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3.1.06

Morte e Vida Uerniana

Essa kombi em que estás,
com litros bebida,
é a cota menor
que a UERN te oferece em vida.
—— é de bom tamanho,
nem ar nem conforto,
é a parte que te cabe
neste dirigível.
—— Não é kombi grande.
é kombi medida,
é a pesquisa e a extensão que querias
ver dividida.
—— é uma kombi grande
para dez, poucos defuntos,
mas estarás mais ancho
que estavas no mundo.
—— é uma kombi grande
para teu desejo parco,
porém mais que no mundo
te sentirás largo.
—— é uma kombi grande
para tua carne pouca,
mas a pesquisa e a extensão dada
não se abre a boca.

—— Viverás, e para sempre
na kombi que aqui aforas:
e terás enfim tua troça.
—— Aí ficarás para sempre,
livre do sol e da chuva,
criando tuas saúvas.
—— Agora pesquisarás
só para ti, não a meias,
como antes em carro alheio.
—— Trabalhando nesta kombi,
tu sozinho tudo empreitas:
serás perigo, ladeira, freio.
—— Trabalharás numa kombi
que também te abriga e te veste:
embora com o brim do Nordeste.
—— Será sem freio
teu derradeiro suspiro:
tantas manchas de óleo, como nunca tinhas visto.
—— Como és homem,
a kombi te pregará sustos:
fosses mulher, gritos e sussurros.
—— Teu carro melhor
será importado e não da Volks:
mas, para ti nem remenda.
—— Essa kombi te é bem conhecida
(bebeu teu suor vendido).
—— Essa kombi te é bem conhecida
(bebeu tuas noites de sono)
—— Essa kombi te é bem conhecida
(bebeu tua força de trabalho).
—— Dessa kombi és bem conhecido
(através de parentes e amigos).
—— Dessa kombi és bem conhecido
(a ansiedade da volta de tua mulher, teus filhos)
—— Dessa kombi és bem conhecido
(te espera mais justiça e igualdade entre os campi).

—— Não tens mais força essa kombi:
deixa-te esperar o primeiro a morrer.
—— Já não levas esperança viva:
teu corpo é a própria injustiça.
—— Não levas esperança na mão:
és agora a espera do primeiro a cair ao chão.
—— Já não tens força a kombi:
deixa-te semear na coveta.
—— Já não tens força na subida:
deixa-te semear a espera do freio.

—— Dentro da kombi não vinha nada,
só tua esperança debulhada.
—— Dentro da kombi vinha tudo,
só tua esperança na justiça.
—— Dentro da kombi coisa vasqueira,
só a descida na banguela.
—— Dentro da kombi coisa pouca,
tua vida que nada vale.
—— Na mão direita um rosário,
esperança de voltar em paz.
—— Na mão direita somente
o rosário, doce ilusão.
—— Na mão direita, de cinza,
o rosário, para o óleo dessa vez não vazar,
—— Na mão direita o rosário,
imagem inerte e sem salto.

—— Despido vieste na kombi,
despido também se enterra no caixão.
—— De tanto te despiu a privação
que escapou de teu peito à viração.
—— Tanta coisa despiste em vida
que fugiu de teu peito a brisa.
—— E agora, se abre a kombi e o chão e te abriga,
lençol que não tiveste em vida.
—— Se abre a porta da kombi e te fecha,
dando-te agora cama e coberta.
—— Se abre a kombi e te envolve,
como a morte anunciada, neste chão seco que te engole.

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