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3.5.09

O choro e a razão cínica

Encontrei esse texto meu, escrito em 2003, na página "Chico Terra - imagens e notícias da Amazônia" e resolvi republicá-lo no blog.

Escrito por Lauro Xavier Neto
01-Dec-2003
Dois episódios marcaram esta semana a história política do Brasil. O primeiro foi o prelúdio de uma coragem que não vingou, o segundo representou a coragem de um choro soluçoso. A imprensa escrita registrou o primeiro, a TV Senado o segundo – eternizaram na memória dos brasileiros."O Triunfo da Razão Cínica" – artigo de César Benjamim na Caros Amigos número 80 – parecia o anúncio da coragem da esquerda brasileira em romper com os esquemas perniciosos do Governo brasileiro, junto à estrutura imperialista na qual continuamos dependentes.
Parecia um ato organizado de subversão à ordem vigente, um grito ressoante que faria chegar aos ouvidos de milhares de militantes do movimento social como um sinal beligerante do coordenador da Consulta Popular. "Veja bem nosso caso é uma porta entreaberta", já alertava Gonzaguinha que parecia caminhar de mãos dadas com um Benjamim denunciador, consciente e exasperado com a situação de degradação que se encontra o Partido dos Trabalhadores. Na denúncia, o autor de olhos bem abertos, mostra representação da Articulação, que diz não ter o poder, mas tem o Governo (de coalizão), que num continuísmo descabido despreza o sonho de milhões de brasileiros, ignora aqueles que construíram o partido e cede favores e a legenda a todos os mentecaptas, corruptos e assassinos do passado, hoje aliados e responsáveis pela governabilidade.Benjamim aponta a onda de desemprego, porém esqueceu (ou não houve mais laudas) de denunciar de forma contundente as reformas burguesas que o Governo vem impondo aos trabalhadores, os cafés da manhã com Bush Jr. no intuito de apressar os acordos da ALCA, a liberação dos transgênicos, a demora no Plano de Reforma Agrária, o criminoso superávit primário que retira dos cofres públicos dinheiro que deveria estar a disposição do país, e ao contrário serve ao FMI.
O país continua o birô dos interesses do imperialismo norte-americano que mata milhares de pessoas com a sua ganância capitalista.O PT só quer o poder, anuncia e denúncia o escritor. Nessas mesmas linhas o jornalista paraibano Oduvaldo Batista já anunciara num dos jornais da capital mais verde do Brasil: "O PT foi criado pela ditadura militar, articulado pelo Golbery". Difícil acreditar nesse pensamento? Uma pátria semiadormecida, desarticulada politicamente, uma Central de Trabalhadores calada ante o desmonte de garantias previdenciárias, um estrondoso número de militantes catatônicos, afônicos ou cantando em prosa e verso um discurso neoliberal, "alguma coisa está fora da ordem?".
O Benjamim não pede para o Lula fazer uma revolução, mas pede desculpas no outro dia pelo que escreveu. Acreditem! Os leitores cadastrados no sítio da Caros Amigos receberam uma mensagem eletrônica do autor se dizendo raivoso e maniqueísta. "Recuem nobres cavaleiros, não é chegada a hora de avançar". Pasmem! Tática, estratégia, ou covardia contagiante? Não, Benjamim, não me senti agredido com seu texto, ao contrário, senti um regozijo (efêmero) acreditando ser a hora de juntarmos esforços e esperanças, num sentido concreto, e não cínico, em busca da tomada de poder pelo povo brasileiro.Ao fechar a revista, ao ler a mensagem de desculpas, sigo para a TV. A reforma da previdência está para ser sacramentada pelo Senado. Já havia passado pelos "trezentos picaretas" e só necessitava de 3/5 de 81. Quantos/as senadores/as representam a vontade do povo? Repito a pergunta: quantos mil reais se faz um senador/a? Quanto vale a ideologia e a consciência de um/a parlamentar? Quantas noites de sono custou ao Mercadante (um homem inteligente já dizia minha mãe) a permanência de Toinho Malvadeza no senado?
Só encontrei uma pessoa de coragem, chorosa, mas corajosa naquele parlamento. Assisti com emoção ao discurso de Heloísa Helena na TV senado, que mostrou a todos os covardes, outrora militantes do povo, a história do PT contada não por intelectuais, mas por aquela que ajudou a construir um partido às custas de por em risco sua própria vida, lutando contra coronéis e reacionários que junto ao poder não queriam largar o osso, caminho político apontado por Benjamim em seu texto. Não bastante tudo que se passava naquela sessão, vem o Mercadante e cita o Max Weber, assume que não tem coragem de colocar em risco o poder tão sonhado, que não pode fazer nada pelo povo tão sofrido e que o dragão da maldade, travestido de imperialismo, venceu a história daqueles que construíram um partido dito popular. Responsabilidade e convicção não se misturam, segundo o economista, e o pragmatismo do Governo não consegue observar a fome e a brutalidade para com o povo brasileiro, não enxerga um palmo a frente a ideologia que aparentemente sempre construíram. Fico com o prelúdio do Benjamim, com a lágrimas da Helena e repudio o cinismo do homem inteligente.
O PT e sua sede de poder acabam por ressuscitar figurinhas carimbadas da história reacionária do país. Acende a chama do Mão Santa (PMDB/PI), faz surgir o Efraim Moraes (PFL/PB) e tantos outros direitistas que fazem jogo de cena para fantasiar com a mente da população brasileira – o grande circo está armado. Por outro lado, e a dialética permite isso, a firmeza da senadora chorosa não se apagará da mente daqueles que acreditam na transformação social, não aquela transformação por demais demostrada que corrompe as almas, os bolsos e os egocêntricos, a transformação propriamente dita, aparentemente conclamada na coluna de Caros Amigos e realmente esbravejada da tribuna do senado.
Enfim, entre o choro e a razão cínica germina no país um sentimento de frustração, bem demostrado pela Heloísa Helena, uma amargura sem precedentes daqueles que ajudaram a construir um sonho e acabaram por propiciar um ato desavergonhado de entrega do Brasil ao capital estrangeiro e aos interesses das corporações. Cabe agora enxugar as lágrimas e iniciar o comando de uma ação nunca expressa em revistas ou transmitida via satélite pela TV. Uma ação coordenada sem choro, nem cinismo, porém eficaz em suas conquistas de liberdade, soberania e luta popular._______________________________________________________
Lauro Xavier Neto é professor de Educação Física na UESB, mestrando em Educação Popular na UFPB.

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