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26.12.05

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PEDAGOGIA SOCIALISTA

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PEDAGOGIA SOCIALISTA
Lauro Pires Xavier Neto


O presente texto trata de um debate teórico sobre a Pedagogia Socialista e suas implicações pedagógicas a partir do confronto de idéias com a proposta pedagógica do sistema capitalista.
As idéias de uma sociedade socialista e de uma educação condizente com os ideais socialistas é dialeticamente e intrinsecamente parte do projeto histórico capitalista. Ao longo da construção da sociedade capitalista o movimento operário, os movimentos populares lutaram por uma sociedade socialista e construíram projetos educativos que contribuíssem para formar indivíduos em consonância com essa visão de sociedade.
O educador Paulo Freire questiona sobre as possibilidades da educação antes de uma transformação social profunda, escrevendo: “Se, porém, a prática desta educação implica o poder político e se os oprimidos não tem, como então realizar a pedagogia do oprimido antes da revolução?” .
Essa pedagogia deve partir dos setores oprimidos, não podendo ser elaborada, e exercida, pelos dominadores e nem pelo Estado Democrático de Direito. Estado que serve primordialmente para justificar e manter a ideologia dominante, a ideologia da classe burguesa. A Educação Popular deve se aliar aos movimentos que buscam a tomada do poder político numa perspectiva dos trabalhadores. Através de uma aliança do campesinato com os trabalhadores urbanos, poderíamos realizar a educação sistemática, “a que só pode ser mudada com o poder”. Enquanto isso, estaremos detidos nos trabalhos educativos, “que devem ser realizados com os oprimidos, no processo de sua organização” . Assim, acreditamos na necessidade de fazermos um breve debate sobre a formação da escola na sociedade capitalista e o processo de construção da Pedagogia Socialista.
A formação histórica da educação escolar está diretamente ligada ao surgimento e ao desenvolvimento do capitalismo e a educação acompanhou esse processo. Esse projeto de educação contemplava, inicialmente, apenas a classe dominante visando o seu desenvolvimento intelectual e físico, enquanto para as classes trabalhadoras restava o trabalho nas atividades na agricultura e indústria.
Com o progresso da ciência, o processo industrial vai se modernizando e incorporando mais conhecimento e tecnologia, necessitando de trabalhadores mais intelectualizados, familiarizados com o maquinário, o que acarretou uma demanda para que o sistema escolar formal atendesse à formação do trabalhador (mão-de-obra) desde a tenra idade.
“Mas, se por um lado é o trabalho produtivo que determina o surgimento e o desenvolvimento da escola, contraditoriamente ela se mantém afastada do trabalho vivo, concreto, como elemento articulador de sua prática educativa e pedagógica” . Esse fenômeno se dá em decorrência da divisão do trabalho, inerente ao sistema capitalista, que se caracteriza pela produção coletiva dos bens e a apropriação privada da sua distribuição.
A classe burguesa detém os instrumentos da produção e os trabalhadores “vendem” sua força de trabalho. Com seu trabalho transformam a natureza e produzem produtos e serviços que não lhes pertencem. O trabalho excedente, que é apropriado pelo capitalista, gera lucro e riqueza enquanto que para o trabalhador só resta pobreza e miséria. Esse processo, denominado por Marx de mais-valia, desmistificou a exploração capitalista, como podemos verificar nas palavras de Marx :
Mas o capitalista, ao pagar o valor diário da força de trabalho do fiandeiro adquire o direito de usá-la durante todos o dia ou toda semana. Fá-lo-á trabalhar, portanto, digamos, 12 horas diárias, quer dizer, além das seis horas necessárias para recompor seu salário, ou o valor de sua força de trabalho, terá de trabalhar outras seis horas, e esse sobretrabalho irá traduzir-se em uma mais-valia e em um sobreproduto.
Assim o produto elaborado pelo trabalhador é algo estranho ao seu ser, algo que não lhe pertence, apesar de ter sido construído pelo seu suor, processo que Marx denominava de alienação e explicou essa relação ao relatar:
A alienação do trabalhador no objeto revela-se assim nas leis da economia política: quanto mais o trabalhador produz, menos tem de consumir; quanto mais valores cria, mais sem valor e mais desprezível se torna; quanto mais refinado o seu produto, mais desfigurado o trabalhador; quanto mais civilizado o produto, mais desumano o trabalhador; quanto mais poderoso o trabalho, mais impotente se torna o trabalhador; quanto mais magnífico e pleno de inteligência o trabalho, mais o trabalhador diminui em inteligência e se torna escravo da natureza.
Marx prossegue explicitando o que constitui a alienação do trabalho:
O que constitui a alienação do trabalho? Primeiramente, ser o trabalho externo ao trabalhador, não fazer parte de sua natureza, e, por conseguinte, ele não se realizar em seu trabalho mas negar a si mesmo, ter um sentido de sofrimento ao invés de bem-estar, não desenvolver livremente suas energias físicas e mentais mas ficar fisicamente exausto e mentalmente deprimido. O trabalhador, portanto, só se sente à vontade em seu tempo de folga, enquanto no trabalho se sente contrafeito. Seu trabalho não é voluntário, porém imposto, é trabalho forçado.
A estrutura da sociedade capitalista com sua divisão social do trabalho supõe a divisão entre trabalho intelectual e manual, entre os que pensam e os que executam, e gera a mais valia através da exploração do trabalhador. “A divisão do trabalho condiciona a divisão da sociedade em classes e, com ela, a divisão do homem; e como esta se torna verdadeiramente tal apenas quando se apresenta como divisão entre trabalho manual e trabalho mental(...)” .
Esse processo tem reflexos na educação. A escola contribui para reforçar e reproduzir tal estrutura, quando se verifica o distanciamento dos assuntos tratados com a realidade de alunos das classes trabalhadoras, suas necessidades locais, com a fragmentação do conhecimento, a separação entre teoria e prática e o distanciamento entre concepção e execução. Como salienta Freitas :
No interior da escola e das universidades – instituições educacionais responsáveis pela produção e pela distribuição do conhecimento – esta fragmentação manifesta-se na organização administrativa e curricular. A cisão entre concepção e execução, presente no processo do trabalho produtivo, afeta a organização do currículo em disciplinas teóricas e disciplinas práticas; como ‘teoria’ que se ‘aplica a’. Assim, os alunos – futuros trabalhadores – tomam contato com estes dois elementos indissociáveis do trabalho – teoria e prática, concepção e execução – como dois pólos cindidos, dicotômicos e às vezes antagônicos.
Portanto, entendemos que a educação no sistema capitalista prioriza a formação do ser humano unilateral, onde está presente o conhecimento fragmentado, o distanciamento entre teoria e prática, o ser formado para o trabalho estranho a si mesmo.
Essa divisão do trabalho resvala em conceitos gerados historicamente no âmbito educacional como podemos perceber nas diferentes visões sobre a relação teoria-prática . A visão positivista, fragmentada, se expressa na visão “de que na prática a teoria é outra. A teoria tem primazia em relação à prática e esta é a aplicação daquela, podendo ser corrigida ou aprimorada pela prática” .
No entanto, a dialética nega essa visão dicotômica e percebe a unidade entre a teoria e a prática. “Unidade que não é identidade, mas relação simultânea e recíproca de autonomia e dependência. Teoria e prática são componentes indissociáveis da ‘práxis’” .
O conhecimento educacional distanciado da dialética constitutiva entre teoria e prática, torna-se pragmático “mero transmissor de conhecimentos para o domínio das aptidões técnicas e artesanais da orientação do ensino, submetidas a objetivos determinados politicamente. Portanto, sem qualquer possibilidade de influir na práxis política” .
Quando tratamos da alienação do trabalhador (enquanto trabalho material nas fábricas) precisamos encontrar paralelismos conceituais com a relação à realidade da escola capitalista. Enguita (1993) e Freitas (2002) fazem essa discussão e apontam tais paralelismos, quando relatam sobre a manufatura do produto que não pertence ao trabalhador e que sua produção gera riquezas para o capitalista, onde, dessa forma, não podemos fazer uma análise do processo educacional da escola formal, pois “os conhecimentos adquiridos pertencem ao aluno” .
Assim, a relação que se deseja fazer é aquela vinculada à incapacidade do trabalhador em definir o que será produzido, ou seja, toda produção é deliberadamente apontada pelo capitalista de como, quando e por quê realizá-la, cabendo ao trabalhador apenas a sua realização, sem questionamentos.
Podemos então fazer o paralelismo com a escola burguesa, onde “o aluno carece de capacidade para determinar o produto de seu trabalho, quer dizer, o objeto de ensino e da aprendizagem” . Podemos verificar tal processo nas relações de gestão da escola, nos conteúdos escolhidos para o ano letivo, na escolha dos livros didáticos (impressos pelas empresas capitalistas que se utilizam inclusive de lobby junto às secretarias de educação e professores), para as capacitações de professores e nas semanas pedagógicas, que corriqueiramente acontecem de maneira burocrática e invariavelmente sem a presença dos alunos. No espaço da universidade essa realidade configura-se emblematicamente na entrega do Plano da Disciplina, geralmente nos primeiros dias de aula quando o aluno recebe do professor toda sistemática do planejamento semestral que não foi construído no coletivo, por mais que se diga que existe uma flexibilidade.
Enguita destaca nesse processo “a incapacidade dos alunos para determinar o conteúdo de sua aprendizagem é manifesta e absoluta nos primeiros graus de ensino, onde não existem opções curriculares diversas nem se concede às crianças iniciativa alguma” .
Podemos perceber também que tal sistema de educação não desenvolve a idéia de transformação social da realidade do aluno. Os conteúdos escolares, o espaço da sala de aula, a própria organização e os rituais da escola não oferece aos alunos ferramentas concretas para mudança de seu modo de vida. O processo ensino-aprendizagem por mais organizado, sedutor e abrangente que possa parecer não desperta para a mudança social, ao contrário, reforça o ideal do sistema capitalista que através de seus aparelhos de reprodução mantém a estrutura da propriedade privada intacta. Portanto, não bastam conteúdos críticos que formem alunos críticos (no jargão educacional), como bem destaca Freitas (2001), pois melhor que possa parecer o trabalho na fábrica (inclusive com garantias sociais), o trabalhador se realiza fora do contexto da sua labuta diária, pois o trabalho torna-se um sacrifício, algo exterior ao trabalhador.
O alcance, ou as possibilidades, e contribuições da educação escolar para o processo de transformação social é alvo de um debate entre educadores que envolve posições divergentes. Freitas ao fazer a crítica aos trabalhos de Libâneo , diz que este ao analisar o processo da didática à luz da teoria Histórico-Crítica, considera a sala de aula como local privilegiado para discussões que possam favorecer aos alunos uma consciência crítica da sociedade, desprezando a discussão sobre a divisão do trabalho na sociedade capitalista.
Entendemos que, (...), estão dadas as configurações do pensamento do autor a respeito do processo didático: primeiro, a visão da aula como elemento mais simples e visível do ensino e, segundo, a noção constituída sobre o triângulo didático que, por mais que seja ‘dialetizado’, não escapa a noção do ensino como uma mediação que o professor desenvolve sobre o encontro do aluno com a matéria .
A discussão do triângulo didático de Libâneo, também é duramente criticado pois remete a idéia reducionista da organização do trabalho pedagógico, onde encontramos este debate nas obras de Candau , que apontava que o processo educacional não pode ficar reduzido aos atos didáticos (objetivo, conteúdo, metodologia, avaliação). Oliveira apud Freitas reforça essa idéia ao dizer que a totalidade do processo educacional não poderia ser discutida através de totalidades menores (a sala de aula) e sim através de quatros núcleos de discussões, chamados de dimensões, são elas: 01. Dimensão Histórica (natureza, objeto e conteúdo, numa visão histórica); 02. Dimensão antropológica (a relação do trabalho docente com a sociedade); 03. Dimensão ideológica (relações entre fins pedagógicos e fins sociais); 04. Dimensão Epistemológica (relações entre os métodos de ensino-aprendizagem).
Ao colocar a sala de aula como elemento central da análise, Libâneo prende-se a ela e não consegue avançar nos núcleos de discussão, desprezando os condicionantes da relação de produção material com a formação de nossos alunos em sala de aula. Para o autor basta que o conteúdo seja crítico-social para que possa ocorrer uma transformação na sala de aula, visão essa que é rebatida por Enguita quando continua sua análise análoga entre a produção capitalista e a educação, afirmando que a alienação do trabalhador não acontece apenas nas relações com os meios de produção, ou com o produto, e também com o processo de trabalho. Assim:
de maneira análoga, está já dada e predisposta a organização da escola para o aluno, privado da capacidade de criá-la ou modificá-la. Quando o aluno chega a sala de aula, já foram determinados todos os aspectos do que será sua experiência escolar: a configuração do espaço, a distribuição do tempo, a gama de materiais utilizáveis, a disposição do que se pode fazer dos mesmos, a estruturação e classificação dos estudantes em grupos, a estrutura hierárquica e as incumbências na escola, o que deve ser ensinado e aprendido, a forma como haverá de sê-lo .
Ou seja, o papel da escola na sociedade é contraditório, uma vez que ela está inserida numa sociedade capitalista onde o Estado, com suas políticas públicas, é apropriado pelos setores da classe hegemônica, que buscam disseminar os fins e os propósitos da educação.
“Ora, a aula é um produto da escola capitalista” , que reforça em seu discurso a igualdade entre alunos e entre a sua estrutura, que determina procedimentos e atos didáticos de acordo com o seu interesse histórico. Ao reforçar essa unidade da aula como elemento de análise e desprezar a estrutura da sociedade tende-se a reforçar os interesses da classe burguesa. Reforça-se assim os princípios liberais de liberdade e igualdade, principalmente quando pensamos que a tese capitalista afirma que a circulação de mercadorias é livre, assim como o mercado o é. Para Enguita essa igualdade é mera formalidade, pois “a combinação de igualdade e desigualdade real, e não algumas delas em separado, é o que caracteriza tanto a sociedade capitalista como a sua escola”.
A aula inserida no processo de divisão social do trabalho, e a educação de uma maneira mais ampla, têm como especificidade no capitalismo a produção do trabalho não material, que podemos caracterizar como formação de pensamentos, conceitos, idéias e ideologias que podem ser desenvolvidos no trabalho pedagógico. Esta produção não material pode ser qualificada como mais uma característica da escola no sistema capitalista. Esta característica deixa clara a intenção da separação entre trabalho intelectual (não material) e trabalho manual (material) na sociedade capitalista, ajudando a manter os processos de exclusão social das populações de baixa renda. A educação também não conseguiria dar conta de resolver essa problemática da escola capitalista, na verdade ela surge “como forma de legitimar a separação entre trabalho intelectual e manual, homogeneizar e, (...) assegurar toda uma estrutura de poder no interior da escola” .
O processo pedagógico como trabalho não material, tenta mudar as consciências dos alunos, mas ele não altera a base contraditória do sistema capitalista - a divisão social do trabalho. Portanto, a visão que acredita que mudando a consciência mudaria a sociedade é idealista, uma vez que a atividade prática, a vida material, as relações econômicas, que formam a estrutura capitalista, permanecem inalteradas.
Por isso não basta apenas mudar consciências através de conteúdos ou de estratégias metodológicas em sala de aula, essa tese na verdade gera um falso discurso de possibilidade de transformação social. Para Freitas, apoiado em Enguita, a tese marxista aponta que as mudanças são ao mesmo tempo condição e resultado, a vida na práxis social, encaminhando para questões concretas que visem a transformação social, por isso não basta observar o mundo ou estudar o meio, é preciso transformá-lo.
Esta análise crítica fornece subsídios para o entendimento da Pedagogia Socialista, que passou a ser construída a partir das idéias socialistas, especialmente após a Revolução Russa (1917) que desencadeou um processo de análise e estudos sobre as possibilidades da pedagogia na elaboração de uma teoria que pudesse servir aos interesses da grande massa da população.
Para Suchodolsky, a Pedagogia Socialista é a teoria cientifica da educação socialista, vinculada diretamente com a realidade histórica, já que não existe uma educação isolada do desenvolvimento econômico e social, e que esse contexto influencia diretamente no saber-fazer de professores e alunos, afirmando que “de todos es bien conocida la inmensa atencion que Marx conferia a la formacion vinculada com la actividad, y de que manera criticaba la instruccion escolar desligada de la vida real” .
Um dos elementos centrais dessa pedagogia é o vinculo direto entre a educação e trabalho na construção de uma nova sociedade e na crítica severa à propriedade privada e sua relação direta com a divisão do trabalho material e intelectual.
Portanto, o trabalho no socialismo significa realização plena do sujeito, sua realização e seu desenvolvimento omnilateral. A teoria socialista (o Materialismo Histórico Dialético, enquanto método) situa o ser humano dentro do mundo material e especialmente dentro de suas condições sócio-econômicas, e só a partir dessa compreensão da totalidade e de seus condicionantes históricos é que a Pedagogia Socialista pode ser construída e efetivada, como aponta Suchodolsky , “para comprender en que consiste la educacion socialista no solo hay que saber como se presenta en la realidad concreta, sino que es preciso saber, sobre todo, cuales son sus tarefas y las posibilidades de realizarlas”.
Portanto a construção histórica da educação socialista requer condições concretas para sua efetivação, pois o surgimento das idéias pedagógicas de Suchodolsky na Polônia, Mao Tse Tung na China e Pistrak na URSS, como exemplos, estavam atreladas, nesses países, às transformações do modo de produção social. No caso especifico da Polônia, Suchodolsky analisava a possibilidade de construção de caminho futuro, sobre novas bases, pois a educação socialista é diretamente contrária às idéias da sociedade capitalista e suas concepções burguesas, principalmente no tocante ao pensamento de que a educação burguesa está a serviço da classe dominante, garantindo o poder na manutenção do status quo.
Um caso emblemático para análise é o trabalho infantil no sistema capitalista que se caracteriza como um crime previsto em lei, um trabalho fora de época. A proposta socialista apresenta-se em outras bases, no intuito dessa vinculação do trabalho com a escola, desde a tenra idade, no intuito de aprimorar o desenvolvimento das crianças e torná-las autônomas e emancipadas e não sujeitos parciais, unilaterais e desvinculados da realidade. “El factor esencial será el nuevo sistema social dentro del cual el trabajo dejara de ser explorado por la classe dominante y se convertira em uma forma de participacion de todos os indivíduos en su vida social” . Por isso tem-se a idéia de que o trabalho no socialismo é vocacional, vinculado às necessidades do indivíduo e algo que contribua com a necessidade criadora e de transformação do ser humano com a natureza.
O trabalho é parte da vida, essa é a tese central numa formação omnilateral que promova o desenvolvimento de todas as possibilidades humanas, principalmente no tocante às ações vinculadas à formação do trabalhador combatente do sistema capitalista e defensor dos ideais socialistas. A teoria marxista não acredita na imutabilidade dos fatos e é uma ferramenta no processo de transformação social, através da mudança radical do sistema de relações estabelecidas pelos próprios sujeitos inseridos no meio social. Afirmou Suchodolsky , ao contemplar o caráter subjetivo-objetivo da transformação social:
El marxismo trata, ciertamente, a la sociedad como uma realidad objetiva en relacion con la vida subjetiva de los diferentes indivíduos, pero considerandola a la vez como una realidad creada por la accion de los hombres y que representa su produto aun en el caso de que no se den cuenta de ello.
Para entendermos melhor esse processo da educação socialista tomamos o exemplo da Grande Revolução Popular e Cultural da China, quando os Centros de Educação constituíam uma unidade orgânica (estudo, produção e investigação), combatendo a divisão do trabalho intelectual e manual (teoria x prática) e contemplando o estudo das obras Marxistas com o intuito de elevar a consciência para servir o povo. A relação entre trabalho e educação garantia-se através de pequenas fábricas que existiam dentro das escolas e instituía-se oito meses de estudo-trabalho produtivo, mais dois meses nas comunas, nas fábricas ou no exército. Os dois meses de férias eram voltados para trabalhos voluntários .
Destarte, uma práxis educativa socialista, pautada num Projeto Histórico Socialista deve estar atenta para uma educação que forme o homem omnilateralmente, “que se realiza justamente sobre a base do trabalho, ou melhor, da sua atividade vital. E (...) a omnilateralidade é considerada objetivamente como o fim da educação” . Nesta análise percebemos a possibilidade de concretização da Pedagogia Socialista a partir da construção de novas bases da sociedade e por isso devemos estar atentos às experiências em educação dos movimentos sociais.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BORRAS, M. & SENENTJOSA, J. China Popular em la Vanguarda de La Ensenanza. In: TSE TUNG, M. Ensenanza y revolucion en China. Barcelona: Anagrana, 1977.
CANDAU, V. M. A Didática em Questão. Rio de Janeiro: Vozes, 1984.
__________________. Rumo a uma nova Didática. Rio de Janeiro: Vozes, 1988.
ENGUITA, M. F. Trabalho, Escola e Ideologia. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREITAS, L. C. de. Crítica da Organização do Trabalho Pedagógico e da Didática. São Paulo: Papirus, 2001.
FREITAS, H. C. L. de. O Trabalho como Princípio Articulador na Prática de Ensino e nos Estágios. São Paulo: Papirus, 2002.
LIBÂNEO, J. C. Didática. 23a Edição. São Paulo: Cortez, 1994.
MANACORDA, M.A. Marx e a Pedagogia Moderna. 3a Edição. São Paulo: Cortez, 2000.
MARX, K. Manuscritos Econômicos-Filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2002.
MARX, K.. Salário, Preço e Lucro. In: Os Economistas. São Paulo: Abril, 1982.
PIMENTA, S. G. O Estágio na Formação de Professores. São Paulo: Cortez, 1997.
PISTRAK, M. Fundamentos da escola do trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2000
SUCHODOLSKY, B. Fundamentos da Pedagogia Socialista. Editorial LAIA S.A.: Barcelona, 1974.
TSÉ-TUNG, M. Ensenanza y revolucion en China. Barcelona: Anagrana, 1977.

24.12.05

Estou em 64?

"Antes afago pensava ele era domínio
Essas aí não são suas mãos,
São as minhas
E seguras, minhas mãos buscam se impor (...)
A meu único rival, devo obedecer
Vai comandar meu duplo renascer:
O mesmo insano sustenta outra vez"
Renato Manfredini Júnior

Estou em 64?
Fabiano contou o dinheiro recebido pelo seu duro trabalho e percebeu que havia menos do que o acordado. Pediu para outra pessoa contar e tirou-se a prova de que realmente havia sido enganado. Não sabia o que fazer, pois achava que não acumulara força suficiente para enfrentar o patrão e dizer-lhe que o vil metal recebido estava aquém do suor do seu trabalho. A lei era o patrão, a ordem, a moral, a democracia, tudo em perfeito estado — as oligarquias, o coronelismo, a ditadura e o esmagamento de sonhos nas Vidas Secas de Graciliano.

Certa vez conversava com uma colega, estudiosa de Graciliano, perguntava o que ela achava do fatídico caso de Fabiano, e ela me dizia que o jovem havia sido enganado porque não sabia ler, nem escrever — não era letrado. De pronto retruquei, bastaria apenas o letramento para Fabiano não ser vilipendiado pelo seu patrão-carrasco? Certamente a consciência de classe e a luta coletiva contra aqueles que esmagam sonhos poderiam fortalecer uma contra-ofensiva de Fabiano em busca da dignidade de seu trabalho e no recebimento justo de seu salário. Mas o jovem olhava de lado e só encontrava desolação. O cachorro magro, a grama seca, a falta d’água, tudo indicava que não havia nenhuma solução.

Há três meses na UERN não sei se sou, emblematicamente, o cachorro magro ou o Fabiano catatônico, mas tenho certeza de que precisamos denunciar os desmandos coronelistas arraigados em alguns patrões. Os meus trocados, já sei, estão sendo extorquidos quando não cumprido o Plano de Cargos, Carreira e Salários, ou na mesma crista da onda quando não tenho Dedicação Exclusiva para pesquisa, quando cumpro mais de 50 horas semanais de trabalho (quando o meu contrato é de 40h), quando tenho mais de treze alunos na Prática de Ensino (quando o máximo seria dez), quando tenho que cobrir a carga horária do amigo que foi cursar pós-graduação (pois não existe substituto para isso). Toda essa história não canso de repetir, todo final de mês conto e reconto os trocados e tenho certeza que alguém está a me enganar. Mas, para não parecer repetitivo e óbvio, não é esse o mote da escrita.

Tenho lido em alguns espaços midiáticos, tendenciosos da direita (que falta faz o Observatório da Imprensa Potiguar!), a opinião de articulistas políticos da UERN que afirmam ser o processo sucessório da Universidade uma prerrogativa de escolha da governadora do Estado. No estilo positivista “a lei é dura, mas é a lei”, desdenha da construção histórica dos(as) trabalhadores(as) em educação que lutam pela autonomia universitária, que buscam enterrar as práticas ditatórias e de cunho fascista que se instalaram no país em abril de 64. Nunca tinha visto de maneira tão aberta a direita assumir esse caráter oligárquico, de se assumir ditador de um processo sucessório que já começa viciado recheado de mensagens telegráficas, de que se não assumir no voto, assumirá na indicação da lista tríplice.

Escrevo isso porque trabalhei numa universidade baiana e mesmo os filhotes do ‘Malvadeza’ costumavam fazer suas articulações de maneira sutil, não expondo o caráter retrógrado de maneira tão patente. Afirmar que o cargo de Reitor da UERN se compara a de um Secretário de Estado é assumir o que há de mais atrasado em termos de democracia.

A autonomia universitária é algo que não podemos abrir mão, pois, como diria o poeta, se deixarmos que a cada dia os trogloditas nos roubem um pedaço do que cabe a nós, em breve não teremos nem do que reclamar. A lista tríplice existe no plano legal, uma legalidade que não mais se legitima no âmbito universitário (a não ser na cabeça dos generais golpistas). O voto proporcional há muito vem sendo extinto nas universidades democráticas (perdoem a redundância, mas é necessária), ampliando a participação de toda comunidade através da paridade — isto tem sido realizado através de acordos entre candidatos(as).

Os articulistas políticos do retrocesso afirmam que o “Poder Absoluto de decisão é da governadora”. É possível escrever algo mais reacionário, ou este é o limite desse grupo? O poder somos todos nós, oprimidos por uma máquina robusta que em poucos meses já atropela nossos sonhos, surrupia o dinheiro do nosso suor e atropela nosso desejo do ensino-pesquisa-extensão. É preciso que denunciemos em todas as esferas o golpe que se aproxima, nos sindicatos, organizações de Direitos Humanos, entidades organizadas, jornais populares, é preciso que não terminemos qual cachorro magro — ou Fabiano dilacerado — “amanhã vai ser outro dia”.

22.12.05

Todas as coisas do mundo

Todas as coisas do mundo

Desculpe-me pelos ataques rochosos de blasfêmia
e podridão que corrói o meu ego,
Pelas minhas faltas, pelos meus sonhos atolados nos meus limites
Por todos aqueles que magoei, sem pedir perdão
Perdoe-me por ter sofrido e deixado para trás tudo que sempre carreguei de bom
Sinta falta daquele ser, construído pelo ardor das múltiplas cascatas de amor
E agora dilacerado em negras vestes de cetim, corrompido e ardente
Não tocarei no assunto amor, enquanto ele for faca que atravessa teu peito,
Fogo que queima tua carne, escarro que empodrece tua boca
Falarei da vida cabisbaixo, contando os azulejos
que me levam à escada da morte
E quando finalmente avistar, recordarei aquele que um dia sonhei ser:
Prudente, honesto, concreto em meus atos e ações, e teria em fim descoberto a lisura do homem,
A compaixão do perdão e a vida em conjunto
Mas não mais inundarei o piso de lágrimas, seguirei rente ao solo – meus olhos
Em busca do destino que sempre temi
Terei a honra e o prazer de gozar o último suspiro, como se fosse o primeiro
Como se fosse o eterno, como se fosse você a roçar na minha pele bárbara
Só me resta de pedir: me salve, me alui desse destino que ronda o meu penar
Mas, não tenho mais força, não consigo
te fazer entender minha dor e meu instinto,
Pois a sua sofreguidão desassola a mim mesmo
Não tenho mais força, céus – onde está o céu?
onde está a escadaria da eterna aliança?
Sinto seu cheiro, uma mistura de enxofre e alfazema
Um odor que dilacera meu coração, me parte em pedaços vãos
Entrementes te encontro a beira da escadaria, é o cheiro do orvalho
O ópio que sustenta meu viver e conseguirá me desvirtuar do sofrimento...
E agora, o que fazer? Continuar cabisbaixo e retalhado,
cumprindo o doloroso destino
Ou te fazer parte dessa história – enxofre-alfazema-enxofre – no egoísmo dos meus limites?
Crato, 27 de Abril de 2001

Não boto bomba em banca de jornal

“Não boto bomba em banca de jornal, nem em colégio de criança, isso eu não faço não, nem protejo general de dez estrelas que fica atrás da mesa com o * na mão”.
* censurado pela língua culta da academia.

Meus lábios rachados denunciam a viagem que fiz neste fim de semana. No interior do Rio Grande do Norte conheci um sol escaldante responsável pela marca de dor na pele árida da população. Marcados em Ferros, como rés desgarrada, os Paus refletiam o cotidiano errante de um povo sem vida, embebidos em bares e comícios de esquina. No ranking 2670, dos 5507 municípios, encontramos um índice de exclusão social de 0,442 (quanto maior o índice, melhor a situação social – de 0,00 a 1,00), índice de emprego formal de 0,071, índice de desigualdade 0,0081, de pobreza 0,424. Encontramos longas casas com cercas elétricas, separando aqueles que não dormem, porque não comem, daqueles que não dormem com medo dos que não comem (Josué de Castro). Cercas elétricas iguais àquelas invisíveis de escolas, que mais parecem paredões de fuzilamento matando crianças de fome, de sede, de conhecimento. A visão do alto dos muros deve ser idílica para quem come. De baixo só vejo o mato escaldante, de um sol seco esverdeado. Nem as cores distingo mais, o calor comeu o meu juízo – ao lado, um calango assado que alimenta seis, sete, oito buchos enlameados. Quem teria matado essas crianças? “Quantas crianças Deus já tinha matado?”. Quantas bombas, quanta miséria, quanta falta de escrúpulos, quantos Putins, Bushs, Bin Ladens, quantos coronéis armados pelo império? “Vem falar em liberdade pra depois me bater?”. As gêmeas torres tombaram à direita, armadas num plano mirabolante de fazer a guerra acontecer. Quem armou a Al Qaeda? Quem foi assassinado no Carandiru, Candelária? Quem decretou a pena de morte no Brasil? (mês passado a Suprema Corte do Brasil decretou que todos aqueles que dormissem na rua fossem assassinados, sem direito a apelação). Eu não quis ir a Rússia, preferi estar em Pau dos Ferros (RN), meus lábios ainda sangram com a fome daquele povo, sem escolas, sem Raio X e com maleita. Mas, não posso deixar de acreditar que essas mesmas pessoas que pilham o dinheiro público em detrimento da morte de crianças no sertão nordestino, não sejam as mesmas que tramam a queda de torres, a matança de crianças em escolas russas, para se manterem no poder por mais 4, 8, 12, 200 anos, sufocando o mundo com suas políticas e os gases de suas fábricas que valem mais que vidas humanas. Somos da paz, mas não essa paz de estar bem em casa – “o melhor lugar do mundo é aqui, e agora”. Não quero ser um pacifista bem alimentado e com bons livros na prateleira. Gandhi foi à rua, lutou por sua liberdade, boicotou àqueles que pilharam seu país, que matavam em nome da liberdade. Façamos jejum por ideologia, enquanto o povo nordestino faz jejum por opressão dos tiranos. Não se deixem enganar, “por trás da campanha contra o terrorismo esconde-se a militarização de grandes regiões do mundo, o que levará à consolidação do que poderia ser descrito como um império estadunidense (...). A guerra e a globalização caminham juntas. E por trás desse processo, que consiste em estender fronteiras do sistema global, percebe-se claramente a presença do poderoso establishment financeiro de Wall Street, dos gigantes do petróleo anglo-americanos e da indústria bélica. O propósito final da nova guerra dos EUA é transformar nações soberanas em territórios abertos (ou áreas de livre comércio), tanto por meios militares quanto pela imposição de reformas econômicas asfixiantes” (Guerra e Globalização – antes e depois de 11 de setembro de 2001. Michel Chossudovsky, Expressão Popular, 2004). O autor afirma ainda que o objetivo dessa guerra é recolonizar a China, o Irã, o Iraque, a Índia e... os países do antigo bloco soviético. Quem poderia imaginar que as oligarquias matam crianças de fome no sertão nordestino? Quem poderia imaginar que o olhar cínico de Putin no hospital não reflita o sangue de crianças em escolas da Rússia, em troca de poder? Bush já deixou bem claro que, a partir do ocorrido na Rússia, sua política está no caminho certo.
Quanto vale o sangue de uma criança? Nos resta reler “O Círculo de Giz Caucasiano” de Bertold Brecht e verificar que NADA justifica o sangue de uma criança, NADA.
E para ficar bem claro: a cena do soldado carregando sua filha morta me marcou profundamente, não desejaria tal sofrimento a qualquer pessoa. A cena de pessoas comendo xique xique é repudiante. “Não deixe a guerra (e a fome) começar...”.

Ensaio bucólico de uma tarde doentia de Domingo

Na bagunça do meu quarto me encontrei. Assisti o doce remédio de rever o passado, ardendo nesse sol dourado que teima em queimar minha pele. Fui de encontro com a maldade daqueles que não amam, daqueles que sofrem e dormem em leitos de hospitais. Encontrei jornais velhos, velhas lembranças, daquele que não sou mais. Me percebi, mais uma vez, impotente, inconsequente. Me percebi próximo a mim mesmo ao enxergar a doçura do sorriso de uma criança. Não acreditei que pudesse sentir tamanho desprezo daqueles próximos, feitos de carne e osso, como se fossem o armário mudo que sustenta os livros. Minha vontade é de ir (ou rir) por aí, sair de bicicleta, andar, correr... ver o mundo com olhos de transformação. Aonde está o amor, piegas e erótico? Está no olhar dos que tem fome, das barrigas doentias, nos tremores do vil metal. E mais um domingo se foi, como se fosse um sorvete que derrete no ar, e nossas vidas para onde foram? Derreteram-se também, ou se encontram à espera de nós mesmos? Hoje eu descobri que não mereço ser tão só, pois sou do mundo, sou daqueles que o sol também queima, daqueles que catam lixo, nos olhares indiferentes e normais dos que assistem sem pagar. O preço da liberdade é a força de caminhar, levantar a cabeça e adoecer no escuro véu. Não me digam por onde ir, seguirei os passos dos urubus encarniçados, do velho cheiro de ferrugem, da fuligem que corta o céu da ignorância. E não esqueça: Te amarei horas a fio, se assim quiseres sentir o vasto odor da minha língua que consome a solidão dos mortos. Só existirá amor na quebra total da miséria que aí se instaura, na morte dos truculentos que exalam o poder, no roubo e na lágrima da consciência do injusto. Alguém um dia saberá sentir a força dos que dizem a verdade, e na insólita caminhada descalça, tropeçar e quebrar o nariz da vaidade. Só assim, sentirei o amor entrar pela janela que tranquei, antes de sair da minha casa. Só assim abrirei portas para cuidar da grande massa desprezada, dos olhares que teimam em pedir clemência e não se vêem como humanos. Não há mais tempo, o relógio caiu da parede e transformou-se num dilúvio de horas, minutos e segundos que fazem da carne um amontoado de pedaços, prestes a se romper. E por fim não vou sentir a dor do que não consegui conquistar, pois a vitória só se faz com a justiça do conjunto, quando a maioria perceber a bravura de sermos mil, de sermos sós, de sermos nós...

Considerações preliminares sobre os elementos da Sociologia do Futebol

Considerações preliminares sobre os elementos da Sociologia do Futebol
Lauro Pires Xavier Neto

A Sociologia do Futebol é um ramo da sociologia que trata especificamente de temas sociais, que estão inseridos dentro da prática do esporte mais popular do mundo. Pela magnitude do futebol, estudos sociológicos são essenciais para a compreensão deste elemento da cultura corporal, inserido num contexto de sociedade, avaliando o seu papel e verificando o nível de sua atuação social.
Este texto fará uma análise do futebol, enquanto desporto coletivo, à luz da sociedade capitalista, baseado na obra Marxista. Não se trata de um estudo acabado, e sim, uma síntese acerca de alguns elementos preliminares para a elaboração de um pensamento mais criterioso de como o futebol é (mal)tratado na nossa sociedade de classes.
Num contexto mundial, é possível verificar a grandeza do futebol através da comparação entre a Organização das Nações Unidas (ONU), que congrega 189 membros e sua fundação data de 1945, e a Federation Internacional de Futebol Association (FIFA), que possui 198 filiados, fundada em 1904. Além disso, o nome Pelé (maior jogador de futebol de todos os tempos) é nome mais conhecido do mundo inteiro, ficando a frente da Coca-Cola e do Papa (pesquisa realizada pela ONU). Em termos financeiros, o futebol movimenta 255 bilhões de dólares, enquanto que a General Motors, 170 bilhões (Murad, 1996).
No Brasil o futebol é uma realidade, que consiste em vários campinhos de pelada e que profissionalmente congrega 12 877 clubes e 600 000 jogadores, sustentáculos da paixão nacional. Paixão essa que levou e leva escritores, poetas, músicos e artísticas a declararem em seus trabalhos elementos sobre o futebol, retratando o caráter cultural do fenômeno. Podemos citar José Lins do Rego, Vinícius de Moraes, Pixinguinha, entre tantos outros.
Porém o futebol, não faz parte apenas da nossa elite cultural, ao contrário, se entranha nos lares das classes menos favorecidas materialmente, ilimitando-se na estratosfera das camadas sociais. E é nesse ponto sem limites, que o futebol deixa de ser apenas um jogo de 22 pessoas e uma bola, tornando-se um elemento da nossa estrutura social, podendo estar a favor ou não dos interesses da classe dominante. Exemplo claro desse fenômeno esportivo foi a campanha “prá frente Brasil”, utilizada pela regime militar na Copa de 70.
Como num drible seco e astuto, aproveitamos o momento para teorizar sobre a sociedade capitalista, para que possamos entender melhor sobre as nossas vidas e sobre o futebol.
Segundo Marx e Engels (1848), escrevendo sobre a classe burguesa, afirmam: “a burguesia não pose existir sem revolucionar os instrumentos de produção, e com isso todas as relações sociais”. Nesse sentido entendemos que o futebol não é um monstro a serviço da classe dominante, alienando a classe trabalhadora, e sim vítima do modelo capitalista, que apodera-se de todas as relações sociais, a custa do suor da grande massa.
Já podemos amarrar, nesse meio campo, um bate bola a respeito das temáticas sociais, numa visão marxista, explicitando como os capitalistas se apropiam dos valores da cultura do futebol. Vamos aos exemplos: excessiva mercantilização do futebol, os baixos salários da maioria dos jogadores de futebol em detrimento a alguns poucos ‘astros’ que recebem milhões, a imposição de contratos por parte dos dirigentes.
A relação salarial é um dos pontos mais críticos e severos da relação comercial do futebol. Para se ter uma idéia 50,8% dos jogadores profissionais do nosso país ganham até 1 salário mínimo mensal (sem falar que muitos jogadores trabalham de graça para os seus clubes, esperando serem reconhecidos!). Entre 1 e 2 salários mínimos mensais este número chega a 30,2%, ou seja, mais de 80% dos jogadores brasileiros não recebem mais de 2 salários mínimos (dados Folha de São Paulo, 1997). Nesse mundo ilusório, os jovens e adolescentes largam seus estudos em busca de um sonho, forjado pelo sistema, de um dia serem grandes jogadores.
Dessa feita, o futebol perde o seu brilho e torna-se um aríete dos interesses da classe dominante, que exploram uma grande maioria em favor do interesse de poucos. O Manifesto Comunista trata sobre essa relação: “A burguesia, onde conquistou o poder, destruiu todas as relações, ..., não deixou entre homem e homem outro vínculo que não o do frio interesse, o do insensível pagamento em dinheiro, ..., fez da dignidade pessoal um simples valor de troca, no valor de um sem número de liberdades legítimas e duramente conquistadas, colocando a liberdade única, sem escrúcpulos, do comércio.”(Marx e Engels, 1848)
Entendemos que é inaceitável tantas diferenças que o sistema capitalista nos traz como verdades absolutas, e que normalmente recebemos como valores reais. Não podemos acreditar que é justo e honesto um Ronaldinho da vida receber milhões, enquanto que jogadores profissionais da cidade de João Pessoa – PB não recebem salários durante vários meses e normalmente trabalham outro expediente, em outra profissão. Não podemos aceitar essa sociedade capitalista, que fomenta a miséria, a prostituição, a seca, o descaso com milhares de nossos irmãos, não podemos calar e permitir esse desmonte de nossas vidas por empresários, agiotas, banqueiros e especuladores. Famintos, artistas, homens progressistas, flagelados, jogadores de futebol, uni-vos!.

21.12.05

O Sonho e a Meta

Dezoito horas. Na sala de jantar peguei a faca e comecei a cortar o pão com o intuito de recheá-lo de tomate e pepino, pois precisava realizar uma refeição leve, já que aquele seria o dia, depois de três meses ausente, de meu retorno aos gramados futebolísticos. O olhar, distante e reflexivo, apontava para tempos outros, relembrando os momentos áureos nos gramados colegiais onde sempre despontei como arqueiro de meta, ou simplesmente: goleiro. Nesta posição, passei metade da minha vida sendo, por muitas vezes, o culpado pelas derrotas e quase sempre esquecido nas vitórias e cumprindo invariavelmente a dolorosa tarefa de buscar a bola no fundo das redes. Acredito que o papel desempenhado pelo golquíper caracteriza o arquétipo do sujeito que escolheu essa posição: introspectivo, solitário, corajoso e sonhador, além de carregar consigo a difamante insígnia de péssimo jogador de linha.
Havia dado a última mordida no pão e resolvido, naquele instante, que desistiria da carreira de goleiro e partiria para a função de atacante e, assim, começaria uma nova vida, já que estava naquela cidade há apenas 90 dias e precisava, aos trinta anos, recomeçar minha história. Distraído, levei um susto ao chamado súbito de minha esposa: “- Pensador! Ó pensador!, desse jeito você vai se atrasar para o seu primeiro dia no campo de futebol.”
Corri para pegar a chuteira, o meião, a caneleira e, por um instante, refutei em levar comigo o bermudão acolchoado e o par de luvas. Pensei e resolvi levar apenas o primeiro, caso não conseguisse cumprir o desejo de atuar na linha. Sem fugir às características de um bom goleiro, resolvi não contar à companheira que iria me aventurar em outras veredas naquela noite. Dei tchau, recebi um beijo carinhoso e quando, já de costas, escutei o recadinho não convencional: “- Cuidado para não se machucar!”.
Dez para as sete cheguei ao campo de futebol, que, para mim, significava o regozijo pelo lazer tão escasso naquela cidade que eu ainda estava reconhecendo. Três meses de adaptação para que pudesse conseguir um espaço no time de futebol com pessoas que mal havia conhecido, mas futebol é isso: um lugar democrático e prazeroso quando encontramos um belo gramado e uma turma preocupada em se divertir – aquele era o lugar!
Minha primeira iniciativa foi contar quantos sujeitos de luvas e bermudões acolchoados encontravam-se aquecendo. Um..., dois, ... três, que prazer enorme encontrar os pares em quantidade suficiente para cumprir o desejo peremptório de atuar como atacante e finalmente inverter a lei de pegar as bolas no filó e marcar um fabuloso tento. Mas, fui logo questionado pela pessoa que começava a dividir os times: “- Joga em qual posição?”. Mal comecei a expressar o doce desejo de atacante e logo chega a subjeção: “- Dessa altura, com essa bermuda... hoje nós temos quatro goleiros. Espere para o próximo jogo”. Sentado e impávido de assumir a minha decisão, esperei intermináveis vinte minutos para a troca do terceiro goleiro, mais cinco minutos e chega o convite: “- Goleiro, entra aqui”. Respondi firmemente, sem titubear, apesar das insistências: “- Eu vim para jogar na linha”, desejo logo entendido pelo atacante de colete vermelho, que, já cansado, repassou-me a função tão desejada. Tinha a convicção de que ali não era minha praia e meu coração, a mil por hora, já denunciava isso.
No primeiro lance não consegui nem dominar a pelota. No segundo, fui derrubado perto do meio campo, contudo não me continha em realizar o sonho. Num lance inesperado, o zagueiro da outra equipe tentava dominar a bola frente ao seu goleiro, de maneira que não percebeu minha presença silenciosa a ponto de roubar-lhe a bola, restando-me girar o corpo e chutá-la indefensável. Mas, o inopinado aconteceu e a lembrança das palavras da amada tomou conta daquele gramado. O joelho, não acostumado com tamanho esforço, não resistiu àquela pressão e fez desabar em dor o metro e oitenta. “- Nada muito grave”, disse o médico e após dez sessões de fisioterapia e da natação, estava eu de volta ao campo do clube, mas naquela velha posição de goleiro – o sonho transformou-se em meta.
Frederico Linho