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27.9.14

Paraibano

Sou paraibano, nascido em Recife
[por engano]
Batizado às margens do Rio Sanhauá
Alimentado pelo refrigerante homônimo
E pelo Dore Guaraná

Nascido na Várzea
[repito, por engano]
Foi a várzea quem me criou
Correndo pelos campos de terra e pedra
Junto com os moleques de Mandacaru

Jogava bola com Zé da Penha
E outros tantos Zés-Pés-Descalços
Com tantos calos que denunciam
Que hoje não brotam mais nas Cinco Bocas
As flores do mandacaru

Nunca mais vi Zé da Penha
Nem os campinhos de várzea
Nunca mais tomei banho às margens
de qualquer rio
A cidade ficou poliglota?
Ou será que a idade se transformou num vazio?

Onde estão os meninos de pés calejados
que um dia tomariam esta terra de assalto?
Foram todos engolidos por este ignóbil asfalto?
Onde estão os indignados, cujo os pais bailavam no Pé de Ouro?
Foram todos suprimidos pelas urnas de outubro?
Ou foram vítimas do calibre do três-oitão?

Sou paraibano, repito
[apesar de nascido em terra alheia]
Escuto todos os dias as vozes da infância
Dos meninos da zona norte

É preciso reencontrá-los, dizer que ainda é possível
Deixar outro legado

16.9.14

O verme

[Microconto]

Era fruto de uma vida tão solitária, mas tão solitária, que a própria solitária que vivia feliz em suas entranhas morreu de solidão.

Plúmbeo

A cidade ferve... é provável que esta semana tenhamos mais gente na rua... insatisfeitos com essa forma tosca de tocar a "política"... desabrigados de reuniões desmarcadas, pessoas sem teto, sem emprego, sem projetos, cansadas desse oco, dessa cantilena que afirma, não despretensiosamente, que estamos em descenso. Estamos correndo ladeira acima, com o sangue fervilhando, cobrando, mirando em todo ser obtuso, que mente por esporte, por não ter nada melhor que fazer... cansamos de claquete, de gente paga para aplaudir (ou nos vaiar), de paletós e microfones... não há mundo virtual que nos cale, que nos sufoque, que deixe nossos glúteos sentados eternamente... essas correntes que nos aprisionam deixarão de ser nosso algoz e participarão da grande festa, da comemoração da liberdade, muito além de algum confirme numa passagem nebulosa de outubro... as correntes contarão cada aflição que passamos, cada humilhação que sofremos e exalarão o sabor plúmbeo desse amálgama ferroso do suor do povo lutando por seus direitos.

14.9.14

Vazio

Amanheci no Ponto Cem Réis vazio
Num domingo que poderia ter a cara do lazer
Eu, meu filho e a bicicleta
Dando voltas, imaginando aquele espaço
Repleto de acrobatas, palhaços e piruetas

Pensei em vários esportes
Patins, ciclismo, futebol, vôlei e basquete
Pensei nas crianças das ocupações
Pintando rostos, comendo algodão doce
Os pais nas oficinas de formação política

Mas a desgraça corria solta
A Lagoa tomada por buzinas, óleo diesel
Carreata, políticos, adesivos, sujeira

E o domingo correu vazio

13.9.14

Alô Alô Ivo



(Para Ivo Herzog)
 
Alô Alô Ivo
Mande notícias de Compostela
Pois aqui até Adão quer comer a costela
Do pobre menino negro
Enfiado no camburão
Com cara de navio negreiro*

Alô Alô Ivo
Acelere o caminho
Pois aqui tem desesperado
Com uma fome animal
Querendo inclusive diminuir
A maioridade penal

E os mortos e desaparecidos
Continuarão a empilhar
Os anais da história
Com o aval do estado mau

Alô Alô Ivo
Volta logo camarada
Hora de rever conceitos
Pensar no lixo da história
E evitar que nossa juventude
Faça o caminho sem volta

* “Todo camburão tem um pouco de navio negreiro” (O Rappa)

7.9.14

Para Joselúcia

No nosso último encontro em terras baianas você comentou como eu estava magrinho. Sigo magrinho, feinho, feito Fabiano, em Vidas Secas, que ao contar os trocados recebidos do patrão constatou que a exploração era tão cruel quanto o engodo da democracia neste sistema. Os cambitos combinam com os parcos recursos da educação, finos e incrustados nesta tênue linha entre a miséria e a insensibilidade patente dos gestores. Sigo catando restos de vida, tentando apaixonar gente para a luta e me indignando dia após dia. Talvez por isso dez quilos esvaíram porta afora, sem pedir licença. Na feira encontrei dois amigos de longa data, igualmente macérrimos, contando doenças e descasos. Por isso, resolvi correr contra o tempo e assim não deixar para amanhã as batalhas de hoje. Sigo saudoso das terras do velho Jorge, mas, apimentado que sou, enraizei-me em terras paraibanas que, antes de comerem meus olhos, sentirão todo ardor que poderei exalar enquanto eu sentir o cheiro do vilipêndio atroz desses gestores desumanos.

Agradeço o teu olhar puro que ainda enxerga a beleza neste rosto uva-passa,

saudades,

Lauro

6.9.14

O IDEB na capital paraibana

Acaba de ser divulgado o resultado do IDEB 2013. Apesar das limites e das incongruências do índice da educação básica, gestores alardeiam aos quatro cantos que a educação vem melhorando, apesar das notas e projeções estarem sempre aquém do mínimo esperado, e mesmo assim comemoram notas inferiores a 5,0.

De maneira superficial, as notas do IDEB podem apontar os problemas das redes de ensino e nos ajudar a compreender quais são os gargalos da educação nos municípios.

No caso do município de João Pessoa/PB o resultado foi pior ainda. A nota final do 5o ano da rede pública municipal de ensino foi 4,5 abaixo do resultado de 2011 (4,6). A nota do 9o ano, acreditem, foi 3,7 abaixo dos 3,9 alcançados em 2011.

E por que as notas do IDEB da cidade de João Pessoa/PB despencaram?

Um dos elementos para consolidação de um rede de ensino de qualidade está relacionado com a CARREIRA DOCENTE.

Infelizmente, a rede pública municipal da capital paraibana tem em seus quadros mais de 60% de prestadores de serviço (dados do SAGRES/TCE/PB), que são trabalhadores da educação sem vínculo, sem estabilidade, sem direito a uma carreira profissional, que recebem bem abaixo da média salarial e estão suceptíveis a todo o tipo de coerções (para não dizer uso da máquina pública em períodos eleitorais).

Se havia alguma esperança que a atual gestão pudesse mudar esse quadro, a prática tem sido outra. Forçado pela necessidade legal de realizar concurso para a área de educação (o último foi realizado em 2007!) o atual gestor brinca de fazer concurso e não convoca os aprovados, em detrimento a mais de 6.500 prestadores estarem sendo pagos com a rubrica magistério FUNDEB (SAGRES/TCE/PB).

Mesmo com a previsão legal da nomeação garantida pela LDO 2014, com o excesso de arrecadação do FUNDEB (segundo o Semanário Oficial da PMJP mais de R$ 6 milhões no primeiro semestre), com recursos extras injetados em 2014 pelo reajuste do FUNDEB 2013 e pela Complementação do Piso por parte da União, o prefeito de João Pessoa/PB teima em não convocar os aprovados no concurso público.

E os índices educacionais na capital paraibana, infelizmente, seguem ladeira abaixo.

3.9.14

Incisivos

Quando lembro que um Veloso Borges
Atirou para matar no João Pedro Teixeira
E como sexto suplente
Tornou-se deputado, livre e solto

Quando lembro que um filho de governador
[aquele mesmo que atirou para matar, virou deputado e renunciou para não ser julgado, livre e solto]
Segue líder nas pesquisas "eleitorais"
Vejo que o tiro causou a morte
e a morte
Da Lei da Ficha Limpa

Quando vejo um policial à paisana
Mostrar a arma para um trabalhador
Dar voz de prisão
Por portar pneus em seu carro
Pneus usados pelo trabalhador para lutar por moradia digna
Vejo a morte prematura da dignidade

Quando vejo um bebê de colo
Chorar na porta da delegacia
Esperar a soltura do pai preso
Pela ação arbitrária de uma polícia lacaia
Debruçada numa acusação infame

Imagino que não devemos esperar pelo amanhã
Que não devemos encher urnas
Que não podemos viver calados
Que precisamos construir nossas armas
E partir para a ofensiva
Nem que seja com os nossos incisivos
Nem que seja de maneira incisiva