Lambia copiosamente a panela
transbordando com a sopa de ervilha. Mais uma vez, havia prestado atenção na
receita antes do pior ter acontecido. Viu as batatas e cebolas cortadas sob a
pia, observou a marca do óleo de oliva e as pitadas de sal. Sempre achou
exagerado o tempo de cozimento e sempre resmungava que as proteínas poderiam se
exaurir àquela temperatura. Mas, aquele caldo era único, um sabor que nunca
encontrou nem mesmo nos melhores restaurantes. Por muitas vezes, tentou repetir
a façanha e o máximo que se aproximava era com o verde daquele prato.
Continuava a lamber cada gota da panela, pois sabia que era a última vez que
sentiria aquele sabor, tomando cuidado para não pisar no corpo inerme que
repousava no chão da cozinha. Num esforço hercúleo, tentava evitar que as
lágrimas caíssem sobre a sopa e estragassem aquele sabor fenomenal. Por fim, esfregou
os dedos na panela, descolou restos apurados que estavam pregados, e finalmente
limpou todo o fundo e as laterais até encontrar o reflexo do seu próprio rosto.
Nunca mais suas papilas sentiriam aquele sabor. Terminada a procissão gustativa,
teria que iniciar o ritual de despedida. Ela se foi, inesperadamente, logo após
passar a sopa no liquidificador e retorná-la à panela. Apenas um suspiro marcou
a distância entre a dor e a morte – foi tudo muito rápido.
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