Divulgado
recentemente o Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios (IDHM)
representa, de certa maneira, o IDH tupiniquim. Mas, o próprio documento sobre
metodologia do IDHM, elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU/PNUD),
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Fundação João Pinheiro,
adverte: “É errado fazer
qualquer tipo de comparação entre o IDHM de um município e o IDH de um país. O IDHM tem como inspiração
o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), mas diferencia-se de seu
cálculo em função dos ajustes que sofre para melhor se adequar à realidade
brasileira.”.
O
IDH é um referencial magro, com poucos elementos de análise, predominantemente
quantitativo e não reflete a realidade dos países - o IDHM acompanha essa
lógica e leva em consideração três dimensões: Educação, Longevidade e Renda.
Mas,
é inegável a força desses dados quando divulgados com estardalhaço pela mídia e
como devem mexer com a cabeça dos munícipes, especialmente quando estão no topo
do ranking. É o caso de Melgaço no Pará, apontado como o pior município no
Brasil, último lugar com 0,418 no IDHM e mereceu até uma foto num jornal de
grande circulação nacional e matérias em programas televisivos dominicais (uma
dessas matérias creditava à corrupção o elemento central nos baixos índices
alcançados por Melgaço (PA), Fernando Falcão (MA) e Atalaia do Norte (AM)).
Acredito que em todos os estados o monopólio midiático fez matérias
jornalísticas com os municípios de “alto” e “baixo” índice, mostrando a
evolução ao longo dos anos (o Atlas do Desenvolvimento Humano compara os dados
do Censo de 1991, 2000 e 2010) e apontando os vilões da história, sem
estabelecer nexos e relações com a realidade social e econômica em que vivemos.
Em
Sergipe, o município de Poço Redondo ficou na berlinda. Situado na microrregião
sergipana do Sertão do São Francisco e com uma população de pouco mais de
trinta mil habitantes (Censo 2010), Poço Redondo ficou na posição 5402 entre os
5565 municípios do país. O IDHM foi de 0,529, considerado baixo pelos critérios
adotados pela ONU, porém distante do índice 0,228 alcançado em 1991 e 0,363
alcançado em 2000.
Como
em todo Brasil a dimensão Educação foi a grande vilã de Poço Redondo. Com
índice 0,376, em 2010, foi superada pela dimensão Renda (0,519) e Longevidade
(0,760), mas foi o indicador que mais evoluiu ao longo dos três censos
realizados. Mas, o que a maioria da população não vai se perguntar é o que é
levado em consideração para apurar tal índice? E talvez o mais importante, o
que não é levado em consideração? A metodologia do IDHM Educação leva em
consideração a população adulta com ensino fundamental completo (22,24% em Poço
Redondo, 2010), crianças de 5 a 6 anos frequentando a escola (88,89% em Poço
Redondo, 2010), jovens de 11 a 13 anos nos anos finais do ensino fundamental
(61,71% em Poço Redondo, 2010) jovens de 15 a 17 com ensino fundamental
completo (28,36% em Poço Redondo, 2010) e jovens de 18 a 20 anos com ensino médio
completo (16,56% em Poço Redondo, 2010).
A
primeira pergunta que surge: e as creches? Por que não entram nessa conta? A
Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica é um momento crucial para
a formação do indivíduo e numa necessidade para a classe trabalhadora,
explorada e empobrecida pelo sistema e altamente dependente de um sistema
escolar que possa ajudar na formação de seus filhos desde a tenra idade, porém
negligenciada pelo poder público. Em Poço Redondo não existe registro de
matrícula em creches da rede pública municipal em 2010 (muito menos em 2012 e
2013, estranhamente em 2011 foram matriculadas 92 crianças em creches de tempo
parcial, segundo dados do FNDE a partir dos dados para composição do FUNDEB).
Segundo o Censo 2010, 10,08% das crianças de 0 a 3 anos de Poço Redondo estavam
na escola, provavelmente na rede privada de ensino. Neste caso, incluir as
creches na conta do IDHM seria rebaixar demais os índices.
Querem
mais dados estarrecedores? 38,69% das pessoas acima de 18 anos de Poço Redondo
(2010) não foram alfabetizadas. Outro polo do processo educacional que o
Governo Federal fechou os olhos. Mas, o que esperar de uma população com renda
per capita de R$ 202,24? Com renda apropriada pelos 20% mais ricos de 61,35% em
detrimento dos 80% mais pobres que se apropriam de 38,65 da renda? A
concentração de renda, própria dos regimes capitalistas, é a responsável pelo
rebaixamento das condições de vida da população, ainda mais quando estamos
tratando de um município com 72,35% (2010) da população vivendo na zona rural.
População do campo historicamente negligenciada pelo poder público, em especial
no tocante à educação, o que explica, inclusive, o porquê de muitas escolas do
campo não comporem os índices do IDEB.
O
que separa São Caetano do Sul (SP) de Melgaço (PA)? Aracaju (SE) de Poço
Redondo (SE)? Uma leitura mais aprofundada, e distante dos “holofotes” das
corporações midiáticas, se faz necessária a partir da compreensão da formação
histórica da sociedade brasileira, das relações de poder nos moldes do
coronelismo ainda vigente, da concentração de renda, dos recursos públicos
destinado ao pagamento da dívida pública em detrimento da saúde e educação da
população, das fraudes eleitorais e por que não, da corrupção endêmica inerente
a esse sistema excludente em que vivemos. O poço é muito mais fundo do que se
possa imaginar.
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