22.12.05
Ensaio bucólico de uma tarde doentia de Domingo
Na bagunça do meu quarto me encontrei. Assisti o doce remédio de rever o passado, ardendo nesse sol dourado que teima em queimar minha pele. Fui de encontro com a maldade daqueles que não amam, daqueles que sofrem e dormem em leitos de hospitais. Encontrei jornais velhos, velhas lembranças, daquele que não sou mais. Me percebi, mais uma vez, impotente, inconsequente. Me percebi próximo a mim mesmo ao enxergar a doçura do sorriso de uma criança. Não acreditei que pudesse sentir tamanho desprezo daqueles próximos, feitos de carne e osso, como se fossem o armário mudo que sustenta os livros. Minha vontade é de ir (ou rir) por aí, sair de bicicleta, andar, correr... ver o mundo com olhos de transformação. Aonde está o amor, piegas e erótico? Está no olhar dos que tem fome, das barrigas doentias, nos tremores do vil metal. E mais um domingo se foi, como se fosse um sorvete que derrete no ar, e nossas vidas para onde foram? Derreteram-se também, ou se encontram à espera de nós mesmos? Hoje eu descobri que não mereço ser tão só, pois sou do mundo, sou daqueles que o sol também queima, daqueles que catam lixo, nos olhares indiferentes e normais dos que assistem sem pagar. O preço da liberdade é a força de caminhar, levantar a cabeça e adoecer no escuro véu. Não me digam por onde ir, seguirei os passos dos urubus encarniçados, do velho cheiro de ferrugem, da fuligem que corta o céu da ignorância. E não esqueça: Te amarei horas a fio, se assim quiseres sentir o vasto odor da minha língua que consome a solidão dos mortos. Só existirá amor na quebra total da miséria que aí se instaura, na morte dos truculentos que exalam o poder, no roubo e na lágrima da consciência do injusto. Alguém um dia saberá sentir a força dos que dizem a verdade, e na insólita caminhada descalça, tropeçar e quebrar o nariz da vaidade. Só assim, sentirei o amor entrar pela janela que tranquei, antes de sair da minha casa. Só assim abrirei portas para cuidar da grande massa desprezada, dos olhares que teimam em pedir clemência e não se vêem como humanos. Não há mais tempo, o relógio caiu da parede e transformou-se num dilúvio de horas, minutos e segundos que fazem da carne um amontoado de pedaços, prestes a se romper. E por fim não vou sentir a dor do que não consegui conquistar, pois a vitória só se faz com a justiça do conjunto, quando a maioria perceber a bravura de sermos mil, de sermos sós, de sermos nós...
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