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29.8.16

Heroína

Heroína

(para Janis)

Nunca usei heroína
Nunca quis ser herói
Ou cowboy
Neste filme sem mocinho
que a vida predestina

Paguei a conta com o preço alto da coerência
Em meio a tanta displicência
Daqueles que um dia juraram lealdade

Os meninos da rua continuam com baleadeiras
Mesmo que já não tenham mais idade
para tanto

Subi e desci ladeiras
Às vezes sóbrio
Às vezes reu
Nunca montado em pedestal de ouro
Sem pés alados a caminho do céu

Nunca usei heroína
Nunca corri o risco de não amanhecer
Aos vinte e sete
Num quarto triste de hotel

Nunca gritei para me mostrar
Ou desafinar
Meu grito era em dó maior
Era o grito do meu tempo
Para sustar os agentes laranjas
Colhidos nos pés podres de barro

Vai Janis
Atira para todos os lados

Tua voz e teus gritos
São balas de anis
Só perfuram carnes amargas
cheias de ardis

25.8.16

Canibais

Estou embrutecendo
Uma colônia se espalha ao meu lado
Vermes crescendo
Sem parar

Poemas não brotam mais
Nesse desaguadouro
De canibais

Sujeitos comem minha carne
Repelem meus livros
Queimam meu corpo que arde

Estou embrutecendo
Estou emudecendo
Estou descendo
ladeira abaixo

Sinais dos tempos
De silêncio e tecnologia
Sinais dos tempos
Ventos conservadores
Não alimentam a autofagia

Guitarras não reagem mais
Crianças não reagem mais
Meus sonhos não suspiram mais

E (quase) todos escondidos com medo
dos canibais

1.8.16

Aqui jaz

Já imaginei minhas cinzas jogadas ao mar
Nesse mar revolto
Nessa química perfeita
De ondas coloridas e paisagens resolutas

Já imaginei essa louca amálgama
De cinzas e sonhos
De derradeiros desejos

Essa enseada
O platô que anuncia a vida
O verde misturado ao azul
As rochas valentes

As ondas quebrando
O som da ressaca estridente

Não esqueçam
Exatamente neste ponto
Onde anunciam a jurema
Deixem minhas cinzas
(eu preferia a carne viva)
Alimentar essa última aventura extrema