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30.5.09

um dia na "Caros Amigos" número 61

Em 2002 mandei uma carta para a Revista Caros Amigos concordando com o polêmico artigo "Esporte Mata". A carta foi publicada e o autor, José Róiz, citou-me na réplica e concedeu-me a cidadania baiana.
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Por que esporte mata
José Róiz
Dos caros leitores da revista Caros Amigos, um baiano de Jequié, Lauro Xavier Neto, professor de educação física, concordou plenamente comigo, mas André Luiz Gomes de Araçariguama, SP, supõe que esporte nunca mata. Ao ler as duas críticas lembrei-me de uma entrevista que concedi ao programa Sem Censura, onde defendi a mesma tese: esporte mata. Nesse mesmo dia foi entrevistado também o cantor Morais Moreira, tendo ele afirmado que não existe baiano burro. De fato, sempre morei aqui no Sudeste, mas já convivi com centenas de baianos e nunca notei deficiência em nenhum deles.
A afirmativa do outro caro leitor merece explicação. Até concordo com ele, que esporte nunca mata, mas somente quando se trata de longevo. Esta categoria de indivíduos costuma passar dos 85 anos, mesmo comendo “pedra moída” e tomando “sopa de tachinha” todos os dias. Creio que jamais escreveria o livro Esporte Mata se toda a humanidade fosse composta somente de longevos. Mas, como a maioria não é longeva, está sempre sujeita a vários tipos de doença. Mas como o esporte mata? O mecanismo de ação desse tipo de morte merece ser esclarecido.
Meu cunhado sofreu infarto aos 32 anos, jogando futebol de salão, mas não morreu porque deve ser meio longevo, isto é, sua expectativa de vida deve estar em torno de 75 anos de idade, porque seu pai faleceu com 76 anos e sua mãe com 74. A média de idade, nesse caso, é de 75. Mas a medicina não é como as ciências exatas. Às vezes os pais morreram muito jovens, mas alguns dos filhos se tornaram longevos. Isso ocorre com alguma freqüência. Só não sabemos como pode acontecer.
Outro amigo meu teve infarto fulminante aos 55 anos de idade, também jogando futebol de salão. Isso aconteceu porque sua genética deveria ser muito desfavorável.
No tempo em que o método de Cooper estava no auge, todo mundo corria todos os dias no calçadão de Copacabana e nas praças de quase todas as cidades. De vez em quando, um caía estatelado e era levado para o cemitério.
Esse tipo de morte se dá do seguinte modo: quando o indivíduo não é longevo, isto é, quando em seu organismo predomina o hormônio da supra-renal denominado glicocorticóide, cuja atividade é impedir a ação da insulina, que procura “limpar” o sangue, enviando para os tecidos o excesso de muitas substâncias, como a glicose, o ácido úrico, o colesterol, o LDL (colesterol “ruim”) etc., todas essas substâncias tendem a aumentar no sangue. O aumento de LDL determina o aparecimento de placas de ateroma nas artérias e o espessamento delas, diminuindo o calibre desses vasos e, conseqüentemente, a nutrição do próprio coração, que finalmente se obstrui e constitui o infarto.
Havendo na maioria das pessoas a predominância do glicocorticóide, é natural a freqüência do aparecimento do infarto. A prática de exercícios aeróbicos, como a corrida, a natação etc., irá antecipar muito esse desfecho, daí a razão de ser permitido dizer que esporte mata. A antecipação da morte está ligada ao esporte estressante. Ora, se ele é dessa natureza, aumenta a produção dos dois hormônios do estresse: a adrenalina e o glicocorticóide. Portanto, se há aumento de produção de glicocorticóide, é de se esperar que aumente também o LDL no sangue e, conseqüentemente, haja maior espessamento das placas de ateroma.
Há muitos anos pedi a alguns jovens do Minas Tênis Clube que dessem alguns “tiros” na piscina para eu medir a pressão arterial deles antes e depois desse pequeno exercício. Notei que a pressão de alguns estava em 9/12, isto é, era uma pressão convergente, indicando que a capacidade do coração deles era aquém do normal. Esses jovens, praticando esporte, estariam sujeitos a ter o que se chama de colapso, isto é, predispostos a ter uma parada cardíaca e morrer repentinamente. Aqui não entra aumento de LDL no sangue, formação de placa de ateroma e infarto. O mecanismo é diferente, mas esporte mata.
Esporte só não mata longevo, mas esse tipo de indivíduo pode ter infarto. Isso pode acontecer quando ele abusa da alimentação e fica com excesso de LDL no sangue. Sua insulina é mais eficiente, mas ele comeu demais e nem todo o excesso será enviado para os tecidos, ficando um pouco no sangue, para determinar formação de placa de ateroma, e um dia ele pode ser acometido de infarto, que geralmente não o mata.
Esporte só não mata longevo, mas a maioria das pessoas está sujeita a ser faturada por ele, principalmente nessa época de muita agitação em que vivemos. Atualmente há mais estresse do que há cinqüenta anos, isto é, a produção de glicocorticóide está muito aumentada na maioria das pessoas. Muito cuidado, esporte mata!
Indivíduo muito musculoso geralmente tem mais força física. Mas não vá pensar que ele é também mais sadio e possa viver mais do que você. Isso não acontecerá nunca. Pelo contrário, ele tem menos saúde e viverá menos do que o indivíduo normal. A razão disso está na sobrecarga do coração do atleta para alimentar também todo o excesso de tecido que foi criado. Ele foi feito para ter músculos de dimensões normais. A natureza jamais os faria hipertrofiados. Não faria porque, se os fizesse assim, estaria contrariando a si mesma, isto é, a perpetuação da espécie, pelo que ela sempre lutou.
A aptidão atlética encurta a vida porque ela se liga ao excesso e todo excesso é causa de envelhecimento. Essa afirmação é outra maneira de dizer que esporte mata.
Fonte: Caros Amigos nº 61 (abril de 2002)

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