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22.12.05

Não boto bomba em banca de jornal

“Não boto bomba em banca de jornal, nem em colégio de criança, isso eu não faço não, nem protejo general de dez estrelas que fica atrás da mesa com o * na mão”.
* censurado pela língua culta da academia.

Meus lábios rachados denunciam a viagem que fiz neste fim de semana. No interior do Rio Grande do Norte conheci um sol escaldante responsável pela marca de dor na pele árida da população. Marcados em Ferros, como rés desgarrada, os Paus refletiam o cotidiano errante de um povo sem vida, embebidos em bares e comícios de esquina. No ranking 2670, dos 5507 municípios, encontramos um índice de exclusão social de 0,442 (quanto maior o índice, melhor a situação social – de 0,00 a 1,00), índice de emprego formal de 0,071, índice de desigualdade 0,0081, de pobreza 0,424. Encontramos longas casas com cercas elétricas, separando aqueles que não dormem, porque não comem, daqueles que não dormem com medo dos que não comem (Josué de Castro). Cercas elétricas iguais àquelas invisíveis de escolas, que mais parecem paredões de fuzilamento matando crianças de fome, de sede, de conhecimento. A visão do alto dos muros deve ser idílica para quem come. De baixo só vejo o mato escaldante, de um sol seco esverdeado. Nem as cores distingo mais, o calor comeu o meu juízo – ao lado, um calango assado que alimenta seis, sete, oito buchos enlameados. Quem teria matado essas crianças? “Quantas crianças Deus já tinha matado?”. Quantas bombas, quanta miséria, quanta falta de escrúpulos, quantos Putins, Bushs, Bin Ladens, quantos coronéis armados pelo império? “Vem falar em liberdade pra depois me bater?”. As gêmeas torres tombaram à direita, armadas num plano mirabolante de fazer a guerra acontecer. Quem armou a Al Qaeda? Quem foi assassinado no Carandiru, Candelária? Quem decretou a pena de morte no Brasil? (mês passado a Suprema Corte do Brasil decretou que todos aqueles que dormissem na rua fossem assassinados, sem direito a apelação). Eu não quis ir a Rússia, preferi estar em Pau dos Ferros (RN), meus lábios ainda sangram com a fome daquele povo, sem escolas, sem Raio X e com maleita. Mas, não posso deixar de acreditar que essas mesmas pessoas que pilham o dinheiro público em detrimento da morte de crianças no sertão nordestino, não sejam as mesmas que tramam a queda de torres, a matança de crianças em escolas russas, para se manterem no poder por mais 4, 8, 12, 200 anos, sufocando o mundo com suas políticas e os gases de suas fábricas que valem mais que vidas humanas. Somos da paz, mas não essa paz de estar bem em casa – “o melhor lugar do mundo é aqui, e agora”. Não quero ser um pacifista bem alimentado e com bons livros na prateleira. Gandhi foi à rua, lutou por sua liberdade, boicotou àqueles que pilharam seu país, que matavam em nome da liberdade. Façamos jejum por ideologia, enquanto o povo nordestino faz jejum por opressão dos tiranos. Não se deixem enganar, “por trás da campanha contra o terrorismo esconde-se a militarização de grandes regiões do mundo, o que levará à consolidação do que poderia ser descrito como um império estadunidense (...). A guerra e a globalização caminham juntas. E por trás desse processo, que consiste em estender fronteiras do sistema global, percebe-se claramente a presença do poderoso establishment financeiro de Wall Street, dos gigantes do petróleo anglo-americanos e da indústria bélica. O propósito final da nova guerra dos EUA é transformar nações soberanas em territórios abertos (ou áreas de livre comércio), tanto por meios militares quanto pela imposição de reformas econômicas asfixiantes” (Guerra e Globalização – antes e depois de 11 de setembro de 2001. Michel Chossudovsky, Expressão Popular, 2004). O autor afirma ainda que o objetivo dessa guerra é recolonizar a China, o Irã, o Iraque, a Índia e... os países do antigo bloco soviético. Quem poderia imaginar que as oligarquias matam crianças de fome no sertão nordestino? Quem poderia imaginar que o olhar cínico de Putin no hospital não reflita o sangue de crianças em escolas da Rússia, em troca de poder? Bush já deixou bem claro que, a partir do ocorrido na Rússia, sua política está no caminho certo.
Quanto vale o sangue de uma criança? Nos resta reler “O Círculo de Giz Caucasiano” de Bertold Brecht e verificar que NADA justifica o sangue de uma criança, NADA.
E para ficar bem claro: a cena do soldado carregando sua filha morta me marcou profundamente, não desejaria tal sofrimento a qualquer pessoa. A cena de pessoas comendo xique xique é repudiante. “Não deixe a guerra (e a fome) começar...”.

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