Páginas

3.1.06

A terceira perna

“O poder absoluto de decisão para indicar o reitor e o vice-reitor
da universidade, (...), compete exclusivamente à governadora.
(...) Logo entende-se que ela poderá nomear o terceiro ou o
segundo da lista (...), afinal o cargo de reitor corresponde na prática
a um cargo de Secretário de Estado. (...) Logo, para todos os efeitos,
o reitor terá que ser pessoa de confiança da governadora, claro. Para
todos os efeitos, corresponde a um secretário de Estado.” Milton Marques (30/01/05)


Ao iniciar “A paixão segundo G. H.”, Clarisse Lispector avisa aos leitores que a obra é para aqueles de alma já formada. Por isso, pelejei durante quase dez anos para terminar a obra e entender o que a autora ucraniana queria disser com isso. Passei a compreender a metáfora da terceira perna, que por mais ineficiente que pudesse parecer (essa aparente aberração anatômica), tornou-se, para mim, uma busca incessante da liberdade tão sonhada.
Ter uma terceira perna é poder sonhar, viver, compreender e transformar o mundo. Tenho duas pernas e para muitos isso já basta, mas para aqueles de alma já formada, “dos que gostam dos que tem fome, dos que ardem de desejo” é preciso olhar mais além.
A atual administração me decepou, me arrancou o que eu havia conquistado e o que era mais eficiente em mim – tirou-me a terceira perna. Natural de Recife fui adotado por João Pessoa, e saí da segunda cidade mais verde do mundo para trabalhar como substituto na URCA (Ceará) e depois efetivo na UESB (Bahia). Morrendo de saudade voltei a João Pessoa e trabalhei 2004 como supervisor pedagógico do MEC (temporário até 2007) e larguei tudo para começar uma nova vida na UERN. Lembro bem a fala de um amigo me alertando dos perigos de uma universidade que a administração centralizava poder e perseguia professores, não dei ouvidos e cá estou.
Em pouco tempo sinto-me dilacerado, meus sonhos de pesquisa e extensão, de salário digno, do debate com a reitoria, da liberdade, todos esses ingredientes aos poucos foram enterrados com uma política mesquinha e equivocada, que privilegia um punhado de conchavos e não fornece margens para o diálogo.
O que mais me perturba é ler a coluna dominical do candidato a reitor da chapa da continuidade. A epígrafe desse texto já diz tudo, quem é a pessoa e o que ela representa. A todo tempo a campanha do reacionário tenta passar a imagem do homem puro, pai de família, empresário e bondoso. A imagem da neutralidade se apresenta como se na política não houvesse interesses outros. O remendo é pior. A epígrafe é a transcrição da coluna do dia 30/01, já em 27/02 o candidato disse que não era bem isso que queria escrever, que entendemos errado, que não é uma guerra (apesar de não remendar a parte que diz que o reitor é subserviente à governadora). Professor, eu já perdi uma perna, já mataram meus sonhos, já se apossaram do meu salário e das minhas diárias – o que será isto? Uma guerra santa? A paz dos túmulos?
O pior foi hoje (06/03), cansado de tropeçar chama outrem para preencher a coluna. Um puxa-saquismo aberto no próprio espaço do jornal reservado ao candidato - não poderiam nem ao menos ter escolhido outra coluna? O texto, depois de elogios rasgados, fecha com chave de ouro: “tenhamos cuidado na hora de abrir a boca para evitar divulgar fatos inverossímeis, pois dessa forma, prezamos a reputação de quem é digno por natureza”. Os prezados leitores deste tablóide merecem mais respeito. Este órgão, a serviço da direita, tem publicado que o candidato Tebas irá fechar os Núcleos e que parte para a agressão física na campanha. Quem está a dizer mentiras? Os chamados “fatos inverossímeis” estão publicados e ficarão para sempre na história deste estado, tais fatos são representados pela atual administração que castra, vilipendia e arranca nossas pernas e que apóia o bondoso homem intangível. A universidade não oferece Dedicação Exclusiva para pesquisa, passa a atrasar diárias e bolsas, passa meses sem pagar o Proformação (e só agora, na véspera da eleição, o dinheiro aparece), tem uma política equivocada de contratação temporária de funcionários (que ficam a mercê da boa vontade da administração), não estabelece uma diálogo saudável com os professores e persegue os chamados “desafetos”.
Talvez o pior se aproxime, pois a coluna do dia 27/02 diz “que só aceitaremos ser nomeados reitor e vice-reitor se formos escolhidos pela maioria da comunidade acadêmica da UERN”. Este filme eu já assisti em outra universidade. O bondoso candidato a reitor (e empresário) faz tal afirmação e não esclarece em qual procedimento. Explicaremos. Como o voto é camarão (pode-se votar a reitor numa chapa e vice na outra) poderemos ter uma dezena de combinações, e uma delas é a soma dos votos da chapa. Hipoteticamente podemos pensar que Tebas vença Marques e que Aécio vença Arilene, mas o total de votos dos candidatos da direita supere os da esquerda. O circo está armado. Como o Marques apenas afirma que só assumirá com a maioria dos votos e já vem afirmando que será subserviente a Governadora, teremos uma possibilidade de golpe à vista. Assim será fácil repetir o que já está escrito: que entendemos mal, que não era bem assim e que é preciso fazer a vontade da comunidade universitária.
Outro fato que me incomoda é a necessidade de um debate com os candidatos, o que até agora não aconteceu. Eleição sem debate é uma farsa! Já não basta que o pleito está marcado para o dia 18/03 (perto do fim do semestre, graças à intransigência do reitor), numa sexta-feira e já com ameaças que os transportes dos municípios, que trazem os alunos, possam boicotar a eleição nos Campi que o candidato a reitor perderá com folga, como no caso de Pau dos Ferros. Acredito que precisamos acionar observadores isentos do poder público e da sociedade civil organizada para acompanhar esta eleição.
Se tudo transcorrer bem, teremos um novo tempo e uma nova perna!!!

Lauro Pires Xavier Neto
Professor da UERN

Nenhum comentário: