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4.2.07

passeio pelo mangue


Depois da travessia de canoa, paramos para tomar algo. Procuramos uma pousada e às 14h30min estávamos procurando lugar para almoçar (o prato individual na pousada era R$ 20,00). Encontramos, através de indicações, Dona Moça, uma senhora que servia refeições. Naquele horário já havia terminado o expediente dela e saímos desesperados à caça de um prato de comido. Arlindo e Zé chegaram a pedir um prato de arroz e feijão a um menino que passava pela rua. Segui com Diego para o restaurante/pousada da "Mãe Santa", finalmente encontramos uma refeição. Comemos peixe frito (cavala), com arroz, feijão e rúcula e pagamos R$ 7,00 por pessoa. Lá fomos servidos por Lúcia, uma garotinha de 11 anos que nos contou um pouco de sua história. Havia sido reprovada em matemática e naquele momento fugia do PETI, pois o professor não estava fazendo nada, "apenas olhando para os alunos". O sonho de Lúcia era fazer Direito ou Medicina. Depois do almoço fizemos o passeio pelo mangue. Estava muito cansado.

travessia de Barra de Camaratuba


E essa visão de pau-de-arara-aquático?


O canoeiro, eu, Diego e as duas bicicletas, numa canoa que mal cabia duas pessoas! Ainda sobrou espaço para bater uma foto, se equilibrar e segurar as bicicletas!

"E esse teu sotaque nordestino

E essa tua visão de pau-de-arara

Restos de retalhos de bandeiras

Desfraldadas"

Bandeira Desfraldada - Vital Farias

mais uma canoa, mais um canoeiro - a fome, o cansaço e o desejo de chegar numa pousada não permitiu a conversa


esse foi o morro que subimos para podermos chegar em Barra de Camaratuba e pegarmos outra canoa


estão me vendo? Lá longe pedalando. Essa foi a nossa estrada em 80% do trajeto!


um paraíso nos esperava


e ainda faltava o morro


Depois de vencer a maré alta, o calor, os rochedos, pensávamos que Barra de Camaratuba nos esperava. Faltava ainda subir um morro e seguir uma trilha. Lá do alto reconhecemos Arlindo deitado em "berço esplêndido" já curtindo o rio e aos berros orientando o nosso trajeto pelo morro.

Pra que serve o sofrer?


Finalmente estávamos próximos de Barra de Camaratuba, mas ainda faltava vencer os rochedos, que incomodaram bastante em vários trechos da viagem.

Pra que serve o sofrer?

Pra quem tem solidão

Pra que serve a paixão?

Pra viver apaixonado...

(Mourão voltado em questões - Zé Ramalho)

chegamos em Baía da Traição


Esse foi o pior trecho da viagem. Arlindo resolveu procurar um posto médico para fazer um curativo no pé e Zé foi procurar algum lugar para tomar café. Eu e Diego ficamos esperando numa barraquinha na praia com vista para o farol, tomando água de côco. Havíamos combinado ir por uma trilha e não pela orla, mas eu e Diego discordamos da idéia. Arlindo e Zé demoraram quase duas horas para voltar e a maré encheu. Mesmo assim arriscamos seguir pela orla. Arlindo disparou (talvez chateado pela mudança de planos) e seguimos atrás num terreno impróprio para as bicicletas. Num certo momento tivemos que descer e sair andando empurrando a bicicleta na areia fofa, num sol escaldante de meio-dia.

filosofia de canoa


Nessa travessia aproveitamos para conversar com os dois pescadores que fizeram os papéis de remadores. Lá em Dona Aparecida já sabíamos que a água da localidade era péssima, com Júnior e Edivaldo confirmamos o descaso com os habitantes locais. Ficamos filosofando sobre as possibilidades de mudança, ou não, da vida naquela localidade. Arlindo achava que aquilo era um paraíso, vida pacata e mansa era o suficiente. Perguntei se aqueles jovens estudavam. Júnior falou que estava cursando o terceiro ano do ensino médio, que por muitas vezes acordou às 4h30min da matina para poder pegar o transporte da Prefeitura e poder estudar na "cidade", quando o ônibus quebrava (fato freqüente) voltavam andando. Disse que tem professor que passa até um mês sem aparecer. A merenda, quando tem, é servida também para o ensino médio (o pessoal lá dá um jeitinho). A travessia é longa, requer um trabalho braçal intenso. Lembrei da placa publicitária do governodoestado (sic) que cedia R$ 25.000,00 para a Comunidade de Barra de Mamanguape para implementar um projeto de artesanato. Detalhe: o dinheiro era empréstimo ao Banco Mundial (projeto cooperar). Será que o governo não possui autonomia financeira para bancar vinte e cinco mil? Para "ajudar" a esposa do deputado Ruy Carneiro a fazer uma cirurgia bucal o governou "doou" quase essa quantia. Será mesmo uma vida feliz?

finalmente no barquinho atravessando o Rio Mamanguape

A travessia mais longa do percurso!

3.2.07

vou dar uma espiada na pescaria


Chego para conversar com os pescadores. Pergunto o nome dos peixes, o que eles fazem com a pescaria, como ganham a vida. Um pescador diz que nem sempre é fartura assim, às vezes não pesca nada. O papo é curto e não me deram muita atenção. Perguntei pelos "peixe-boi", já que estávamos numa área de preservação. Existem poucos e de vez em quando aparecem. Dois deles estavam em cativeiro, mas era preciso pagar R$ 5,00 pelo passeio.

vida de pescador


O que fazer com tanta fartura? De repente vem o povo, cada um com sua sacolinha e apanha um pouco do peixe. - Não vende para fora não? Perguntei. A resposta é lacônica e direta: - não! E aí passamos a analisar a vida dos pescadores, compreender o sentido daquilo, a rotina do trabalho e as perspectivas de uma outra vida. A análise fica para a próxima foto, já que foi uma demorada travessia de canoa.

a primeira pousada (chalé)


Chegamos em Barra de Mamanguape sem saber se encontraríamos local para dormir. Felizmente uma senhora alugava um chalé por R$ 20,00 e tomamos o primeiro banho do dia. Achamos um restaurante e Dona Aparecida nos recebeu. Zé pediu para cozinhar o inhame e o jirimum e a gentil senhora ainda complementou com arroz, feijão e uma salada. Dona Aparecida, muito simpática, falou sobre sua vida. Como nordestina seguiu para o Rio com 17 anos deixando sua filha com parentes. Lá trabalhou, deu duro e voltou alguns anos depois para cuidar da mãe. Disse que em Barra de Mamanguape as pessoas vivem da pesca ou da "prefeitura" e que a cidade não oferece muitas possibilidades, além de não acreditar mais nos políticos que "são todos iguais". No outro dia pela manhã tomamos café com ela. Arlindo perguntou se não haveria uma tapioca e Dona Aparecida, na sua calma e descanso, respondeu: - ah! se tivesse eu também queria!!!!
"Salto no escuro de meter medo nos olhos
De meter medo a quem medo nunca sentiu
Tentar a sorte no Rio de Janeiro
São Paulo, no mundo aceito o desafio..."
Hino Nordestino - Moraes

daqui prá frente, quase escurecendo, apenas a sinfonia do mar

Depois desse trecho seguidos pela orla até Ponta de Campina, chegamos depois das 18h e famintos. Corri para a padaria e comprei os últimos quatro pães. Na cidade não encontramos pousadas e numa mercearia lanchamos. Zé comprou inhame e jirimum para cozinhar (ninguém sabia onde!!!!). Nos indicaram que em Barra de Mamanguape acharíamos uma pousada. Saímos pela primeira vez da orla e seguimos por uma trilha de uns 4 km. A lanterna de Zé, acoplada à bicicleta, nos salvou!

rapadura é doce mas é dura


vem vamos embora que esperar não é saber!



Depois de quase voltarmos para o local de origem e tentar uma trilha ou desistirmos (graças ao corte de Arlindo) seguimos adiante, pé-ante-pé enfrentando o mar com a bicicleta nas costas e água na cintura. Notem Arlindo e Zé (que mal aparece) com água até a cintura.

desbravando o caminho


Como fui o único que teve coragem de atravessar a correnteza e verificar o caminho possível pela maré, cheguei sozinho do outro lado. O rochedo e o automático da máquina ajudaram-me a registrar o momento da chegada.

"A mais cruel armadilha

Encruzilhada dos fins

E os alicerces das ilhas

Roído pelos cupins..."

Fuba - Braúlio Tavares

Arlindo sangrando quase desiste da viagem


Arlindo corta o pé numa ostra e ainda estávamos no marco zero da viagem!!!!


"Se cada passo dado é um consolo

É um choro de garrote ferindo o luar

No pico desse morro não finca bandeira

A brincadeira é outra para contar

Fugindo de casa, girando no mundo

Nesse poço profundo

Pesco desejos na beira-mar"

Zé Ramalho

primeiro obstáculo - maré cheia e sem conseguir passar




"Seu moço, eu venho de longe


Não sei onde vou chegar


Não tenho medo de seguir


Mas tenho medo de voltar..."


João do Vale e Libório

a intimidade já no começo do percurso


no cemitério da Guia


Encontrei Francisco Limera, que por coincidência (ou não) havia falecido no mesmo dia, mês e ano que nasci - por isso, e com todo o respeito pela família que nem conheço, pedi a Zé Barbosa que registrasse o fato inusitado.

a viagem mal começou e a primeira parada...


... infelizmente antes da Igreja da Guia em Lucena a primeira ladeira...

Chegada em Costinha-PB


Eu, Arlindo, Diego e Zé Barbosa (os três primeiros professores do CEFET-RN UNED Mossoró), desembarcamos em Costinha-PB e começamos um projeto que muitos chamaram de maluco e Pedro Osmar e Jaiel de Assis diriam:

"Beijo por beijo não vale a pena dar

Morte por Morte é uma loucura só

Eu e o amigo que se desespera

Dentro da cerca de uma prisão

Sabemos, ainda é cedo

Pra pisar na lama

Mas um vôo longo

Pode ser tentado

Enfrentando balas

E outras ações

Feitas por encomenda

Pra te afastar dos teus

Que como mendigos

Andam sem pátria tatuados pelo temor!"

dentro da balsa para Costinha-PB


"Quando me lembro dos meninos do sertão

Vejo Hiroshima nos olhares infantis

Vejo a essência da desigualdade humana

Num verdadeiro calabouço dos guris

Meu coração bate calado enquanto choro

Tirai a canga do pescoço dessa gente

Que só precisa de amor, trabalho e pão"

Petrúcio Amorim - Maciel Melo

Saída na Balsa de Cabedelo-Costinha-PB 29-01-07


"Quem viu a terra gemer

Nos dentes brancos do mar

E a laje fria da espuma

A sete palmos do olhar..."

Fuba-Braúlio Tavares

Intróito à Nação

Depois de quatro dias pedalando com três amigos de Costinha-PB à Pium-RN (125km) aprendi muita coisa. Conheci melhor o Nordeste e o povo que vive à margem do Oceano Atlântico. Vou me valer do magnífico CD de Zé Ramalho (Nação Nordestina, 2000) para expressar tudo que passamos.
"É uma nação
Dentro de um grande país
Um grande povo
Dentro de outro maior
E esse nó
Não desata nem destina
Que essa Nação Nordestina
O Brasil é o melhor" Zé Ramalho