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14.4.10

“Calei e escrevi. Isso em reverência pela coincidência”

Acordei da hibernação para lembrar Maiakóvski. Dia 14 de abril de 1930, aos 37 anos, o jovem escritor cometeu suicídio. Em 1981, durante um debate sobre a peça “O Percevejo”, Luis Carlos Prestes tentou minimizar o ocorrido afirmando que tratou-se de um problema pessoal e íntimo. Talvez hoje seja mais difícil, do que em 1930, de perceber que pessoas engajadas politicamente não conseguem suportar o consumo exacerbado, o fetiche da mercadoria e todo tipo de lixo produzido por esse capitalismo devastador. Humanos viraram objeto, a saúde e a educação moeda de troca e a violência simbólica passeia tranquilamente sobre nossas cabeças através da imposição cultural.

Tive a sorte de conhecer Maiakóvski através de uma professora da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN), durante a minha passagem por Pau dos Ferros/RN. No meio daquelas intermináveis e massacrantes reuniões departamentais, Valdilene soltava sua voz altiva e declamava Maiakóvski com o fervor patente típico daqueles que ainda acreditam na força descomunal de um poema.

Hoje, sabendo da sua morte há oitenta anos, resolvi ler o grande poeta russo. Nas livrarias encontrei apenas “O Percevejo”, considerada uma obra-prima do autor. Certamente as críticas à Nova Política Econômica (NEP) implantada na então União Soviética carecem de análise mais profunda, mas o “O Percevejo” consegue apontar o quanto uma ação econômica pode condicionar a formação humana de um indivíduo. Em tempo de avanço neoliberal e dos projetos individuais o teatro de Maiakóvski permanece atual, pena que pouco acessível ao grande público – interessado, deliberadamente, por uma cultura imposta pela classe dominante.

Perdoe-me Prestes, mas tenho clareza que realmente é insuportável verificar que os valores construídos por um sonho de uma sociedade mais humana e menos consumista sejam dilacerados por ações pequeno-burguesas, mesmo que alguns achem esses termos anacrônicos. Maiakóvski teve razão.

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