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25.10.15

Escrito denegrido

Hoje eu me sinto tão negro
Orgulho da cor, do nariz,
do tamanho do meu cabedal

Orgulho de compartilhar escritos
De me sentir Zumbi
na resistência à elite colonial branca

Hoje eu me sinto tão negro
Mesmo que a elite exponha suas propagandas arianas

Mesmo que digam que o meu é bom
Em detrimento a um cabelo que teimam adjetivar de ruim

Meus beiços, meus beijos
Meus sentimentos negros
Dos meus antepassados
Da minha bissavó que não foi capitã
de Areia

 

Para da Costa (ou Camarada Yuri)

Não para da Costa
Para costa antes do naufrágio
Tantos ratos neste porão
Tantos vazios nestas costas

Submersos nossos sentimentos
Não permitiremos que nos afoguem
Para a costa!

Homens e mulheres à vista
De longe em longe
Como em Terra dos Homens

Um diria veremos a costa
Límpida, fagueira e resplendente
Para isso é preciso repetir,
sempre e sempre:
Não para da Costa!

21.10.15

Professor Jó

Terça, três da madrugada. Acordo depois de um pesadelo. Uma sala de aula, alunos procurando intrigas e blasfêmias. Tentativas frequentes de estratégias para desestabilizar o professor. Conversas paralelas, caras e bocas. Tocaias para provocar o erro. Ar sarcástico, ironias, desamor.

Acordo ofegante e passo a escutar o alarme do relógio hora após hora, até as seis da manhã.

Começa o dia. Uma rotina que se prolonga por longos dezoito anos.

A última vivência, sempre taxo como a mais dolorosa experiência do magistério que enfrentei. Meus neurônios não suportam, fustigados pelo tempo.

Um equívoco qualquer é inevitável apesar das longas horas de preparação e leituras prévias.

O pesadelo era a antevisão, a aula a realidade.

Seres inacabados, de sentimentos inexplicáveis, transformam o déjà vu em tormenta concreta.

Próxima terça, enfrentarei um novo colisseu de leões sedentos que irão se revezar até dezembro - ou até eu parar de oferecer minha carne de Jó. 

16.10.15

GastroCultural

Serve rima
No almoço
Severina

Em terra de mudo

Olho para dentro
De olho no furacão
O olho da tempestade
Olha para mim
Com olhos de fúria

Não confundo alhos com bugalhos

Todos os olhos
Olham para mim

E enxergam muito bem

15.10.15

Ano tosco

Escorre pelo funil ano tosco
Enforca-te com tua própria gravata
Leva contigo uma lesão de menisco
O verdugo que te pariu
E as reminiscências que afligem minha cabeça

Oh ano tosco
Lembre-me de brindar o janeiro
De ludibriar teu sucessor
Para esquecer as sequelas passadas

Durma em paz ano tosco
Sem processos, joelhos, cartas passionais ou diretores infames

Anayde

Vim ao teu encontro apenas para dizer:

Não sintas culpa por essa carranca enterrada no centro da capital paraibana.

Já temos certeza que são esses restos mortais (liberais) que emperram toda e qualquer possibilidade desta terra do Norte encontrar o desenvolvimento.

Não foram tuas cartas, tua dor, tua paixão ou tua liberdade que entravaram o desiderato desse povo do Norte.

Esses ossos infrutíferos e essa história mal contada precisam ser cremadas e jogadas em alto mar!

Anayde, precisas contar tudo o que sabes. Precisas expurgar esse doce veneno, fazer explodir essa paixão pela vida, resplandecer esse tomar de conta do teu destino.

Livra-nos desse vermelho e preto.

Voo Pedagógico

Depois de quase vinte anos no magistério
Virei um professor rai-teque
Quase todos alunos passam a aula cabisbaixos
De olho no uatizape ou feicebuque

Quase todos nem na biblioteca foram
Pegar os livros que encomendei para a leitura coletiva

Quase todos acham por demais
Alguns exemplos que dou:
Nunca chegar atrasado
Nunca faltar
Sempre valorizar a hora-aula

Sou um professor moderno
Diálogos em círculo
Lutando contra o fim das metanarrativas
da teoria pós-moderna
[E dos bocejos discentes]

Parece que prego no deserto
Parece que o desapego chegou aos livros, ao papel, à escrita cuneiforme

Sou um professor moderno
Compro os jornais dominicais para ler com meu alunos
Que parecem estranhar aquele papel cinza
Em forma de tablóide

Durante anos vi professores cansados
Cabelos pretos ou grisalhos

Jurei nunca me abater

Mas, às vezes, fico com a sensação
De ter sido abatido
Em pleno voo pedagógico

14.10.15

Gelatina Geral

Eu pensava que dentro de mim
Havia um Sartre
Sem idade, sem razão, sem Simone

Descobri que dentro de mim
Habita uma gelatina
Sem sabor, sem cor
Insípida, inodora, estúpida

Dentro de mim
Apenas escarlatina
E um jogo de sete erros

6.10.15

Sobrevivência

Falo, falo, falo
Repito
Entre as enormes dimensões de teu ego

Tento esquecer as conversas truncadas
As informações desconexas
O amor demodê
As usurpações passadas

Resta-me essa fala, calada
Falo, falo, falo
O meu silêncio em ação

Para um observador desatento
Pura arrogância, prepotência
Sexismo exacerbado

Para mim desconjuntura
Dedo em riste
Sobrevivência