Estava deitado, cercado pelos travesseiros. O quarto naquele momento era seu quartel-general, refúgio das perguntas indóceis e frequentes do seu pai.
Mas aquela trincheira vulnerável, apesar de deixar claro o desejo da solidão, permitia o avanço das questões que por anos o atormentava.
Subitamente a figura do pai escapava pelas lacunas indefesas do quarto e apresentava-se em forma de perguntas difíceis de respostas.
- Meu filho, onde está a namorada?
Realmente o que responder aos 17 anos? O primeiro desejo é aquele incontido de penetrar na mente do pai e observar que, no fundo, o que incomodava na ausência do par feminino nada mais era do que a imagem dolorosa de ter um filho homossexual.
O segundo desejo era poder vociferar para o pai temeroso, que nada daquilo era certo. Que as longas horas atracado com o travesseiro entre beijos e gemidos fantasiosos, representavam a louca vontade de estar sendo correspondido por aquela menina magra, de pele clara, de sorriso espontâneo e longas pernas.
Amava plenamente aquela magricela e infelizmente não era correspondido. Quase dois anos de declarações, de poemas escritos em letra ininteligível, formatos obscuros de garrancho e tentativas frustradas de beijá-la. Desejava infinitamente convidá-la para ir a sua casa e poder apresentá-la como a pessoa amada.
Mas, invariavelmente, todas as artimanhas idílicas fracassaram. O pior era não saber o motivo da não correspondência amorosa. Buscava diuturnamente respostas para aquele naufrágio sentimental.
Pensava na falta de maturidade ou na não equivalência da condição social. Talvez fosse o perfume equivocado ou a timidez excessiva.
Nada disso o convencia, pois outros garotos mais imaturos e bem menos cheirosos conseguiram beijar aquela boca carnuda e sempre laboriosamente falante.
Certa vez, durante uma daquelas confraternizações juvenis, foi flagrado por um flash focando seu perfil. Curioso teve acesso à foto da máquina do amigo. Aquela imagem reformularia todos os seus conceitos estéticos e enterraria os fantasmas que o cercavam.
Correu para casa, para o quarto de sua irmã. Tirou o grande espelho da parede, peça emblemática da vaidade feminina e correu para o banheiro. Desejava ver-se de perfil no jogo de dois espelhos. Até então não tinha idéia dos estragos da acne em seu rosto. Porém, esta não seria a descoberta avassaladora. Descobrir seu perfil e tomar ojeriza daquela imagem justificava de pronto toda aquela aversão da jovem magricela. Agora não mais creditava o insucesso com as garotas a um despreparo amoroso. E o pior, o motivo precípuo era irremediável.
Um comentário:
Ótimo texto Lauro.
Ainda por esta semana estarei publicando em nosso site: www.romulogondim.com.br
Em tempo: gostei muito da peça teatral. Beto Quirino tinha razão, a dupla é muito boa.
Abraços
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