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25.9.16

Poema morto

Escrever (tentativas) poéticas
É como mergulhar num pântano
artificial

Não corto os pulsos como o Veríssimo
Mas desejo, caro leitor
que você imagine que o autor morreu

Atolou-se nesse lodo poético movediço
Morreu sem ar
sem luz
sem isso

Morto, caro leitor
Não posso responder sobre o que escrevi
sobre quem escrevi
ou como estou me sentindo

Morri com o poema
Morri com as tentativas
Agora ele fede
Está em decomposição

Cabe a você, caro leitor
usar a imaginação
E quem sabe mantê-lo dessepulto

Ensaio sobre minha cegueira

Precisei ensaiar minha cegueira
Para poder enxergar melhor

Precisei ensaiar minha cegueira
Para poder cantar a vida melhor

Precisei ficar cego
Para compreender a cegueira do outro

Precisei estar cego
Para ver minha própria cegueira

Minha cegueira é minha condição de visão
É quase gagueira
No parlamento imundo

Minha cegueira é minha condição de estar no mundo
É poder enxergar os limites do outro

Estou cego
nada sinto
E ao mesmo tempo compreendo a visão
E sei porque minto

Estou cego e corro
E todos que enxergam
param
Doentes de poliomielite

Estou cego
E tantos que enxergam
Vêem só o pensamento da elite

Minha cegueira é como um parto
Ante o aborto das minhas convicções
soterradas num pacto

Estou
cego
surdo
mundo

E a toda hora mudo o canal
para nada ver além do ego

23.9.16

Etc

Não preciso mais ouvir músicas deprimentes
Para escrever meu poemas e sentir as vilanias
Basta ligar a TV e ver os políticos que mentem
Basta ir à feira ver os preços e orar para que não aumentem

Não preciso querer compor
deprimente
Já basta o canal que não abre a mente
Já basta a geladeira vazia
comumente
Já basta ler o jornal e ver
como mente

Já não preciso forçar a barra da dor deprimente
Basta ver o consumo rasteiro das ideias
intermitentes
Basta ver a briga interna
dos meus entes

Já não preciso saber quem sou
ou quantos dentes
Parecem visões prementes

Visões emparelhadas de um futuro pouco decente

et ceteramente

15.9.16

eu, vezes nada

Eu, trambolho de gente
Deixo essa última carta
Escrita com o dente
trincado de ódio

Eu, trambolho de gente
Filho do Augusto e do amoníaco
Sinto cheiro de enxofre
Nas cadeiras de chefes demoníacos

Eu, trambolho de gente
Cego de um olho
Míope de outro
Só enxergo meias verdades

Eu, trambolho de gente
Sou maltrapilho
Indecente
Visconde feito de milho

Eu, trambolho de gente
Sou uma rima no deserto
Uma lágrima no oceano
Ninguém de fato, decerto

Eu, trambolho
Às vezes gente
Às vezes ato
Às vezes nada
vezes nada