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29.11.13

Condenação

Foi dado o veredito
Condenado em última instância
O juiz ao final assertivo: tenho dito

Pena máxima ao réu
Prisão perpétua
No máximo poder ver o céu

Prisão estadual
Sem direito à apelação
Na zona urbana ou rural

Nunca mais mergulhos rotineiros
Em mares bravos ensolarados
Nunca mais passeios em barcos pesqueiros

Nunca mais verde planta
Respirar ares puros
Nunca mais escutar a palavra que canta

Nunca mais amigos antigos
Jornais ao fim de semana
Escrever serenos artigos

Resoluto aceito a condenação
Pagar as penas das minhas ações
E esperar um dia que caia do céu a minha ordenação

Barba

Não vou ficar imberbe
Quero barba rala
Para mostrar ao tempo
Que já envelheci

Quero barba longa
Rosto ensebado, pelos brancos
Para mostrar ao tempo
Que já envelheci

Não perca tempo comigo
Tempo
Não te darei o gosto de me ver oxidar

Tempo
Não perca tempo comigo
Coloco minha barba de molho todo dia

E embarco no primeiro trem
Rumo à Estação Finlândia
[não quero ver o inverno chegar]

27.11.13

Lua

Olhei no calendário
Este ano a lua cheia
Constará no meu aniversário

Espero que venha sorrindo
Reflita com o mar
Ideias tinindo

Os espaços vazios e as beiras
Espero que preencha
E siga faceira

Espero que a lua cheia
Lembre que é meu aniversário
E me convide para a ceia

Faremos amor
No seu lado escuro
Para não gerar rumor

Partiremos minguantes
Novas e crescentes
E seremos eternos amantes

26.11.13

Parahyba

Neste verão quero tomar um banho de Parahyba
Às margens do Rio Sanhauá
Ver o Porto do Capim
Do frontispício do Hotel Globo
E tomar uma Dore guaraná

Quero andar solto pelo Ponto Cem Réis
Visitar a Oca de Piá
Pichar os muros da assembleia
Gritar o nome dos corruptos em altos decibéis

Lá em Reginaldo vou ler jornal
Ouvir a Boca Maldita
Visitar Augusto, Caixa D'água, Livardo Alves
Ver o sol dormir no Beco do Malagrida

Vou seguir as recomendações de meu Avô
Pisar macio no tapete amarelo dos Ipês
E não esquecer de apreciar a arquitetura das antigas casas
Do tempo que passou

Para não perder o costume
Vou chorar às margens do Cabo Branco
Ouvir a sinfonia marítima
Jogar vôlei nas areias finas
Trazer a lume
A alegria de brincar com meu filho

Vou me deleitar na maré zero zero
Ver os corais do Bessa
Visitar os canyons de Coqueirinhos
Os antepassados da Arapuca
E andar por Tambaba sem essa

Nada me impedirá de respirar
O ar dos teus jardins
De enxergar a cor das tuas orquídeas
Da Bica à Ponta dos Seixas
Da barreira destruída para outros fins

Vou participar de todas as manifestações
Pintar de verde-branco forte
Todas as lamentações varonis
Ajudar a escrever teu verdadeiro nome em letras garrafais:
Parahyba do Norte

25.11.13

Oco

Cidades vazias
Não preenchem o meu oco
Plêiades artificiais
De uma urbe tosca
Regam o chão com uréia
[destilada]

Cidades [deliberadamente] vazias
Tocam sinfonias bêbadas
No pior destilo musical

Cidades vazias
São como casamentos por conveniência
Heranças malditas herdadas do sangue público

O povo sangra
Assina papéis com o polegar
Solta fogos em comemoração

Cidades esvaziadas
Por larápios com crachá e diploma na assembleia
Reduto de gatunos profissionais

Povo esvaziado
13 milhões de analfabetos
Catam lixo
Enchem urnas

Entrementes
Troçam os diplomados
Responsáveis fiéis pela cidade vazia

13.11.13

Escridor

Resolvi que um dia serei escridor. Colocar para fora as estranhas entranhas que não me deixam dormir. Escridor é aquele que sente as agruras do mundo. Que sai porta afora e vê crianças catando lixo, creches cerradas e opacas como se fossem presídios anunciando o futuro. Escridor é aquele que sente o cheiro do esgoto que parece um carteiro entregando nas casas amebas domesticadas. É aquele que enxerga a origem desse mal, mas não consegue compartilhar essa visão com o vizinho antenado na TV ao lado. Escridor é aquele que chora em silêncio, que sabe que vai embora porque não aguenta mais ficar ao lado do prefeito corrupto que virou deputado com os votos dos amigos de quarto. Escridor é o sujeito chato, que reclama de tudo, que não é cooptado pelas benesses dos cargos, que se desvencilhou do vil metal. É aquele que não tem preço e por isso morre ao ver o amigo vendendo o que há de mais precioso. Ser escridor não é fácil, como é difícil escrever a dor.

Apenas uma sessão

Foi com a turminha de adolescentes para o cinema que ficava no centro da cidade e hoje, transformado em igreja, padece dessas esporádicas lembranças dos anos 1990.

Naquela época não importava o filme, o diretor ou o enredo. Mais valia sair com os amigos do ensino médio, então segundo grau, para curtir uma tarde e quem sabe arrancar o primeiro beijo.

Não estava confiante que o filme do Batman pudesse atrair um clima animador para desvirginar os lábios, mas só o fato de estar em boa companhia já superava as expectativas. Naquela época não havia cadeiras numeradas, nem várias telas com uma diversidade de filmes, muito menos era preciso sair da sessão caso você optasse por ver o mesmo filme a tarde inteira.

Um combinado tácito também era comum. Alternância de meninos e meninas nas cadeiras, pois com a ajuda do escurinho do cinema era mais fácil vencer a timidez e quem sabe emplacar um namoro. Da mesma forma como o filme era indiferente, naquela seca brava de contatos íntimos, tanto fazia a garota que sentasse ao teu lado. Mas, quando você dava a sorte de sentar ao lado de uma garota linda, não era prudente desperdiçar a oportunidade.

As mãos suadas denunciavam o quanto era preciso ignorar o preço do ingresso e tentar ao menos estimular uma resposta positiva. Sorrateiramente e com muito cuidado, os dedos avançavam, encostavam quase sem querer a outra mão desejada. A reação inopinada de contato recíproco fazia o coração bater mais forte e encorajava o avanço com muita cautela e medida, nada que os anos 1990 pudesse achar libidinoso.
A primeira reação é como se estivesse estiolado, que aliado ao escuro da sessão todo o ar tivesse sido sulgado porta afora. Era preciso vencer a si mesmo. Passar das mãos às bochechas macias e rosadas, sentir o dengo desejar mais carinho. As mãos delicadas daquele que nunca precisou pegar num cabo de enxada, ajudavam a tornar aquela experiência tão simples e inocente numa aventura sentimental indescritível.

Desejava que aquele fosse o longa mais longo de Hollywood, para que as mãos doces pudessem cumprir plenamente a função que seria mais complexa ao acender das luzes. Acabou não dando espaço aos lábios virgens, deixou que as mãos se amassem até a vitória do homem morcego. Não queria correr riscos caso tentasse um beijo naquela posição oblíqua, imprópria para os amantes cinéfilos. Afinal, frente a frente já parecia ser um trabalho hercúleo para um neófito, imagine tendo que torcer o pescoço em noventa graus.

Luzes acessas e um pequeno percurso até o ponto de ônibus. Diminiu o passo, deixou a turma seguir e deu prosseguimento ao encontro caloroso das mãos. E agora? Teria que parar? Falar algo para então contrair o beijo? Desajeitado e sem construir algo idílio, soltou sem pensar:

- Acho que agora não precisamos de um manual de instruções.

Como um raio que parte uma casa ao meio, as mãos descolaram-se instantaneamente. Não viu nem o rastro do ônibus que levou embora aquele sonho que durou apenas uma sessão.

11.11.13

Microconto

Vida

Acreditou piamente que seus poemas reencarnados lhe daria a vida eterna.

Escritos

Estes escritos não geram mais-valia
Não são propriedade privada
Não derrubam árvores
Não bebem celulose
Não possuem direito autoral
Não auferem renda
Apenas ajudam a me salvar do mal do tempo
Em dias chuvosos de verão

Copa

A criança sem creche
Olha atenta a mãe nua
Que sem emprego se mexe

Não há solidão maior que o deserto
De uma alma nua
Sem emprego certo

Corre solta a bola na grama
Nos insalubres andaimes da Copa
E perto dali escorre a trama

Sem creche, a mãe é só lassitude
Mas o estádio apinhado
Diz que é preciso ter atitude

A explicação teleológica
De um gol aos noventos minutos
É muito mais lógica

Faltam creches, empregos
Sobram craques, gols
Empresas, contratos, egos

A mãe na copa
Raspa a lata de leite, atenta ao gol
Do craque que segue para a europa

Na Copa estão comendo fast-food
O Tio Sam vai conhecer a nossa batucada
E filmar essa orgia em Hollywood

Não há dissensões
Somos todos verde-amarelo
Em melancólicas crispações

O corpo exala o odor
Estremece de fome
Afugenta a dor

É gol, sublime
Não há mais faltas
Apenas a felicidade imprime

Não levo mais chibatadas no couro
Não preciso mais de creches
Pois tenho um gol de ouro

7.11.13

Calo

Faz tempo que não riu
Que não vou ao Rio
Que certas águas do rio
Não desembocam no mar

Faz tempo que cumpro pena
Dá pena só de pensar no comprimento
Estreito da pena
Que não posso comprar

Faz tempo que tento sobreviver
Sobre viver não tenho mais nada a dizer

Só calo
Nos meus pés
Alados

Como escrever poemas

Fustigado pela história, passou a escrever poemas

Viciado nas idiossincracias alheias
Injetava doses cavalares de aflições
Nas veias abertas [da América Latina]

Cheirava o pó dos antepassados cremados
Pela ganância implacável dos colonizadores

Tomava barbitúricos alucinógenos para reviver a escravidão nada afável

Escrevia seus poemas
Sob o efeito deste coquetel inflamável

Sentido

Não encontrou sentido
Naquela dor sentida
Naquela prisão sem grades
Naquele homicídio culposo
Naquele ato doloso
Corriqueiro dos que não amam

Não encontrou sentido
No sentido detido
Naquele vidro fosco
Temperado a sangue, suor e lágrimas

Não encontrou sentido
Naquela placa de contramão
Naqueles homens correndo sem direção

Não encontrou sentido
Naquele corrimão desapegado
No grito de gol da esquina ao lado

Não encontrou sentido
Em tantos holofotes
Em tantos desapegos fortes

Não encontrou sentido
Naquilo que estava sentindo

6.11.13

Melanina

Uma canção me disse certa vez
Que os sonhos não envelhecem
Faltou combinar com a escassez de melanina
E com os cabelos brancos que já apontam

Um certo poema falava dos meus ombros
Do quanto eles suportavam o mundo
Hoje não suportam o tempo envelhecido
E contam regressivamente a euforia ofuscada

Certos sonhos, certas canções
Duram o quanto tempo mole
Esparrama céu afora
Anoitece todo dia

O estribilho ressoou desafinado
Na tocata do balaústre
Na serenata do poeta
Na noite que se quedou: fim