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7.8.13

O QUE ACONTECEU COM POÇO REDONDO?


Divulgado recentemente o Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios (IDHM) representa, de certa maneira, o IDH tupiniquim. Mas, o próprio documento sobre metodologia do IDHM, elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU/PNUD), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Fundação João Pinheiro, adverte: “É errado fazer qualquer tipo de comparação entre o IDHM de um município e o IDH de um país. O IDHM tem como inspiração o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), mas diferencia-se de seu cálculo em função dos ajustes que sofre para melhor se adequar à realidade brasileira.”.

O IDH é um referencial magro, com poucos elementos de análise, predominantemente quantitativo e não reflete a realidade dos países - o IDHM acompanha essa lógica e leva em consideração três dimensões: Educação, Longevidade e Renda.

Mas, é inegável a força desses dados quando divulgados com estardalhaço pela mídia e como devem mexer com a cabeça dos munícipes, especialmente quando estão no topo do ranking. É o caso de Melgaço no Pará, apontado como o pior município no Brasil, último lugar com 0,418 no IDHM e mereceu até uma foto num jornal de grande circulação nacional e matérias em programas televisivos dominicais (uma dessas matérias creditava à corrupção o elemento central nos baixos índices alcançados por Melgaço (PA), Fernando Falcão (MA) e Atalaia do Norte (AM)). Acredito que em todos os estados o monopólio midiático fez matérias jornalísticas com os municípios de “alto” e “baixo” índice, mostrando a evolução ao longo dos anos (o Atlas do Desenvolvimento Humano compara os dados do Censo de 1991, 2000 e 2010) e apontando os vilões da história, sem estabelecer nexos e relações com a realidade social e econômica em que vivemos.

Em Sergipe, o município de Poço Redondo ficou na berlinda. Situado na microrregião sergipana do Sertão do São Francisco e com uma população de pouco mais de trinta mil habitantes (Censo 2010), Poço Redondo ficou na posição 5402 entre os 5565 municípios do país. O IDHM foi de 0,529, considerado baixo pelos critérios adotados pela ONU, porém distante do índice 0,228 alcançado em 1991 e 0,363 alcançado em 2000.

Como em todo Brasil a dimensão Educação foi a grande vilã de Poço Redondo. Com índice 0,376, em 2010, foi superada pela dimensão Renda (0,519) e Longevidade (0,760), mas foi o indicador que mais evoluiu ao longo dos três censos realizados. Mas, o que a maioria da população não vai se perguntar é o que é levado em consideração para apurar tal índice? E talvez o mais importante, o que não é levado em consideração? A metodologia do IDHM Educação leva em consideração a população adulta com ensino fundamental completo (22,24% em Poço Redondo, 2010), crianças de 5 a 6 anos frequentando a escola (88,89% em Poço Redondo, 2010), jovens de 11 a 13 anos nos anos finais do ensino fundamental (61,71% em Poço Redondo, 2010) jovens de 15 a 17 com ensino fundamental completo (28,36% em Poço Redondo, 2010) e jovens de 18 a 20 anos com ensino médio completo (16,56% em Poço Redondo, 2010).

A primeira pergunta que surge: e as creches? Por que não entram nessa conta? A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica é um momento crucial para a formação do indivíduo e numa necessidade para a classe trabalhadora, explorada e empobrecida pelo sistema e altamente dependente de um sistema escolar que possa ajudar na formação de seus filhos desde a tenra idade, porém negligenciada pelo poder público. Em Poço Redondo não existe registro de matrícula em creches da rede pública municipal em 2010 (muito menos em 2012 e 2013, estranhamente em 2011 foram matriculadas 92 crianças em creches de tempo parcial, segundo dados do FNDE a partir dos dados para composição do FUNDEB). Segundo o Censo 2010, 10,08% das crianças de 0 a 3 anos de Poço Redondo estavam na escola, provavelmente na rede privada de ensino. Neste caso, incluir as creches na conta do IDHM seria rebaixar demais os índices.

Querem mais dados estarrecedores? 38,69% das pessoas acima de 18 anos de Poço Redondo (2010) não foram alfabetizadas. Outro polo do processo educacional que o Governo Federal fechou os olhos. Mas, o que esperar de uma população com renda per capita de R$ 202,24? Com renda apropriada pelos 20% mais ricos de 61,35% em detrimento dos 80% mais pobres que se apropriam de 38,65 da renda? A concentração de renda, própria dos regimes capitalistas, é a responsável pelo rebaixamento das condições de vida da população, ainda mais quando estamos tratando de um município com 72,35% (2010) da população vivendo na zona rural. População do campo historicamente negligenciada pelo poder público, em especial no tocante à educação, o que explica, inclusive, o porquê de muitas escolas do campo não comporem os índices do IDEB.


O que separa São Caetano do Sul (SP) de Melgaço (PA)? Aracaju (SE) de Poço Redondo (SE)? Uma leitura mais aprofundada, e distante dos “holofotes” das corporações midiáticas, se faz necessária a partir da compreensão da formação histórica da sociedade brasileira, das relações de poder nos moldes do coronelismo ainda vigente, da concentração de renda, dos recursos públicos destinado ao pagamento da dívida pública em detrimento da saúde e educação da população, das fraudes eleitorais e por que não, da corrupção endêmica inerente a esse sistema excludente em que vivemos. O poço é muito mais fundo do que se possa imaginar.

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