Frederico Linho
Na verdade eu nunca entendi o
porquê de ter que forrar a cama todas as manhãs. Nem mesmo colocar a mesa para
o café, depois tirar tudo e refazer o serviço para o almoço e jantar. Eu me
sentia o próprio Sísifo, na sua rotina intermitente. Eu nunca entendi porque a
casa tinha que estar sempre arrumada e nenhum papel poderia estar fora do
lugar. Que o diga aquele encarte da Legião V, aclamado por mim durante horas e
que depois tomou assento no lixo de casa, por não estar em seu devido lugar.
Nem sei o que senti quando o vi sôfrego, amassado e jogado junto às cascas de
banana. "É a sua mãe e te carregou por nove meses", lembrava um amigo
que escutava minhas lamúrias frente ao encarte fétido. E enxugar os pratos? Por
qual motivo, se a inteligência humana havia projetado o escorredor? E aquelas
bermudas da hora que pouco combinavam com aquele tênis fashion? Como negar
presentes de tão bom grado? Naqueles trajes de primavera havaiana era difícil
encarar os chatos das aulinhas de inglês. Lembro que certa vez me recusei a
calçar um daqueles 'última moda em Paris' e foi pior, pois todos os meus amigos
que iam me visitar eram chamados para avaliar a beleza daquele tênis
marrom-dourado. Duro mesmo era abrir a lancheira na frente dos amiguinhos, pois
aquele cheiro de pão com ovo irradiava pela escola inteira e me deixava rubro
de vergonha. Mas, como dizer para minha avó, que é mãe duas vezes, não colocar
aquele estrelado e substituí-lo por uma singela muçarela? E aquelas estratégias
sórdidas de expor o colchão mijado na varanda do apartamento ou chamar pela rua
inteira quando era a hora de servir a mamadeira? Tudo bem que aos dez anos de
idade já estava mais do que na hora de parar de encher o colchão de uréia e de
comer papinha, mas havia outras maneiras, menos traumáticas, de me fazer
amadurecer. E quando cheguei da escola com um hematoma na bochecha? Até hoje
acho que fui considerado a vergonha da família por ter apanhado de um menino
mais novo. E aquelas costuras, na base dos joelhos, nas minhas calças? Próprias
de um jogador fadado ao fracasso e que ficavam parecendo as roupas do Sítio do
Pica Pau Amarelo, mas, pelo menos, eu comemorava o São João o ano inteiro.
Desculpe-me Mãe, mas eu não
quis que este dia fosse comemorado com mais uma crônica piegas e desbotada,
repleto de presentes mercantis.
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