelamento da União Soviética, um debate intenso tomava corpo sobre a situação política e os caminhos para continuar a luta pela implantação do comunismo. Assim, enquanto os camaradas paraibanos tentavam explicar o que estava acontecendo, só me interessava em militar e transformar o mundo, sem compreender ao certo o que se passava ao meu redor. O momento histórico ditava suas cartas, muitos militantes do partido deixavam as fileiras de luta, ou ingressam em outros partidos, como o Partido dos Trabalhadores – PT, que ganhava força com a candidatura de Lula à presidência.
Aos 17 anos e dentro desse “caldeirão”, tive que fazer a dura escolha do vestibular. Pressionado, de certa forma, por meus pais realizei, a contra gosto, o vestibular para Engenharia Mecânica na UFPB, no qual fui aprovado. Tempos difíceis aqueles, pois o curso na área de exatas me retirou dos debates políticos e me enjaulou nas frias disciplinas de cálculo, de máquinas e motores. Após dois anos, cursando as disciplinas sem êxito, resolvi prestar outro vestibular, agora para Educação Física, abandonando o curso de Engenharia.
Finalmente, com a aprovação, havia me reencontrado. De volta ao movimento estudantil assumi o cargo de Diretor de Esportes do DCE da UFPB em 1994. Percebendo, a partir do movimento universitário, as contradições da luta, principalmente quando o assunto era Carteira de Estudante, a organização estudantil se afastava da base e não tinha de forma clara o atendimento aos anseios da maioria dos estudantes, sendo realizado apenas um Congresso de Entidades de Base.
Apesar de todas as contradições comecei a articular o pensamento teórico da educação física com o movimento estudantil. A pedagogia crítico-superadora era o foco central dos estudos da Educação Física, representando uma pedagogia emergente que visava responder aos anseios da classe proletária .
Durante a graduação atuei em atividades de extensão e pesquisa, favorecendo uma gama de experiências, principalmente no seio popular, do qual destaca-se o Projeto “Associar” da ETFPB, que oferecia atividades lúdicas para a Comunidade de “Paulo Afonso”, do bairro de Jaguaribe, tendo também a oportunidade de conhecer, um acampamento do Movimento Sem Terra (MST), experiência que marcou profundamente minha visão de como ver e compreender o mundo. Pude, finalmente, afirmar minha concepção ideológica em favor da classe trabalhadora e assim colocar o conhecimento da pedagogia crítico-superadora a serviço da educação popular, firmando uma troca de experiência com os movimentos sociais, possibilitando reflexão acerca da conjuntura capitalista.
Ingressei em 1998 no curso de especialização em Administração da Educação da UFPB, vivenciando, durante dois anos, as idéias e realidades das professoras/alunas do interior do estado, oriundas de municípios como Patos, Soledade, Cuité, Piancó, Sapé. Este último município me forneceu a primeira experiência escolar, como professor concursado do ensino fundamental. Até então Sapé representava para mim os olhos vivos de João Pedro Teixeira logo após ser covardemente assassinado. Durante o trabalho pude comprovar, in loco, os desvios de verbas do FUNDEF e o descaso dos governantes, a situação precária do ensino público. Com Jorge, um funcionário da Prefeitura, iniciou-se a criação do Sindicato dos Servidores de Sapé, que ao som de muitas retaliações se conseguia organizar professores e alunos, realizando assembléias e passeatas a fim de analisar o FUNDEF. Verificadas as irregularidades formulou-se denúncias junto à imprensa e aos órgãos competentes, chegando a ponto de sofrer ameaça de ´capangas´, como forma de intimidação. O fruto dessa pedagogia revolucionária popular foi a cassação e prisão do Prefeito, tendo os dados coletados se transformado na monografia da especialização.
Em seguida fui aprovado como professor substituto na Universidade Regional do Cariri (URCA), no município de Crato-CE, obtendo a primeira experiência no magistério superior. Na conurbação Crato-Juazeiro-Barbalha, conheci de perto as histórias do Beato José Lourenço, o Antônio Conselheiro da região. Apesar das dificuldades impostas pela Universidade, tradicional e recheada dos ideais coronelistas da região, realizamos um trabalho multidisciplinar no Caldeirão (Assentamento "10 de Abril") do MST, envolvendo professores e estudantes principalmente vinculados ao Departamento de Saúde e Ciências Biológicas, embora não tivéssemos o interesse e o apoio necessário das Pró-reitorias, principalmente a Pró-Reitoria de Extensão. Naquele momento, não consegui aprofundar a prática realizada pelo Movimento Sem Terra, nem compreender com profundidade os ideais do Movimento, apenas aprofundei minha percepção a respeito das contradições do sistema capitalista, buscando as possibilidades de resistência. O tempo urgia, a passagem no Ceará seria efêmera, pois havia me inscrito no concurso para a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, onde acabei sendo aprovado para a disciplina de Estágio Supervisionado Escolar.
Em Jequié (BA), cidade com 50,8% da população indigente, ficaria mais próximo de Taffarel e Michelli Escobar, que agora estavam na UFBA/Salvador e coordenavam a Linha de Estudos e Pesquisas em Educação Física, Esporte e Lazer (LEPEL), vinculada ao CNPq. As disciplinas que ministrei e a relação com a LEPEL me fizeram aproximar da escola pública e dos movimentos sociais, através de ações pedagógicas em escolas de periferia e nos assentamentos e acampamentos do MST de Vitória da Conquista, Ipiaú e Wesceslau Guimarães, já que Jequié não possuía acampamentos ou assentamentos do MST. Iniciamos, também, um Projeto de Extensão Universitária sobre futebol, através do engajamento da Associação de Moradores do bairro do Mandacaru (por coincidência o mesmo nome do bairro da infância), acreditando na organização popular e tendo a universidade como fomentador do processo fortalecimento dos movimentos sociais. Passamos a atuar, também, num Projeto de Pesquisa voltado para a escola do MST, a partir da realidade do Sudoeste Baiano, juntamente com professores e alunos de diversos cursos da UESB e com o vínculo direto com a LEPEL. A idéia central era perceber a contribuição da força da rapadura com farinha, oriunda das camadas populares, e suas possibilidades frente ao Projeto Histórico Capitalista.
Nesse caminhar da história, senti a necessidade do aprofundamento teórico para o enfrentamento de novas lutas nos movimentos sociais, o que me encorajou a realizar a seleção do mestrado em Educação Popular da UFPB com o intuito de fortalecimento da luta cotidiana em prol da educação popular, a serviço dos movimentos sociais, a partir de uma formação mais específica nessa área de conhecimento. Com a entrada no mestrado passei a conciliar a UESB, em Jequié/BA, com as aulas em João Pessoa/PB. Na UESB, passei a coordenar o Projeto de Pesquisa intitulado “Formação omnilateral e os desafios da Escola do MST em seus acampamentos e assentamentos no sudoeste do Estado da Bahia”, que atuava no assentamento da Amaralina em Vitória da Conquista/BA e no acampamento Mariguela em Ipiaú/BA. Tal projeto tinha como objetivos conhecer e compreender a proposta educacional implementada pelo MST e sua relação com o Projeto Histórico Socialista, verificando como e onde se formam os educadores(as) das Escolas do MST, a fim de identificar quais são os principais limites e contradições encontradas pela Escola do MST.
A experiência em Vitória da Conquista, Ipiaú e na LEPEL me rendeu uma série de conhecimentos adquiridos no cotidiano da escola do MST e nos eventos de formação de Educadoras. Percebi que a minha relação com o PCdoB chegava a incomodar alguns setores do Movimento, que em sua grande maioria eram filiados ou simpatizantes do PT. Porém meu vínculo com a LEPEL e com a UESB, e minha atuação ativa na discussão e debate com o MST (principalmente no assentamento da Amaralina) superou em grande parte as aparentes divergências partidárias de concepções ideológicas.
Ao chegar à Paraíba tive dificuldades de participar mais diretamente e ativamente no MST, não houve uma receptividade tão satisfatória quanto a experiência na Bahia. Em João Pessoa procurei a Coordenação Estadual do Movimento e demonstrei meu interesse em contribuir com a educação. Em João Pessoa, procurei me engajar, sem muito sucesso, indo algumas vezes ao acampamento Nêgo Fuba, localizado na BR-230, estabeleci contato com a educadora da escola do acampamento e procurei participar do Encontro Estadual de Educadoras em Campina Grande e do Abril Vermelho, inclusive sendo palestrante no dia da discussão sobre a ALCA na ocupação da Lagoa do Parque Solon de Lucena. Nessas experiências percebi que não houve um interesse das pessoas que lideravam o movimento. Um dos elementos que aponto como causa para essa não aceitação da minha participação no MST se deva à opção partidária pelo PCdoB, uma vez que havia a presença nítida a presença de partidários do PT em todas as esferas do MST. Porém, após minha participação no Fórum Social Mundial de Porto Alegre (2003) e a vitória de Lula à Presidência da República deixei os quadros desse partido e passei a ter contatos com alguns grupos de comunistas descontentes com a posição do Partido Comunista do Brasil.
Apesar de fechadas as portas do MST na Paraíba, participei ainda de alguns debates inclusive da aula inaugural do Curso de História para os Movimentos Sociais do Campo - UFPB, deixando aberta a possibilidade de continuar a discussão sobre o MST no trabalho do Mestrado, mas precisando redefinir alguns posicionamentos sobre minha análise.
Em janeiro de 2004, diante do impasse e das dificuldades de acesso ao Movimento para realizar a pesquisa na Paraíba como eu havia planejado e também com a retirada dos acampados do Nego Fuba para outra localidade, encerrando assim o acampamento, resolvi que precisaria dar um novo rumo à investigação. Entendendo que para compreender a atuação da Educação do MST seria necessário entender o projeto educativo para o campo, onde se trava a disputa de projetos histórico-educacionais capitalista e da classe trabalhadora, resolvi realizar a seleção pública do Ministério da Educação (MEC) para atuar junto a projetos de organismos internacionais na Paraíba, o que me possibilitaria conhecer esses projetos. Entre esses projetos existe um vinculado à educação rural em classes multisseriadas, financiado por acordo de empréstimo do Governo brasileiro junto ao Banco Mundial. Esse projeto, denominado Escola Ativa seria o elemento que faltava para conseguir analisar as contradições do sistema capitalista atuando diretamente na escola do campo. Dessa forma, pedi exoneração da UESB, continuando enquanto colaborador do Projeto de Pesquisa do MST.
Passei a atuar como Supervisor do Projeto Escola Ativa, ligado ao Projeto Fundo de Fortalecimento da Escola (FUNDESCOLA)/Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)/MEC, o que me possibilitou o acesso a todo material da Escola Ativa. Estive presente em dois eventos nacionais com a participação de todos os supervisores dos estados contemplados com o Projeto (Norte, Nordeste e Centro-Oeste), participei também de uma capacitação para supervisores da Escola Ativa a nível nacional em Fortaleza-CE, além de participar de duas capacitações de professores e técnicos em todo o estado da Paraíba. Com a prerrogativa de supervisor estadual passei a visitar as escolas em diversos municípios da Paraíba e conhecer melhor a proposta do Banco Mundial para as escolas rurais, tendo inclusive acesso a todos os documentos da Escola Ativa. Aproveitei este período para conversar e entrevistar os coordenadores nacionais, estaduais e locais do Projeto e aplicar questionários para professores e técnicos municipais e estaduais. Percebi a grandeza quantitativa da Escola Ativa na Paraíba e seu vínculo estreito com o Projeto Capitalista de sociedade. Em novembro de 2004, após concluir a fase de pesquisa de campo da dissertação, pedi exoneração do MEC/FNDE e ingressei como professor concursado da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN), atuando no curso de Pedagogia. Acredito que, apesar de meu posicionamento contraditório frente à vinculação empregatícia junto a um projeto de organismo internacional, este foi indubitavelmente a melhor maneira para ter acesso a documentos e dados. Viver a contradição não é a melhor possibilidade histórica de um militante político, mas apesar da angústia sofrida nesses onze meses, percebi o fogo queimando em minha pele, conheci de perto a estrutura governamental viciada, seja no âmbito federal, estadual e municipal. Vi e ouvi palavras que merecem ser conhecidas por toda população que trabalha duramente e que é vilipendiada por uma corja de sanguinários (representantes de grupos dominantes) que pilham a soberania nacional e se locupletam do suor alheio. Acredito que a angústia chegou ao fim e valeu a pena.