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30.12.08

A pasteurização da esquerda paraibana (parafraseando Frei Betto)

Na virada do século XX para o século XXI, a Paraíba assistiu ao agravamento da questão social em decorrência da ensaiada briga política de dois grupos dominantes no estado. Isso fortaleceu grupos políticos da direita, arenistas de carteirinha, ruralistas, empreiteiros, empresários e meios de comunicação – enfraquecendo os movimentos sociais, estudantis e os partidos políticos, até então, ligados à esquerda. É o que explica as vitórias de Efraim Moraes (pai e filho), Cícero Lucena, Cássio Cunha Lima, Marcus Odilon, José Maranhão etc.
Aqui na Paraíba a esquerda não logrou ser uma alternativa de governo, muito menos de poder.
Desde o fim da SETUSA, na década de 1990, a esquerda entrou em crise de identidade em toda a Paraíba. A implosão do PCdoB e a adesão do PT à economia capitalista de mercado deixaram-na órfã, sem respaldo necessário para empreender mudanças pela via revolucionária.
Na Paraíba, optou-se pelo busca incessante por cargos comissionados, pela eleição de um deputado federal e por colocar um bando de gente nos cabides de emprego. Esvaziaram-se a Teologia da Libertação, os sindicatos combativos, as organizações camponesas, e excluídos em geral.
Não restou alternativa a esse movimento social engajado na busca de um “outro mundo possível” senão disputar, com os partidos do establishment, o espaço do poder. Desprovidas de recursos financeiros e sem apoio estadual, as forças políticas de oposição – a esquerda - não detinham suficiente poder de mobilização, esmagadas, nas décadas anteriores, pelo coronelismo e neocoronelismo que se espalhou na Paraíba.
Esse processo tem sido responsável por mudar o caráter político de governos da Paraíba.
O que se vê, agora, é um impasse, do qual o caso paraibano é exemplo. Não há como gerar uma ruptura revolucionária, como aconteceu com as Ligas Camponesas de Sapé na década de 1960. Como, então, promover reformas de estruturas e reduzir a brutal desigualdade entre a população? Avanços nesse sentido não acontecem em canto nenhum da Paraíba.
Na Paraíba, o governo Cunha Lima III optou por uma governabilidade baseada na política de conciliação com os setores dominantes e compensação dos dominados, dentro do receituário econômico neoliberal. Ao assumir o governo, Cássio poderia ter assegurado sua sustentabilidade política mirando-se no exemplo do velho Ronaldo, combativo na época da ditadura militar. Escolheu a estratégia política de romper para alternar, criando um joguinho maniqueísta que domina os noticiários da Paraíba. Assim, tornou-se refém de sua política compensatória. Os cheques da FAC lhe renderam perda do mandato, ainda sustentado por um pedido de vistas por um dos ministros do TSE.
Ao chegar ao Palácio da Redenção, o PSDB preencheu considerável parcela de funções administrativas graças à nomeação de líderes da direita. Essas lideranças estão hoje perfeitamente adaptadas às benesses do poder, sem o menor interesse em mudar a estrutura política do estado.
Por sua vez, o governo adotou uma política de relação direta com a parcela mais pobre da população, como é o caso dos cheques da FAC, dos empréstimos junto ao Banco Mundial e da propaganda de rádio e TV. O propósito emancipatório de liberdade e justiça social foi abandonado em favor de uma dependência que traz ao governo bônus eleitoral.
Tais medidas enfraquecem os movimentos sociais e, ao mesmo tempo, põe em risco de ceder ao neocaudilhismo: o núcleo governante, voltado unicamente ao seu projeto de perpetuação no poder. Na Paraíba, o fenômeno cassista se deslocou da grande massa da população.
O que significa o enfraquecimento da esquerda na Paraíba? Ele aponta para a perda do horizonte socialista que norteava o PT e o PCdoB. Para “sobreviver” politicamente abaixaram suas bandeiras de luta e uniram-se a um dos pólos de disputa, esquecendo a trajetória histórica de militância. Escolhe-se abster-se de um modelo alternativo de desenvolvimento sustentável e libertador. O projeto Paraíba é descartado em benefício de um projeto de poder, para cujo êxito não faltam escândalos de corrupção e alianças com partidos e forças sociais e econômicas que o PT e PCdoB, propunham enfrentar e derrotar.
Cássio teve, nos primeiros meses de seu governo, poder suficiente para promover a mudança social. Não soube aproveitá-lo. Há momentos que o poder está com o povo, outros com o governo e outros com o capital financeiro. A máquina do Estado, azeitada pelos interesses das elites, refreou-lhe idéias e aspirações. Atucanada, a política econômica impôs-se como prioridade das prioridades, sem reflexos significativos na área social.
Como filho de ex-governador, Cássio não esperou que os trabalhadores freqüentassem a sede do governo. Fez o governo deixar a sede para ir ao encontro dos trabalhadores. Como governador, não conseguiu repetir o gesto. Portanto, não implementou uma política de empoderamento popular.

QUAL SERIA A SOLUÇÃO?

Primeiro, resgatar o trabalho de base, de educação política dos militantes dos movimentos sociais, de fortalecimento de suas organizações e entidades. Mostrar ao povo da Paraíba que este jogo político não interessa à classe trabalhadora e que é preciso construir um outro projeto popular. É preciso retomar as manifestações de massa, realizar ocupações, debates nos bairros e comunidades. Sabemos que para esses grupos políticos conservar-se no poder passou a ser uma obsessão e uma maneira de conquistar vultosos recursos para benefício próprio. Por isso, é preciso insistir na desmistificação desses políticos, ideologizar o debate e realizar ações práticas e concretas de manifestação popular. Apontar que o processo eleitoral atende aos interesses de grupos econômicos dominantes e que é preciso, como diria Gonzaguinha, “mais que nunca, prosseguir”!
É preciso evitar que a militância feneça, dando lugar aos que atuam por contrato de trabalho, gente desprovida daquele entusiasmo e que passam a acreditar nas eleições para conseguir um emprego como assessor do candidato vencedor. Os desejosos por mudanças devem se empenhar em mergulhar no mundo dos excluídos para ajudá-los a dar consistência política às suas demandas e aspirações, e que possamos construir uma outra Paraíba.

Nota: as idéias, palavras, expressões e análises deste texto são de Frei Betto, publicado na revista Le Monde Diplomatique Brasil em dezembro de 2008 (páginas 12 e 13), fiz modificações, a meu bel prazer, para a realidade paraibana. Desta forma distorci o texto, pois enxertei minhas análises sobre o pensamento de Frei Betto.
Lauro Pires Xavier Neto

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